A GAZETA DO MIDDLESEX
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DESCUBRA AS DIFERENÇAS II
O valor e a recompensa são inversamente proporcionais. Os cargos mais prestigiados e lucrativos são os que mais danos causam. Aqueles cuja actividade é mais útil à comunidade são mal pagos e estão desprotegidos.
Ainda na semana passada, conversando com uma assistente social, esta realidade me foi cruamente relembrada. Carole, é o nome da pessoa em questão, trabalha para uma firma privada que presta serviço ao SNS. Diariamente é-lhe dado um itinerário de visitas a realizar no qual, por incrível que pareça, por vezes constam três visitas de meia hora no espaço de sessenta minutos. Não é contado o tempo perdido nos trajectos, tempo esse que não sendo remunerado significa que acaba por receber menos que o salário mínimo.
Durante os poucos minutos de que dispõe para cada beneficiário, pode ter de os ajudar a levantarem-se, fazer as suas necessidades, lavá-los, cozinhar e dar-lhes a tomar os seus medicamentos. Carole, ao ser entrevistada recentemente pelo programa de BBC “You and Yours”, contou que raramente tem tempo para descansar e quando consegue alguns minutos é com os seus pacientes que os passa. Para muitos ela será a única pessoa que irão ver em todo o dia.
Haverá profissão mais difícil e valiosa? E no entanto o que recebe em troca são muitas vezes insultos dos familiares por se atrasar ou por não passar suficiente tempo com cada idoso, e as queixas à sua entidade patronal são frequentes como se fosse ela a culpada. A sua profissão é muitas vezes acusada nos media, quando a responsabilidade pelas carências do serviço que presta cabe inteiramente às companhias que gerem o “negócio” da assistência domiciliária. A sua experiência pessoal é tudo menos excepcional : Um relatório da Resolution Foundation revela que dois terços dos assistentes sociais recebem menos que o valor considerado mínimo para fazer face ao custo de vida e que 10% não chegam mesmo a auferir o salário mínimo, o que é contra a lei. Estes abusos estão longe de se confinarem ao Reino Unido: Nos Estados Unidos 27% dos profissionais que efectuam visitas domiciliárias são pagos abaixo desse mínimo legal.
Vamos imaginar como vivem os proprietários das empresas que prestam esses serviços: Quanto mais cortarem nos custos, mais lucrativo será o seu negócio. Por outras palavras, quanto menos cuidarem dos pacientes tanto melhor será para eles. O gestor modelo desta actividade, do ponto de vista dos accionistas, tem de ser um completo sociopata.
Essa gente irá rapidamente tornar-se muito rica, e receberá do Governo constantes elogios por serem “criadores de riqueza.” Se doarem suficiente dinheiro ao Partido então terão bastantes chances de serem recompensados com um titulo de nobreza. Poderão adquirir uma vasta carteira de acções e também investir no imobiliário e assim, mesmo que um dia deixem de ter qualquer actividade, poderão continuar a viver confortavelmente à custa de pessoas como Carole, para quem será uma luta constante conseguir pagar a renda exorbitante das suas casas. Os seus descendentes, talvez por muitas gerações, nunca terão necessidade de ter um trabalho como o dela.
Os assistentes sociais correm pois sem cessar de uma casa para outra, tentando preservar algum do tecido social que ainda existe, enquanto que patrões, accionistas e Ministros do Governo nele cortam cegamente em nome do lucro.
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Uma das mais penosas lições que um jovem adulto aprende cedo é que os defeitos de carácter são recompensados. Elogiamos a originalidade e a coragem, mas muitos daqueles que trepam até ao topo são conformistas e peritos na lisonja. Somos ensinados a acreditar que os batoteiros nunca têm sucesso, e no entanto o país é governado por trapaceiros.
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Se se possuir o indispensável talento para se ser capaz de abrir caminho até ao topo à custa de aldrabices e muito descaramento, então ser incompetente não será obstáculo. A antiga executiva-chefe da Hewlett-Packard, Carly Fiorina, foi distinguida com o titulo de pior gestora da América, façanha nada fácil se considerarmos a concorrência. Em nome da eficiência despediu 30.000 trabalhadores e no entanto foi sob o seu mando que o valor das acções da empresa caiu para metade. Chegou mesmo a ser vaiada nas reuniões de accionistas e foi forçada a pedir a demissão, não sem que levasse para casa, como prémio de consolação, um cheque de 42 milhões de dólares.
O que faz ela agora? Pois iniciou o processo de se candidatar à Presidência dos Estados Unidos pelo Partido Republicano, e nessas hostes é aparentemente considerada como uma possível vencedora. É uma espécie de Mitt Romney de saias.
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Existem poucos trabalhos bem pagos e úteis à Sociedade. O numero de cirurgiões e realizadores de cinema é largamente ultrapassado por advogados de negócios, membros de lóbis, publicitários, consultores de imagem, peritos em esquemas financeiros, e outros parasitas que gastam em proveito próprio o produto do trabalho alheio. À medida que o fosso salarial aumenta - No Reino Unido os executivos-chefes ganhavam na década de 90 cerca de 60 vezes mais do que o salário médio, proporção essa que aumentou nos dias de hoje para 180 vezes – o que faz com que proponha um novo nome para esse fenómeno: Clepto-remuneração.(...)