A Gazeta do Middlesex

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28/2/2014

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(continuação)




Recentemente o líder do Partido Trabalhista Ed Miliband anunciou que, em caso de vitória nas eleições gerais de 2015, iria repor o escalão mais elevado do IRS para os anteriores 50%, o que provocou um autentico tumulto nas hostes da direita que entraram em completa histeria.

Imediatamente um grupo de 24 capitães da industria escreveu uma carta irada ao Daily Telegraph ameaçando, caso a medida fosse tomada, que ela resultaria no “desencorajar que novas empresas se estabelecessem no RU e conduziria ao desemprego...” O Times chamou-lhe “uma medida perversa”. O Daily Mail descreveu-a como “uma seta apontada ao coração dos empresários”, que iria “prejudicar quer o dono da pequena loja da esquina, quer os grandes negócios”, o que é uma afirmação delirante pois a medida apenas atingiria os rendimentos superiores a 150.000 Libras anuais e que nem na cuckooland se podem encontrar lojistas (pequenos ou grandes) a ganhar tais quantias.


O que se torna nauseante é o espectáculo desta gente que agindo por puro egoísmo veste as roupagens de defensores do “interesse nacional”. Como prova disso a New Statesman publicou a lista dos tais 24 signatários da referida carta ao Telegraph e onde se revela que estes doaram recentemente ao Partido Conservador mais de 750.000 Libras, o que torna a coisa num caso evidente de “rabo escondido com o gato de fora”. Polly Toynbee uma conhecida jornalista escreveu recentemente no Guardian: “O IRS a 50% não mataria a economia; mas esta cleptocracia poderá fazê-lo”.

Aliás o Primeiro-Ministro inquirido repetidamente no Parlamento se, saindo vitorioso nas próximas eleições, não voltaria a baixar os impostos para os mais ricos recusou-se terminantemente a responder.

Num gráfico pode-se ver que no RU a percentagem do rendimento nacional obtido pelo 1% da população mais rica era em 1918 de 12,57%, percentagem essa que entrou em declínio devido à introdução de medidas de redistribuição da riqueza da autoria dos primeiros governos trabalhistas, tendo atingido 4,17%, o seu valor mais baixo, no final da década de setenta para depois, com os governos de Margaret Thatcher, iniciar uma curva ascendente estando presentemente  ao mesmo nível que tinha nesse ano de 1918.

Ou seja, os ganhos obtidos com as medidas para tornar a Sociedade mais justa, fazendo diminuir as desigualdades sociais, foram inteiramente perdidas graças às maquinações dos Boris deste mundo e à defesa que fazem da inveja e da ganancia como meio de obterem os lucros fabulosos que acham que lhes são devidos por direito divino.

Como escreveu o economista Will Hutton que foi durante anos editor-chefe do “The Observer” e que presentemente é Reitor do Hertford College da Universidade de Oxford:

“Os governantes britânicos não assumem a responsabilidade pelas desigualdades sociais resultantes das suas “reformas” que têm três objectivos principais: O primeiro é conseguir reduzir a influencia dos sindicatos sob o pretexto da necessidade de “flexibilizar” o mercado de trabalho. O segundo é a redução dos impostos sobre o capital, as grandes empresas e fortunas, sendo aí o pretexto o de “criar incentivos”. E por ultimo, tolerar a cada vez maior concentração do poder económico no sector financeiro por “ser bom para os negócios”.

Desses objectivos Will Hutton aponta como sendo o mais nefasto aquilo que chama a “evisceração” das instituições da sociedade civil, principalmente dos sindicatos, que eram a garantia que a fatia que o trabalho obtinha do Rendimento Nacional se mantivesse constante, garantia essa que desapareceu com a limitação da força sindical , o que teve como consequência que nas ultimas décadas entre 5% a 7% do PIB tenha sido transferido permanentemente do sector do trabalho para os donos das empresas.

E segundo ele uma sociedade tão desigual como a britânica não pode deixar de ser profundamente disfuncional e não haverá recuperação económica possível enquanto não forem combatidas essas profundas diferenças, como se demonstra pelo recente aumento explosivo do numero de bancos alimentares que hoje são mais de 400. A estes já recorriam centenas de milhares de pessoas, um terço delas crianças, mas em 2013 esse numero triplicou. O dramatismo da situação revela-se pelo facto de haver quem devolva comida que necessite ser cozinhada, por não terem dinheiro para o gás ou electricidade domésticos. Outro acontecimento perturbante e indicador do modo como os mais vulneráveis são tratados é o facto de o Royal Institute for Blind People, (Organismo de apoio aos Invisuais) ter interposto uma acção contra o Ministério da Segurança Social por este ter cortado os subsídios a 50 cegos por estes não terem respondido atempadamente a cartas do Ministério, cartas essas que eles obviamente não podiam ler.

Como resposta a esta situação um porta-voz do Governo, Lord Freud, veio afirmar que “abrindo cerca de três novos bancos alimentares por semana é natural que aumente o numero de pessoas que a eles recorrem” e que “não há razões “robustas” que provem que o aumento das carências alimentares esteja relacionado com a implementação dos cortes nos apoios sociais efectuadas pelo governo”.(3)

Não admira que há mais de um século um famoso Primeiro-Ministro, Benjamin Disraeli, tenha afirmado que um governo conservador não era mais do que uma hipocrisia organizada, e quanto a isso só resta comentar que entretanto nada mudou.

Acusar os desempregados de serem os responsáveis por os custos dos apoios sociais se terem tornado insustentáveis é querer iludir a realidade porque apenas 26% do orçamento da Segurança Social é gasto em subsídios de desemprego, valor que se tem mantido estável nas ultimas três décadas.

Outra realidade inconveniente é o facto do numero de agregados familiares cujos membros têm trabalho, mas que estão mesmo assim abaixo do limiar da pobreza ser actualmente 6.7 milhões, numero já superior aos 6.3 milhões dos que estão desempregados e abaixo desse limiar.

A dicotomia empregado/desempregado deixou portanto de ser definidora da linha separadora da pobreza, o que realmente conta é que quatro em cada cinco postos de trabalho criados pelo presente governo não garantem um salário considerado suficiente para manter um nível mínimo de subsistência.

E no entanto, apesar desta terrível realidade ser cada vez mais aparente, as pessoas demonstram uma estranha apatia ficando inermes perante a perspectiva de no futuro viverem sem direitos numa sociedade de penúria generalizada.

Tocqueville afirmava que uma das consequências da Democracia é fechar os cidadãos “na solidão do seu próprio coração”, ao garantir uma liberdade aparente que acaba por eliminar a vontade de agir em conjunto. À rejeição completa do que há não se segue a participação na criação de alternativas. E esta impotência auto-consentida, essa ausência de acção cívica, leva inexoravelmente que as oligarquias governantes possam criar um Estado apenas formalmente democrático.







(3)- www.bbc.co.uk/news/business/24536817







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