A GAZETA DO MIDDLESEX
A MÁQUINA DO TEMPO
“A primeira coisa a vender são as pratas da família e, se não chegar, fazer o mesmo às mobílias antigas da sala e tratar de leiloar os Rubens e os Canalettos que decoram as paredes.”
Na sala começou a perpassar algum sentimento de desconforto, considerando que sendo então Margaret Thatcher a Chefe do Governo, se assistia a uma fúria privatizadora de todos os bens públicos.
Mas Macmillan, com a insouciance dada pelos seus 91 anos, continuou impávido :
“Depois disso tudo despachado temos ainda os pratos mais suculentos, os telefones, os transportes ferroviários, a industria do aço, os correios, e todos os bocados que ainda restarem. Infelizmente não podem ser vendidas as minas de carvão porque ninguém as quer.”
A Macmillan restava pouco mais de um ano de vida e não pode assistir ao “despachar” da British Telecom, da British Airways, da Rolls- Royce, da Jaguar, da British Steel, dos Aeroportos, das Companhias de electricidade, água e gás, etc, a maioria vendidas a investidores estrangeiros. O que diria ele ao ver que até grandes clubes de futebol são hoje propriedade de oligarcas russos, emires árabes ou milionários texanos ?
O escritor James Meek disse a propósito da situação:
“ O que torna o negócio das águas, da electricidade, dos aeroportos, tão apetecível para os investidores, estrangeiros ou não, é que as pessoas não têm alternativa senão serem seus clientes. Não temos escolha senão pagar o que exigem, como se fosse uma portagem numa estrada única. Passámos a ser inquilinos na nossa própria terra, sujeitos ao pagamento de uma renda pelo simples facto de cá vivermos.”
Mas nesta altura em que já nada resta para vender, e depois de anos de austeridade e de cortes brutais nos apoios sociais e nos serviços públicos, e com eleições em Maio, o Governo Britânico alguma coisa tinha de fazer para reconquistar a boa vontade dos eleitores.
A tarefa de George Osborne, o Chanceler do Tesouro, não se afigurava fácil quando apresentou no Parlamento a tradicional Declaração de Outono com as medidas económicas para a próxima legislatura. Com um crescimento económico anémico e um défice das contas publicas teimosamente sem descer apesar das medidas de austeridade, ele tinha pela frente a proverbial quadratura do circulo: Como oferecer um “doce” baixando impostos, e ao mesmo tempo garantir o equilíbrio das contas públicas, prometendo mesmo um excedente para 2019/20 ?
Mas “doces” não faltaram, uma verdadeira cornucópia da abundância despejada sobre a cabeça dos contribuintes, indo ao ponto de isentar de taxas aeroportuárias os passageiros menores de 12 anos, o que convenhamos é um gesto simpático para as famílias que planeiem umas férias no “sunny Algarve”.
Restava o detalhe aborrecido de como acomodar tamanha diminuição da receita com o equilíbrio orçamental, essa fugaz miragem.
Bem, ele começou por proclamar triunfante que o povo Britânico tinha finalmente deixado de viver “acima das suas possibilidades.” Mas com a receita fiscal prevista para 2017/18 a ficar 23 biliões de Libras abaixo do inicialmente estimado, Osborne, suave e convenientemente, passou por cima dessa pequena pedra nas engrenagens das contas do Estado e, como seria desagradável estragar o ambiente de festa, apenas disse en passant que “ teriam de ser feitas poupanças substanciais na despesa publica”.
Mas o que Osborne ignorou foi uma das excentricidades deste país que é a existência, praticamente em todos os campos da actividade humana, de organizações prestigiadas e ferozmente independentes, cuja opinião não pode ser ignorada. Neste caso foram várias as suas nemesis começando logo pelo IFS, (Institute for Fiscal Studies), que veio esclarecer a opinião publica que os objectivos do Chanceler só poderiam ser exequíveis através de “cortes colossais” na despesa publica. Mas o IFS foi mais longe, explicando que a maioria dos Serviços Públicos teriam de ver reduzidas as suas verbas em mais de 41% durante a próxima Legislatura, cortes esses a somar aos já efectuados por este Governo.
Para aumentar a miséria de George Osborne, foi o seu próprio colega de Governo, (et tu Brute), o Ministro do Comércio Vince Cable, vir afirmar que a escala dos cortes necessários para atingir os objectivos apontados era tamanha que os tornava “implausiveis”.
O Center for Macroeconomics e o OBR (Office for Budget Responsability) vieram juntar as suas vozes ao coro de criticas sobre os planos de Osborne. Particularmente o OBR, que foi criado para produzir uma analise independente e completa das Finanças Publicas do Reino Unido, e que publica relatórios quinquenais sobre a sua evolução e que também avalia bi-anualmente a performance do Governo em relação aos objectivos fiscais que se propôs atingir-esse OBR- normalmente tão circunspecto , afirmou que os cortes na Despesa Publica necessários para atingir os objectivos anunciados pelo Chanceler do Tesouro, reduziriam o Estado à dimensão que tinha antes da II Guerra, tornando-o irreconhecível para a população britânica.
Do que se trata, continuou esse Organismo, é de um salto no tempo de oitenta anos para trás, para uma época anterior à criação do SNS, dos subsídios de doença e desemprego, da Educação gratuita, para citar apenas alguns.
Portanto, e uma vez ganhas as eleições, ou a diminuição da carga fiscal foi uma falácia e será rapidamente anulada através de orçamentos rectificativos, ou teremos Dickens revisitado, com o seu cortejo de miséria social.
Em Portugal ao que parece, a Ministra das Finanças, que tem de responder perante os seus patrões de Frankfurt, não pôde senão oferecer uma mão cheia de rebuçados, mas aparentemente apesar da modéstia da prenda ela é mesmo assim incomportável, e depois dos papelinhos na urna a austeridade voltará com ainda mais vigor, ainda mais feroz, levando também os Portugueses numa viagem na máquina do tempo de volta aos anos em que o povo era pobre, humilde e temente a Deus, como gostava o Dr. Salazar.
Resta aos leitores a consolação saberem agora que a galinha britânica não é afinal mais gorda que a sua, e que está a caminho de ficar igualmente depenada.