A GAZETA DO MIDDLESEX
A ARMADILHA DE TUCÍDIDES
Tucídides, General ateniense e o primeiro Historiador no sentido moderno do termo, foi o autor há cerca de 2.400 anos da “História da Guerra do Peloponeso” onde descreve os vários conflitos que opuseram Atenas a Esparta. Tucídides descreve em como a ascensão de Atenas causou alarme em Esparta, a potencia dominante da altura, fazendo com que esta se preparasse para a guerra. No final Esparta ganharia o conflito, mas a um custo tal que ficou irremediavelmente fragilizada. Trinta anos depois nem Esparta nem Atenas seriam as maiores potencias do Peloponeso.
Nisto consiste essencialmente a “Armadilha de Tucídides”. O medo causado na potencia dominante pela ascensão de uma nova potencia, medo que levará à guerra como única solução para regressar ao status quo. A História ensina que estas rivalidades acabam quase sempre mal: Nos últimos quinhentos anos por dezasseis vezes um poder emergente desafiou a potencia dominante, e em doze o resultado foi a guerra.
Infelizmente todos os sinais apontam para que a rivalidade entre China mais a Rússia, por um lado, e os Estados Unidos, por outro, estão a causar um stress estrutural tão severo no equilíbrio de forças mundial que, com grande probabilidade, as coisas vão acabar mal.
Não que não haja a consciência do perigo que se corre: Tucídides continua a ser lembrado e estudado. O Presidente do Naval War College, instituição da Marinha dos Estados Unidos que dá preparação aos oficiais superiores, o Almirante Stansfield Turner, faz com que cada aluno receba no começo do curso um exemplar da “História da Guerra do Peloponeso”, e se o faz é porque obviamente considera que a obra tem ainda, passados que são 2.500 anos, muito que ensinar. Como por exemplo: Porque descortinável razão, e a que custos, os Atenienses mandaram um exército para a Sicília, tão remota e desviada estava essa ilha do teatro das operações e dos interesses de Atenas ?
Atenas não queria a guerra com Esparta. O Kaiser não queria a guerra em 1914. Mao não queria a guerra da Coreia. Mas uma vez que as máquinas militares são postas em marcha, equívocos, erros de cálculo e animosidades mutuas podem levar a um conflito de proporções que ninguém tencionava.
E como não lembrar o que Carl von Clausewitz chamou “o nevoeiro da guerra”?“Como a gasolina está para o fósforo, acelerantes podem tornar um conflito acidental e localizado, ou uma provocação feita por terceiros, numa guerra generalizada”. Disse ainda: “ A guerra é o reino da incerteza. Três quartos dos factores em que a acção militar se baseia estão envolvidos num nevoeiro de incerteza”. Esta profunda incerteza pode facilmente levar a que quem tem o poder decisório aja agressivamente, quando os todos factos aconselhariam prudência.
Vivemos num mundo em regressão. No auge da Guerra Fria, com a União Soviética, assinavam-se tratados de limitação das armas nucleares que incluíam mecanismos de verificação mutua. Hoje, Trump anuncia um plano de desenvolvimento maciço de armas nucleares. Nos termos do ultimo tratado desse tipo, o SALT III, (que formalmente não foi ratificado, mas cujos protocolos são respeitados), aos Estados Unidos e à União Soviética era permitido terem, se a memória não me falha, exactamente 1652 ogivas nucleares activas, isto é montadas em meios capazes de atingir o inimigo. Fora os muitos milhares em “armazém”. Isto significa que nem Rússia nem Estados Unidos podem ter a certeza de aniquilar completamente o outro com um ataque de surpresa. Mas o maior paradoxo é que enquanto que nenhuma da nações pode ganhar uma guerra nuclear ambas têm de demonstrar vontade de arriscar entrar numa, pois aquela que responsavelmente declarasse jamais dar esse passo daria à outra uma inestimável vantagem, obrigada que estaria a recuar sempre em nome dos seus princípios.
Existiam até agora o que John F. Kennedy chamava as “precárias regras do status quo”, um conjunto de normas que eram tacitamente respeitadas por ambos os lados. Era sabido que a sobrevivência do planeta requeria cautelas, vias de comunicação abertas, limites, compromissos e cooperação.
Mas as regras laboriosamente postas em prática durante os cinquenta anos de guerra fria desapareceram, e hoje vivemos todos dançando à beira da sepultura. No Reino Unido a Primeira Ministra anunciou que participará num ataque à Síria sem consultar o Parlamento. O Brexit tinha como principal objectivo devolver a soberania a esse mesmo Parlamento, dizia ela. Nunca um Primeiro Ministro Britânico ousou tomar semelhante acção. Mesmo nesta “Velha Democracia” a primeira vitima é a liberdade de por em causa a versão oficial dos acontecimentos, com os media alinhados com o Governo, e a própria BBC não passando do “alegadamente” quando se refere ao ataque com armas químicas em Eastern Ghouta, “alegadamente” cometido por tropas leais a Assad. Longe vão os tempos em que assistir aos programas da BBC era “ ver pessoas com que se discorda, dizendo coisas que não gostamos”.