A Gazeta do Middlesex

A Era da...

15/2/2017

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                      A  GAZETA  DO  MIDDLESEX

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                                                                     IX





“...Quando Bush deu o seu aval ao ensino do chamado intelligent design* foi previsivelmente aclamado pela direita religiosa e criticado pelos sectores laicos e progressistas, mas ninguém chamou a atenção para o extraordinário facto de pela primeira vez um presidente Americano se colocar em directa oposição ao pensamento cientifico contemporâneo. Mesmo quando não simpatizavam com novas correntes filosóficas, históricas ou políticas, todos os presidentes anteriores, no caso da ciência, tiveram sempre o cuidado de se colocarem do lado certo e aqueles que nada entendiam desse ramo do conhecimento eram suficientemente prudentes para se manterem calados. Não se consegue imaginar Calvin Coolidge* fazendo declarações publicas sobre se era conveniente ou não contestar a teoria da relatividade de Einstein – muito embora sendo Coolidge o ocupante da Casa Branca ao tempo do julgamento de Scopes*, que se tornou num caso nacional pela publicidade e controvérsia que gerou.


Contrariamente aos anteriores movimentos anti-racionalistas dos anos vinte, o da actualidade foi politizado de cima abaixo, desde as direcções escolares das pequenas cidades do interior aos corredores do poder em Washington. Bill Moyers* que sempre esteve debaixo de fogo da direita política e religiosa devido à posição pró-ciência, pró-racionalista e anti-fundamentalista dos seus programas de televisão, descreveu o acontecido num veemente discurso sobre os cenários apocalípticos tão em voga: ” Opiniões fantasistas não se encontram hoje apenas nas franjas da sociedade. Se de lá vieram agora têm assento na Sala Oval e no Congresso. Pela primeira vez na nossa História a ideologia e a teologia têm o monopólio do poder em Washington. A teologia formula proposições cuja verdade não é possível provar; Os ideólogos impõem a sua visão do mundo muito embora ela esteja em contradição com o que é tido como sendo a realidade. Os filhos da ideologia somada à teologia não serão sempre maus, mas serão sempre cegos. E aí reside o perigo : votantes e políticos indiferentes aos factos.” Na terra do anti-racionalismo, factos são aquilo em que as pessoas decidem acreditar.


A questão é o porquê agora. Torna-se muito mais fácil entender o ressurgimento do fundamentalismo em 1920 do que compreender a politização do anti-racionalismo nos últimos vinte e cinco anos. Tanto o fundamentalismo do inicio do Séc. XX, como o anti-racionalismo do seu fim, têm as suas raízes num mais vasto receio do modernismo e no ódio ao laicismo, indo ambos para além da direita religiosa e tendo sempre sido uma componente importante do anti-intelectualismo Americano.
O fundamentalismo reaccionário dos anos vinte vinha de um profundo sentimento de nostalgia – no qual a religião tradicional é uma das componentes- por tempos de maior simplicidade. Bryan, o maior populista e fundamentalista dos seus tempos, era ele próprio um produto de uma América provinciana ainda na sua pureza e que se considerava abençoada por Deus, não necessitando de ser esclarecida por estranhos ao seu pequeno Éden.
Não se deve estranhar porque o anti-racionalismo e o fundamentalismo tivessem uma atracção tão forte para aqueles que ansiavam por tempos, que se eram menos excitantes, eram também menos estressantes, menos materialistas, menos confusos, e menos perigosos dos que se seguiram à Grande Guerra. Não será com esse paraíso perdido que sonham os que gritam contra os “especialistas”, os cientistas, as “elites” intelectuais ?


Muitos Americanos gostariam de regressar à segurança – ou à imaginada segurança – dos anos anteriores aos ataques do 9/11. Mas o anti-racionalismo surge na América décadas antes desses atentados terroristas. Será que aquilo que queriamos era ao regresso a uma era anterior à revolução digital ? Ou olhamos com nostalgia para os tempos em que as crianças eram ensinadas a refugiarem-se debaixo das carteiras no caso de um iminente ataque nuclear pela União Soviética ?
Também intrigante é o porquê nós ?

Todos os habitantes do planeta têm de enfrentar mudanças sociais, económicas e tecnológicas que desafiam os valores estabelecidos. No entanto os Estados Unidos têm demonstrado ser mais susceptíveis que outros países economicamente desenvolvidos de serem atacados por uma combinação tóxica de forças inimigas do intelecto, do saber, da razão resultantes de uma retrógrada crença nos media imbecilizantes.

O que estará na origem desta poderosa atracção por valores, não só tão opostos aos do intelecto e da ciência, como aos do Iluminismo, que com o seu racionalismo tão importante foi na fundação da nossa nação ?
A resposta a esta questão deve ser encontrada no paradoxo resultante da combinação de poderosas forças culturais e políticas ter resultado no conceito do excepcionalismo Americano, com a sua simultânea profunda reverencia pelo saber e a sua não menos profunda desconfiança por demasiado saber, contradição que persistiu e foi sofrendo mutações ao longo da história tendo, coisa que a primeira geração de Americanos nunca julgou possível, desembocado nesta era de anti-racionalismo...”


*Intelligent Design – ou “Projecto Inteligente” é uma corrente de opinião que, não contestando a evolução de vida orgânica na Terra, defende ser ela consequência de um plano de um Ser superior. Como analogia é oferecido o exemplo de um relógio: Um mecanismo demasiado complexo para ser fruto do acaso, logo teria de ser fruto da “inteligência” de um “relojoeiro”. Tal como a natureza.(nt)
*Calvin Coolidge (1872-1933) – 30º Presidente Americano (1923-1929) (nt)
*John Scopes – Professor de Ciência no Estado do Tenessee. Acusado, julgado e condenado em 1925, no que ficou conhecido pelo “julgamento do macaco”, por ter ensinado a Teoria da Evolução, o que era proibido por lei: “ É contrario à lei ensinar qualquer teoria que negue a criação Divina como ensinada na Bíblia e alegue que o homem descende de espécies inferiores de animais.” A lei só seria abolida em 1968.(nt).
*Bill Moyers (1934- ) - Jornalista, Secretário para a Imprensa do presidente Lyndon B Johnson. Ganhou inúmeros prémios pelo seu jornalismo de investigação.(nt).




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