A Gazeta do Middlesex

A Love Story

3/3/2014

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A Love Story









Depois de anos de avanços e recuos, de vitórias e de revezes, em 1868 Benjamin Disraeli via-se finalmente a ocupar o lugar de Primeiro-Ministro: “Consegui trepar até ao topo do mastro do sebo !” dizia triunfante aos amigos, mas ele sabia quanto era precária a sua situação ao chefiar um Governo minoritário.

O regime parlamentar dos séculos XVIII e XIX era muito diferente do que é hoje e os partidos políticos eram alianças fluidas, normalmente feitas e desfeitas ao redor de líderes políticos e sujeitas às suas conveniências de momento.

Precisamente o Tory Party a que pertencia Disraeli, ( e que veio a dar origem ao Partido Conservador da actualidade) tinha sofrido uma cisão devido à questão do comércio livre dos cereais : De um lado estava a facção liderada por Sir Robert Peel, o até então chefe histórico do Partido, que defendia o fim das barreiras alfandegárias para a importação de cereais, e do outro o grupo cuja figura proeminente era Benjamin Disraeli que pugnava pela sua manutenção. Por detrás deste problema estavam os interesses antagónicos das duas maiores forças políticas e económicas da época: A aristocracia terra-tenente à qual interessava uma política proteccionista que mantivesse o comercio dos cereais ao abrigo da concorrência externa garantindo assim o seu preço elevado, e a burguesia industrial cujo operariado tinha no pão a sua alimentação base, e que por ser este caro devido ao preço alto dos cereais, se via obrigada a pagar salários mais elevados aos seus trabalhadores que pagaria se a importação fosse livre.

Contra ele Disraeli tinha também o outro grande partido parlamentar de então, os Liberais, chefiados por William Gladstone, a sua nemesis, o qual detestava profundamente.

Para complicar ainda mais a situação a chamada questão irlandesa dividia profundamente o Parlamento. A Irlanda era à época uma possessão inglesa cuja população passava por uma terrível fome. Católicos fervorosos os irlandeses eram no entanto obrigados a financiar com as suas magras bolsas a Igreja Anglicana e contra esta situação lutava Disraeli e o seu ultra-minoritário governo pugnando pelos direitos do povo irlandês.

Naquele dia do outono de 1868 ele iria proferir nos Comuns um discurso do qual dependeria a sua sobrevivência política, mas não tinha porém ilusões sobre o ambiente hostil que o esperava quando, acompanhado por Mary Anne Lewis, a sua esposa, entrou na carruagem que os conduziria ao Parlamento.

Mary Anne tinha sido uma companheira dedicada e Disraeli gozava uma inesperada felicidade doméstica que iria durar três décadas. Inesperada, porque era do conhecimento geral que o casamento entre ambos tinha acontecido apenas devido à aflitiva situação financeira do noivo, que não via outros encantos na  futura consorte que os seus abundantes rendimentos, sendo ela doze anos mais velha e fisicamente nada atraente. Mas um profundo afecto iria liga-los como testemunham inúmeras cartas de amor que se endereçavam e que chegaram até nós. Escreveu  Mary Anne :

“Dizzi, (como tratava afectuosamente o marido), casou comigo por dinheiro, mas se tivesse oportunidade de voltar a fazê-lo, fá-lo-ia agora por amor...”

Chegados a Westminster, Disraeli absorto nos seus pensamentos e no desafio que o esperava apeou-se da carruagem fechando a porta com tal força e tão desastradamente que entalou a mão de Mary Anne esmagando-lhe o polegar. Esta, apesar da dor lancinante, ficou imperturbável sem soltar um gemido, tendo dito mais tarde que não desejava criar ainda mais preocupações ao marido que se via já numa situação tão grave.

E Disraeli proferiu um discurso memorável que ainda hoje é lembrado :

“Há aquela população numerosa que vive numa extrema miséria naquela Ilha cuja Igreja oficial não é a sua e de onde a aristocracia latifundiária está ausente. E portanto essa é a realidade que enfrentamos: A existência dessa gente que morre de fome, a de uma aristocracia absentista, a de uma religião que lhes foi imposta, e a de um governo que foi até agora incompetente para solucionar o problema. Esta é, ilustres deputados, a questão irlandesa.”


Mal podendo falar tal era gritaria generalizada, acabou dizendo a frase que ficou para a posteridade como a epitome da razão enfrentando os filisteus :



             “ I will sit down now, but time will

                         come that you will hear me...”


Só após ter chegado a casa é que Disraeli tomou conhecimento do acidente que involuntariamente tinha causado a Mary Anne. Comovido com tamanha prova de amor e espírito de sacrifício, e como memento para as gerações futuras, mandou serrar o lado da carruagem com a fatídica porta e fez com que fosse encastrada numa das paredes da sua casa de Hughenden Manor, onde hoje pode ser vista.




Meses mais tarde e porque a situação política era insustentável, o Parlamento foi dissolvido e Disraeli perdeu as eleições, só voltando ao poder seis anos depois em 1874, após uma retumbante vitória.

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Mas afinal quem era Benjamin Disraeli ?


Jovem judeu, filho de emigrantes do leste da Europa, cedo se achou destinado a uma carreira política, como cedo teve de enfrentar os preconceitos sociais devido à sua raça. Mas possuidor de uma inabalável auto-confiança que por vezes parecia insensata, logo na primeira vez que concorreu às eleições para o Parlamento encomendou uma espécie de sedia gestatória sentado na qual e aos ombros dos criados esperava receber no dia da vitória as ovações da populaça. Mas essa eleição foi só a primeira das várias derrotas consecutivas que sofreu sem nunca esmorecer, tendo a certeza intima de ser “a special one” destinado a grandes feitos.

Sendo aos judeus interdita a entrada no Parlamento, Disraeli converteu-se ao Anglicanismo mas sem nunca esquecer as suas origens, (nem lho permitiriam...), até que finalmente em 1837 é eleito para a Camara dos Comuns, onde entra com estrondo dizendo logo na sua primeira intervenção aos que o olhavam com sobranceria ou desprezo :


“ Sim sou Judeu ! E quando os antepassados dos ilustres cavalheiros presentes eram uns selvagens brutos que habitavam numa ilha desconhecida, os meus eram Sacerdotes do Templo de Salomão !”


E rapidamente ficou estabelecido que Benjamin Disraeli  além de judeu, dandy e poseur, era o possuídor da cabeça mais brilhante da sua geração.

No plano internacional teve o seu momento de glória no Congresso de Berlim de Junho de 1878. Tratava-se de limitar as ambições da Rússia sobre grande parte do Império Otomano que então se desmoronava e Disraeli foi reconhecidamente o arquitecto do acordo alcançado. Em Hughenden podem-se ver os mapas onde desenhou pelo seu punho a Europa dos Balcans que hoje conhecemos.

Foi o Primeiro-Ministro favorito da Rainha Vitória com a qual se estabeleceu uma relação de grande proximidade e confiança.

Conta-se que um dia a Soberana lhe perguntou qual era afinal a religião dele, ao que Disraeli retorquiu :” Mam, eu sou a página em branco entre o Velho e o Novo Testamento!”.

E quando o inquiriam sobre o seu segredo para ter relações tão cordiais com a Rainha, uma pessoa reconhecidamente difícil, respondia :

“Sabe-se que a realeza gosta de elogios e eu quando toca à lisonja, aplico-a com uma colher de pedreiro !”

E Vitória cumulou-o de honrarias tendo-lhe no final da vida atribuído o titulo de Conde de Beaconsfield, e cuja memória perdura em Hughenden Manor, uma residência senhorial situada no meio de um parque magnifico com cerca de trezentos hectares, e que foi deixada tal como estava após o falecimento de Mary Anne e Disraeli, incluindo as frases escritas nas persianas testemunho da imodéstia do proprietário.

Perto de Oxford e a Oeste de Londres, de que dista uns quarenta quilómetros, vale certamente uma visita.




1 Comment
Alcina Mila
4/3/2014 12:33:02 am

Acho que vai mesmo valer a pena ir visitar essa residência senhorial. Aprendi muito sobre este Disraeli, que só conhecia de um filme que vi há muitos anos.
A história da porta é muito interessante. Havendo valores mais altos, a dor física deve ser deixada para segundo plano. É uma lição!!!!

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