A Gazeta do Middlesex

A Defesa de Sócrates

18/4/2017

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                    A  GAZETA  DO  MIDDLESEX


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                                   A DEFESA DE SÓCRATES II



(...)

Um de vós provavelmente perguntará : “Mas Sócrates o que se passa contigo ? De onde vêm tantas calunias ? Tantas coisas são ditas sobre ti que não é possível que sejas uma pessoas como as outras; deves ter feito algo de diferente. Portanto diz-nos o que foi para que não possamos julgar-te mal, como tantos outros fazem.” Ora isto parece ser uma pergunta legitima e portanto tentarei explicar-vos porque tenho a falsa reputação que tenho (…) O que vos digo, homens de Atenas, é a verdade e de vós nada esconderei, seja significante ou não, e ao fazê-lo não usarei de dissimulação (…) Acusam-me de corromper a juventude. Mas, homens de Atenas, deixem que vos diga que Meletus é que é culpado desse crime ao levar gente a tribunal como se fosse uma brincadeira, uma coisa sem importância, muito embora agora finja que leva essas coisas a sério.
(…)
Tu Meletus não tens credibilidade e por vezes penso que nem tu mesmo acreditas em ti. Homens de Atenas, esta pessoa aqui não passa de um insolente sem escrúpulos que se contradiz na acusação que me faz. É como se dissesse : “Sócrates é culpado de não acreditar nos deuses, porque acredita nos deuses” Quem disser uma coisa destas é porque está a brincar e não é sério.
(…)
Portanto aqui têm, homens de Atenas. Demonstrar que não sou culpado de acordo com a acusação de Meletus não exigiu muito de mim; O pouco que disse é o suficiente. Mas acreditem quando digo que fui alvo de muito ódio vindo de muita gente e que será isso que me condenará, : Não terá sido Meletus, nem Anytus, mas sim a má língua do povo em geral. E foi essa má língua que no passado trouxe a ruína a tão boa gente, e assim voltará a acontecer no futuro. Não há perigo que eu seja o último.
Entretanto provavelmente alguém me fará a pergunta: “Não te sentes envergonhado, Sócrates, por te teres dedicado a essas actividades que agora te fazem correr o risco de seres condenado à morte ?” A essa pessoa responderei . “Estás enganado, meu bom homem, se pensas que alguém que valha alguma coisa tenha em consideração o viver ou morrer na hora de agir, em vez do que realmente importa: Se a acção é justa ou injusta, se é digna de um homem bom.”
(…)
O que eu faço, quando ando por aí é apenas isto : Tento persuadir-vos, sejam novos ou velhos, para não darem prioridade aos cuidados com o corpo, devotando menos zelo com a aparência física e com as questões de dinheiro, e cuidando mais da alma, tornando-a tão boa quanto possível. O que vos digo é isto : “Não é o dinheiro que traz excelência, mas é da excelência que vem tudo o que é bom para a humanidade.” Ora se isto é corromper a juventude, se é isto que lhe causa tanto dano, então quem acusa não sabe o que diz. Por isso, homens de Atenas, isto é o que devem ter em conta quando tiverem que decidir entre fazer o que Anytus quer ou libertarem-me, sabendo que eu jamais mudarei de atitude mesmo que isso signifique ser condenado à morte várias vezes:”

(…)
O que vós, homens de Atenas devem saber é que, se sou o tipo de pessoa que digo que sou, o matarem-me causar-me-á menos dano a mim do que a vós. Nem Meletus nem Anytus me podem fazer mal pela simples razão que a um homem inferior não é possível causar dano a quem seja superior. Podem matar-me certamente, ou enviar-me para o exílio, ou retirar-me a cidadania, tudo coisas más, mas não tão más como condenar um homem inocente. Na realidade, homens de Atenas, longe de me defender a mim próprio, como seria natural supor, o que faço na realidade é defender-vos a vós, apelando para não irem contra os mandamentos dos deuses votando pela minha condenação.
(…)
Não se aborreçam, homens de Atenas, por vos dizer esta verdade: Não haverá no mundo ninguém que consiga sobreviver ao combater-vos, ou a qualquer outra maioria popular, tentando impedir que a injustiça e as ilegalidades tomem conta da cidade. Todo aquele que luta realmente contra a injustiça deve viver como um cidadão privado e não como figura publica, isto se quiser sobreviver mesmo que por pouco tempo.

O que apresento como prova do que acabo de dizer não são apenas palavras mas factos, duros factos, contidos no meu exemplo de vida, que mostram que o medo da morte não me fará mudar de rumo indo contra o que é justo. Morrerei mas não cederei.
(...)
Portanto aqui estamos, Atenienses, já disse mais ou menos tudo o que tinha a dizer em minha defesa. Talvez haja alguém entre os meus acusadores que sentirá ofendido com a posição que tomei, ao lembrar-se de como ele ao enfrentar acusações menos graves se comportou, suplicando, chorando convulsivamente, trazendo os filhos pequenos ao Tribunal, parentes e amigos também, numa tentativa de comover o júri. Não fiz nada disso, como sabem, mas lembro que também eu tenho família e amigos, só que não segui por esse caminho.
(…)
Não me parece decente, homens de Atenas, suplicar a um membro do Júri e ganhar a liberdade à custa de choros. O que é justo é informar e convencer. Um Jurado não pode dispensar Justiça como um favor, quando o seu dever é decidir onde está a Justiça.

(…)
Depois da condenação:

(…)

“É evidente pela a idade que tenho o perto que estou da morte. Não digo isto a todos vós, apenas aqueles que me condenaram à morte. E tenho algo mais a declarar a essas pessoas: Provavelmente imaginarão, Atenienses, que fui condenado por me faltarem os argumentos com que vos poderia ter convencido da minha inocência, partindo do principio que diria tudo o que fosse preciso para escapar à pena capital.

Longe disso.
Se fui condenado não foi por falta de argumentos, mas sim por não me faltar respeito nem vergonha e por não querer dirigir-me ao Tribunal da maneira que vós mais gostariam: Chorando e lamentando-me, arrojando-me a vossos pés pedindo clemencia, como tantos outros fizeram. Pensei que não deveria fazer nada que fosse indigno de um homem livre apesar do perigo que corria, nem estou arrependido por me ter defendido da maneira como o fiz. Antes te-la feito assim e morrer, do que humilhar-me para sobreviver.

Ninguém, seja frente a um Tribunal, seja na guerra, seja eu ou qualquer outra pessoa, deve tentar escapar à morte a qualquer preço. No combate frequentemente surge a oportunidade de largar as armas e fugir, ou pedir ao inimigo que nos poupe. De muitas maneiras se pode evitar o perigo, desde que se seja capaz de qualquer indignidade. Mas o pior é que é mais difícil ,não evitar a morte, mas sim evitar a maldade, porque a maldade corre mais depressa do que a morte. Eu, que já sou velho, fui apanhado pela mais lenta das duas, mas os meus acusadores, de tão espertos que são, foram apanhados pela mais rápida; E se eu saio do Tribunal condenado à morte, eles saem condenados por depravarem a verdade e a Justiça. Aceitem o vosso castigo como eu aceito o meu. Suponho que este acabaria por ser sempre o resultado final, e penso que é justo.”





Platão- The Defense of Socrates – Fontes :Tradução do Grego de Hugh Tredennick (1954), revista por Harold Tarrant (1980).

Tradução do Grego de Christopher Rowe (2010).




                                                          PAUSA



Para recuperar sob o Sol Algarvio de um longo inverno. A Gazeta regressará nos primeiros dias de Maio.


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