A Gazeta do Middlesex

A Flauta

31/1/2014

2 Comments

 
Picture

                                              A FLAUTA




Em 1933 nascia na India aquele a quem foi dado o nome de Amartya, (que significa imortal), pelo seu padrinho o poeta, filósofo e escritor Rabindranath Tagore, (1861-1941), galardoado em 1913 com o prémio Nobel da Literatura.

Amartya Sen, de seu nome completo, viria igualmente a ter uma carreira distinta e seria também vencedor do Nobel, (Economia-1988). Além de economista foi também filósofo, tendo tido como preocupação central da sua vida académica o problema da pobreza , das desigualdades sociais e da justa distribuição da riqueza.

No seu livro “A Ideia de Justiça” ele imaginou com grande simplicidade e clareza uma história cujos protagonistas são três crianças a que chamaremos Maria, António e Joana, como sendo uma maneira de conhecer as escolhas que as diferentes visões da Sociedade nos oferecem,




“Três amigos, Maria, António e Joana brincam juntos com uma flauta. António foi quem a fez, Maria é quem a sabe tocar e a Joana, que é muito pobre, tem nela a única coisa com que pode brincar. Porém as respectivas familias vão partir para destinos distintos e o pequeno grupo será separado. Põe-se portanto a questão : Quem deverá ficar com a flauta ?”




Diz Amartya Sen que não existe nenhum resultado que possa ser reconhecido universalmente como sendo completamente justo, e que a decisão depende do entendimento que cada um tem sobre o que deve ser a Justiça :

A Joana, sendo a mais pobre, teria o apoio incondicional dos Egualitários, enquanto que o António teria do seu lado os Libertários, ficando a Maria a ser defendida pelos Utilitaristas.

E como a Justiça não é um ideal monolítico, mas um conceito pluralista, possuindo várias dimensões, todos têm uma parcela de razão :

Os Libertários argumentam que se António conhecesse as regras que possibilitariam que ele no futuro pudesse vir a ser privado do fruto do seu trabalho, a flauta, então não a teria feito.

Já os Egualitários, aqueles que querem que seja a Joana a beneficiada por ser pobre, acham que cada um deve receber de acordo com as suas necessidades e lembram o que defendia Anton Menger, um dos pioneiros na defesa do Estado Social, ao lembrar que havendo cidadãos mais vulneraveis do que outros, alguns mesmo incapazes de serem auto-suficientes, logo os que produzem não poderiam ficar com a totalidade do produzido, cabendo ao Estado o papel de redistribuidor da riqueza.

E finalmente os Utilitaristas não têm dúvidas de que o que deve prevalecer é a defesa da função social da riqueza e que esta deve pertencer a quem tem mérito, a quem melhor a saiba utilizar. Logo indiscutivelmente a flauta deveria ser para Maria, a única que a sabe tocar, porque senão qual seria a sua utilidade ?

Temos assim que não é possivel condenar à partida nenhuma destas posições que se baseiam em argumentos racionais e que são respectivamente o desejo de realizar o potencial humano (Maria), a eliminação da pobreza (Joana), e o direito de cada um gozar o fruto do seu trabalho (António).

Mas, segundo Amartya Sen, é no entanto necessário establecer prioridades segundo o tipo de Sociedade em que queremos viver e se desejarmos eliminar as injustiças que estão ao nosso alcance. O argumento que usa a impossibilidade de realizar um mundo totalmente justo, de erradicar a fome e a pobreza, não pode justificar a complacencia que leva à perpetuação de injustiças gritantes, como são os lucros obscenos de minorias obtidos à custa da miséria de milhares.

2 Comments
Alcina Mila
31/1/2014 05:26:34 pm

Gostei muito deste texto. Conheço e gosto muito do poeta Rabindranath Tagore, mas desconhecia o escritor Amartya Sen. Vou ver se consigo encontrar algum livro dele por aqui.
Perante a complexidade de determinados assuntos, estabelecer prioridades é um começo. Mas e quem as estabelece? Não vai cair de novo na mão dos poderosos?

Reply
Gloria G
4/2/2014 03:06:27 am

If Amartya Sen came back today, how shocked and sad he would be!

Reply



Leave a Reply.

    Author

    manuel.m

    contact@manuel2.com

    Archives

    June 2018
    April 2018
    March 2018
    February 2018
    January 2018
    December 2017
    November 2017
    October 2017
    September 2017
    August 2017
    July 2017
    June 2017
    May 2017
    April 2017
    March 2017
    February 2017
    January 2017
    December 2016
    November 2016
    October 2016
    September 2016
    August 2016
    July 2016
    February 2016
    January 2016
    May 2015
    April 2015
    March 2015
    February 2015
    January 2015
    December 2014
    November 2014
    October 2014
    September 2014
    August 2014
    July 2014
    June 2014
    May 2014
    April 2014
    March 2014
    February 2014
    January 2014
    December 2013

    Click here to edit.

    Categories

    All

Proudly powered by Weebly