A Gazeta do Middlesex

 Meteorolês

5/10/2014

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                                            METEOROLÊS




Imagino o leitor como possuindo um conhecimento suficiente do idioma de Shakespeare para ser capaz de manter uma conversação mais ou menos fluente, o que o leva a achar-se razoavelmente equipado para qualquer eventualidade que imponha ter de comunicar nessa língua

É verdade que não se pede que fale o Queen's English para se ir desembrulhando no dia a dia, mas quer seja para falar com eventuais turistas britânicos, numa demonstração da afabilidade tão portuguesa, quer seja para visitar ou, quem sabe, fazer vida em terras de Sua Majestade, é bom ter também algumas noções de Meteorolês e saber quais são os assuntos que não é boa ideia trazer à conversa.

Não querendo desanimar ninguém, desde já aviso que são muitos, incluindo tudo o que cheire a controvérsia ou antagonismo, começando pela política, coisas de dinheiro, rivalidades de qualquer tipo, (clubísticas , nacionais ou regionais), comentários sobre características físicas de alguém, (particularmente se estas se situarem entre os tornozelos e as sobrancelhas) e, above all, tudo aquilo que mesmo remotamente possa ter, God forbid, conotações sexuais.

Pressinto que nesta altura o leitor se interrogará sobre o que afinal se fala nestas ilhas, mas acredite que não é caso para alarme, pois foi precisamente para solucionar esse problema que os seus habitantes criaram este idioma. A Natureza na sua magnificência providenciou um assunto inesgotável, apaixonante, verdadeiramente obsessivo e que é, como já adivinhou, o Tempo.

Admito desde já que ao Britânico falta o dramatismo e a magnitude que se verifica no de outras latitudes, e que o segredo está em saber apreciar devidamente as suas subtis variações, a sua imprevisibilidade que mesmeriza diariamente quem cá vive, e que faz com que falhem frequentemente as previsões oficiais para gáudio da população.

Muitas vezes me interrogo, e não sou o único e muito menos o primeiro, sobre o que teria acontecido a este Povo se ele não tivesse este recurso para iniciar uma conversa. Provavelmente já estaria extinto há muito, prisioneiro da sua reserva e timidez, e cuja característica mais marcante é o desejo de não se intrometer na vida dos outros, o que é frequentemente interpretado como frieza.

O Tempo aparece então como o grande facilitador, o “Abre-te Sésamo” das relações sociais e não admira portanto que toda a conversa comece com uma referencia ao seu estado e que não o fazer constitui uma falha grave no protocolo estabelecido.

Quando alguém interpela alguém com um: “Hoje está frio não está ? “, o que na realidade quer dizer é : “Quero falar contigo, e tu queres falar comigo ?”.

Temos assim que a Primeira Regra do Meteorolês consiste na absoluta obrigatoriedade de se concordar com a observação que nos é feita sobre as condições meteorológicas.

Imagine o leitor que esse era um dia de calor de ananases, (que também os há). A afirmação seria absurda claro, mas seria uma falha grave se não concordasse mesmo assim com ela.

Mas as coisas complicam-se pois o Meteorolês divide-se em três Corpos distintos nos quais deve o leitor ser igualmente proficiente: O Tempo que fez, o que faz, e o que irá fazer. Pede-se que tenha uma opinião informada sobre todos eles e demonstrar erudição é altamente apreciado: Imagine, por exemplo, que o leitor diz a certa altura que a temperatura é exactamente igual à do mesmo dia em 1935, (afirmação que seria altamente improvável que pudesse vir a ser desmentida): Teria nesse instante ganho o eterno respeito e admiração de vizinhos, amigos e familiares.

Isto pode parecer exagero mas o leitor não estaria a fazer mais do que seguir uma longa e ilustre tradição de coligir informação meteorológica que surgiu por volta dos meados do Séc. XVII com a fundação da Royal Society. John Locke, que além de ser justamente considerado uma das mentes mais brilhantes do Iluminismo, foi também quem registou diária e minuciosamente o estado do Tempo por mais de quarenta anos, não tendo sido nem por sombras caso único. Com a utilização do barómetro a tornar-se extremamente popular, os meteorologistas domésticos pulularam e sem saber criaram o Meteorolês como segunda língua nacional. Nem todos porém seguiram a moda e Samuel Johnson chamava depreciativamente aos que o faziam “inspectores de barómetro”, dizendo que as previsões feitas segundo nova ciência eram o mesmo que “acreditar em fadas e duendes”.

Mas pergaminhos não faltam ao inexplicável fascínio que o Tempo destas ilhas exerce: Strabo, historiador grego, já dizia em AD 7 que ele era o responsável pelo carácter “simples e bárbaro” dos habitantes, e mais tarde Tácito escrevia em AD 94 que “o céu ali está sempre nublado e chove continuamente”. Bill Bryson, um escritor americano que vive há longos anos no Yorkshire afirmou, talvez com algum exagero, que viver aqui era devido à falta de luz solar o mesmo que viver “dentro de um tupperware” .

Desde que Hipócrates, o Pai da Medicina, defendeu que se aos povos Orientais faltava a coragem, a resistência e a elevação de espírito dos Gregos era por viverem sob um clima demasiadamente uniforme, que se estabeleceu a convicção de haver uma ligação directa e forte deste com o carácter dos habitantes.

Não admira portanto que muitos séculos depois um outro médico, o escocês John Arbuthnot, tenha escrito em 1733 na sua magnum opus “ Ensaio sobre os Efeitos do Ar sobre os Corpos Humanos” que as constantes variações de pressão atmosférica a que estavam sujeitos os povos do Norte eram responsáveis por estes serem “activos e corajosos” ao contrário do que acontecia com os do Sul, os quais por estarem livres dessas “agitações e sensações” eram na generalidade mais “preguiçosos e indolentes”.

É verdade que outro escocês, o filosofo David Hume, não se deixou convencer tendo escrito:

“A única conclusão que se pode tirar sobre o que distingue os povos que vivem sob climas diferentes é a que reconhece que os do Norte têm uma maior inclinação pelas bebidas alcoólicas fortes, enquanto que os do Sul a têm pelo amor e mulheres”.

Creio que por esta declaração é devida ao velho David uma prolongada ovação com várias chamadas ao palco.

Eu sinto, após algumas semanas no Algarve acordando sempre sob um céu imperturbavelmente azul, alguma nostalgia pelo “frisson” que é abrir as cortinas pela manhã sem saber o que esperar.

É verdade que depois de voltar a casa e de ter aguentado algum tempo o shitty weather do costume, fico novamente cheio de saudades do esplendoroso Sol algarvio.

E isto é só um pequeno exemplo do preço que se paga pela emigração, que faz com que não nos sintamos inteiramente bem neither here nor there. Resta a resignação.





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