A GAZETA DO MIDDLESEX
A CRISE DA DIREITA TRADICIONAL
E A ASCENSÃO DA DIREITA RADICAL
As diferenças entre a Direita de Passos Coelho e a Direita de Salazar e Caetano parecem evidentes. A dos últimos poderia ser classificada como tendo sido “autoritária, católica, nacionalista e conservadora”. Já a que se poderia atribuir à do primeiro me escapa: A Direita do “capital e negócios” ? Terá herdado a Direita de Passos os mesmos valores da de Salazar, ou já terá dado sinais, por ténues que sejam, que se prepara para cavalgar a onda de populismo a que actualmente assistimos ?
Nick Cohen tenta responder a estas questões em relação à Direita Inglesa, num brilhante artigo publicado no semanário “The Observer”.
Não seria prudente o leitor que assuma que a realidade que Nick Cohen descreve, e aquilo que prevê, não venha a influenciar, algures no futuro, a política Portuguesa.
Por Nick Cohen
“Por todo o lado se vêm os Conservadores cheirando o ar na procura do perfume exalado pela Direita Radical. São tentados pelo que é o mais sedutor aroma em política: O do poder. Os populistas estão no processo de reescreverem as regras e os Conservadores começam a descobrir que podem quebrar os velhos tabus, assaltar a Ordem Constitucional, e mentir com à vontade. Os seus desejos mais reprimidos até agora podem, afinal, ganhar eleições.”
Em tempos os Conservadores gostavam de dizer que na política eles eram os adultos. Eram eles os que do passado conservavam o melhor e que geriam com bom-senso o mundo como ele era, não embarcando em fantasias tentando transforma-lo no que deveria ser.
Pensavam que por muito que resistissem os seus adversários acabariam por aceitar que o Conservadorismo era apenas, afinal, o comum bom-senso.
“Mais uma vez os factos da vida vieram dar razão aos Conservadores”, disse Margaret Thatcher em 1976 quando se preparava para um dos longos períodos de domínio Conservador que caracterizaram a política Britânica desde 1880. Muitas foram as figuras respeitáveis que concordaram e que usaram com pequenas variações o tema : “Se não foste socialista aos 20 é porque não tinhas coração; Se o continuas a ser aos 40 é porque não tens cabeça.”
Os Conservadores condescendiam assim que pessoas estimáveis podiam ter ideias absurdas sobre aquilo que na realidade desconheciam. Robert Conquest, o grande historiador da era Comunista, resumia o assunto na primeira das suas três leis sobre política:”Todos somos Conservadores naquilo que conhecemos melhor.”
Os Conservadores Ingleses, que não se confinam apenas aos militantes do Partido, tinham razões para se sentirem confortáveis. O Conservadorismo fazia parte da versão dominante da História nacional Inglesa e uma frase dizia tudo :”O Partido Conservador é o Partido natural de Governo.”
Os Ingleses, categoria em que generosamente incluem os Escoceses e os Galeses, mas nunca os Irlandeses, não sabem o que é uma revolução desde a Gloriosa Revolução de 1688. A Gloriosa Revolução foi gloriosa porque não acabou em guerra civil. O país, ou melhor a sua classe dirigente, pacificamente apeou James II, um católico dos Stuart com pretensões a monarca absoluto, para no seu lugar pôr Guilherme III e assim garantir a sobrevivência do parlamentarismo.
No seu discurso aos eleitores de Bristol em 1774, (que eram então todos homens e todos ricos), Edmund Burke explicou quais os ideais de um Governo parlamentar: Um Membro do Parlamento era um representante e não um delegado de quem o elegeu. O que era devido aos eleitores era que o eleito seguisse os ditames da sua consciência, e que “Seria uma traição se os sacrificassem para seguir as vossas opiniões.”
A denuncia de Burke da Revolução Francesa 16 anos mais tarde ainda reforçou mais a convicção de ser a Inglaterra uma nação segura e sensata. Quando publicou em 1790 a sua obra “Reflexões sobre a Revolução em França”, na qual previa, contra a opinião generalizada, que esta acabaria por se tornar num regime despótico, foi Robespierre ao iniciar em 1793 o reinado do terror que deu a Burke uma aura de profeta.
Desde então os Conservadores Anglo-saxões foram capazes de acreditar que se os continentais tiveram a guilhotina na década de 90 do Séc. XVIII, e os campos de concentração e os gulag nos anos 30 e 40 do séc. XX, foi devido a utópicamente terem arrancado a Sociedade pela raiz. Os pragmáticos, empíricos, e sobretudo Conservadores Britânicos foram poupados por terem respeitado a tradição e terem preferido as mudanças graduais.
No ano passado Daniel Hannan, um dos líderes do Brexit, publicou um livro sob o titulo Inventando a Liberdade: Como os Povos de Língua Inglesa Fizeram o Mundo Moderno, que passou despercebido apesar de ser completamente absurdo. Absurdo porque os Ingleses não inventaram a liberdade e porque nele faz o elogio de Enoch Powel, que o autor classifica de “intelectualmente brilhante”, apesar de este ter sido um feroz inimigo das minorias étnicas da Grã-Bretanha.
Mas há que reconhecer que Hannan soube articular os sentimentos subliminares de milhões que votaram pelo Brexit: Bruxelas ameaçava os fundamentos da Nação, o Estado de Direito, a soberania do Parlamento e a independência da Justiça, tudo valores que levaram a melhor sobre todos os extremismos do Séc. XX. A decisão de sair da UE seria a maneira de proteger as nossas maiores tradições.
(continua)