A GAZETA DO MIDDLESEX
A ERA DA NÃO-RACIONALIDADE AMERICANA
A Estupidificação e o Futuro da Democracia
“Se uma nação julga que é possível ser ao mesmo tempo livre e ignorante- vivendo num estado de civilização- espera o que nunca existiu, nem existirá.”
Thomas Jefferson
O pasmo, a perplexidade, quando nos vem ao pensamento que Donald Trump é mesmo o Presidente dos Estados Unidos, creio que nos invade a todos. Afinal é a América que tem de longe o maior numero de laureados com o prémio Nobel e as melhores e mais prestigiadas universidades do planeta. E a pergunta volta : Como foi possível ? O que correu tão mal na sociedade Americana que um reles e ignorante demagogo, um bully, foi capaz de enganar, intimidar e finalmente vencer todas as forças da civilização da outrora orgulhosa nação Americana, e tudo isto debaixo dos nossos impotentes narizes ?
Percebe-se facilmente que as causas não são de hoje, muito embora algumas, e das mais fortes, têm a ver com a actualidade, vindo em primeiro lugar a globalização com a consequente destruição do tecido produtivo,.
Mas uma outra nação, também outrora orgulhosa do seu passado e História, vê a sua Chefe de Governo arrojar-se aos pés do indigno personagem, num acto que colectivamente envergonhou e humilhou o seu povo, tornando publica a sua rejeição, a sua e a dos seus seguidores, do papel que era até então o do seu país, como primus inter pares no concerto das nações europeias irmãs, oferecendo apenas com esta desprezível demonstração de vassalagem, o vir-se a tornar numa colónia da sua antiga colónia,
Este 2016 que agora terminou será lembrado certamente como um tempo de destruição e ruína dos valores que tínhamos como seguros, e alguma coisa poderá ser salva se formos capazes de pensar com inteligência e clareza, livres de ter de condescender com as formas de pensamento não-racionais que nos rodeiam.
E alguns sinais da gravidade do momento surgem onde menos se esperava : Os lugares vagos para novos alunos nas Faculdades de Filosofia da Grã-Bretanha estão todos preenchidos, e o mesmo acontece em Portugal. Neste tempo de destruição e ruína, os jovens procuram respostas e procuram-nas ansiosamente, sendo óbvio que as não encontram nas business schools.
O 1984 de George Orwell tem uma procura inusitada em ambos os lados do Atlântico, tendo-se esgotado rapidamente os exemplares disponíveis. Novamente a procura desesperada por uma espécie de guia em como viver nos tempos de Big Brother que se avizinham.
Donald Trump é, como espero poder demonstrar, o culminar de um longo processo de imbecilização da sociedade Americana, aliás idêntico ao que ocorre em Portugal. Neste país as televisões há muito que não cumprem o dever moral de elevarem culturalmente o povo que deviam servir. Doses maciças de telenovelas em todos os canais servem um publico acrítico. Os seus repetidos clichés, com explicações simplistas para problemas complexos, desobrigaram as audiências do problema de terem de pensar, e o maniqueísmo das suas personagens sendo todas, ou absolutamente boas ou absolutamente más, exonera quem vê da maçada de ter de fazer julgamentos morais.
E nesta tarefa nada é melhor do que começar com o livro de Susan Jacoby, (USA, 1945 - ), que felizmente fui encontrar nas minhas estantes e cuja capa com a ajuda do scanner, (é a edição Inglesa), serve de frontispício para este post.
A Era da Não-Racionalidade Americana, (A estupidificação e o futuro da Democracia) foi escrito em 2008, muito pouco tempo antes do crash de Wall Street. Não foi porem o primeiro a tratar do problema: Já em 1963, 45 anos antes de Jacoby, Richard Hofstadter publicava o seu Anti-Intelectualismo na América, um tempo de ainda relativo optimismo, conforme se pode ler no seguinte trecho:
“Uma das maiores virtudes da Sociedade liberal do passado foi o ter conseguido que coexistissem tantos estilos de vida intelectual – Podemos encontrar os que são apaixonados e rebeldes, outros elegantes e sumptuosos, ou contidos e ásperos, espertos e complexos, pacientes e sábios, alguns capazes de observar e persistir. O que importa é a abertura de espírito e a generosidade tão necessárias para se compreender que variedades da excelência podem ser encontradas mesmo nas sociedades mais paroquiais… É possível obviamente que esses caminhos de livre escolha venham a ser fechados e que a cultura do futuro seja dominada pela estreiteza de pensamento. É possível ; Mas enquanto formos capazes de por o peso da nossa vontade no prato da balança da História, viveremos acreditando que assim nunca acontecerá.”
Hoje sabemos que infelizmente o optimismo de Hofstadter era infundado, e que décadas depois a cultura na América tornou-se numa ignorante e anti-racional cultura popular alimentada por imagens digitais, e donde o pensamento racional foi totalmente expulso.
Mas voltando ao livro de Susan Jacoby, dele escreveu Richard Dawkins :
“Susan Jacoby analisa com rigor a estupidificação da cultura Americana, o crescente desprezo pela razão e realidade, e as suas insidiosas consequências políticas. Existe uma tentação para nós Britânicos de nos deixarmos levar numa complacente Schadenfreude. Seria um terrível erro, não apenas pela razão convencional que os ventos da moda vindos do outro lado do Atlântico sopram inexoravelmente para o nosso lado. Nós temos cá os nossos próprios Hooligans anti-intelectuais, os nossos negadores da realidade, e todos aqueles que a eles se rebaixam. Todo o mundo de língua Inglesa tem de recuperar o verdadeiro elitismo, aquele que não é exclusivo dos snobs, mas que trabalha arduamente para elevar o nível geral e fazer crescer a elite culta...”
E o New York Times escreve:
“Poucos assuntos têm maior actualidade do que aqueles que Susan Jacoby trata no seu livro: A América está presentemente doente com uma mutação que interliga ignorância, anti-intelectualismo e anti-racionalismo...”
O Chicago Tribune por seu lado publica:
“Susan Jacoby pertence ao numero dos críticos culturais que com eloquência se recusam a engolir a noção que a literacia visual- filmes e TV- é intelectualmente equivalente à leitura de uma obra clássica. Jacoby mostra em como os valores do Iluminismo- racionalidade, devoção ao método cientifico, e tolerância pela liberdade de pensamento- se transformaram nesta triste charada actual...”
Portanto os próximos posts da Gazeta serão sobre o livro de Jacoby, com a publicação de vários de seus excertos. A escolha deles será obviamente minha, como minha é a responsabilidade de dar a conhecer o essencial da obra, uma vez que a tradução integral do livro, com as suas trezentas páginas, é uma tarefa para a qual sinto não ter já forças.
Seguir-se-ão outros autores que trataram o mesmo tema. Indubitavelmente, na minha opinião, o de maior relevância da actualidade.
Portanto, Watch this Space !