A Gazeta do Middlesex

A Ponte

30/6/2014

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                                                 A  PONTE




Será possível que um recém publicado livro, ainda por cima de autoria de um francês desconhecido da ribalta anglo-saxónica, palco habitual das estrelas do pensamento económico desde que a memória atinge, ter sido capaz de reescrever a teoria sobre a desigualdade tal como era entendida até agora ?

Assim parece pois Thomas Piketty, com a sua obra propositadamente intitulada “O Capital no Séc. XXI”, terá conseguido fazer a ponte entre o seu livro e “O Capital” de Marx, encerrando um longo ciclo de debates sobre o futuro do capitalismo.

A obra, densa e longa nas suas setecentas páginas repletas de gráficos e formulas, foi no entanto escrita com a intenção de ser acessível a todos os leitores e tornou-se inesperadamente num sucesso editorial, sendo debatido igualmente por leigos e especialistas, em blogues e publicações de grande prestigio.

Neste debate de um lado está Marx, que defendeu a tese que o capitalismo tinha defeitos inerentes e que por isso  acabaria por se auto destruir, e noutro está Simon Kuznets,  Nobel da Economia em 1971, o qual pelo contrário afirmava que as desigualdades iriam decrescer à medida que as economias se desenvolvessem à custa de novas tecnologias.

O que Piketty e os seus colaboradores fizeram foi compilar uma enorme quantidade de informação disponível sobre a evolução da distribuição da riqueza nas ultimas décadas para depois de uma maneira inatacavelmente objectiva, logo não ideologicamente motivada, fazer a sua analise para em seguida apresentar as conclusões do estudo .

O resultado foi o que se já se intuía, ou seja que a riqueza tende a inexoravelmente a concentrar-se nas mãos de uma minoria provocando a pauperização generalizada da maioria.

Sobre isso Piketty diz que uma coisa é opinar sobre o que se passa, outra bem diferente é prova-lo com dados cuja analise demonstre incontestavelmente que com excepção de uma minoria no futuro todos seremos mais pobres o que fará eclodir graves crises sociais, ficando demonstrado que nas presentes circunstancias o capitalismo não funciona.

Numa entrevista recente a Andrew Hussey, jornalista do Observer, disse ele:


“Fiquei genuinamente surpreendido quando descobri que a desigualdade aumenta tão rapidamente que o sistema capitalista não tem soluções para o problema. O que temos de nos perguntar é o que isto significa para as pessoas comuns, aquelas que não são nem serão milionárias. Penso que o resultado será uma deterioração do bem estar geral como resultado de uma degradação acelerada dos serviços públicos...Os capitalistas acreditam piamente que o capital irá salvar o mundo, mas não será assim, não por causa do que Marx disse sobre as suas contradições, ...O que eu e os meus colegas demonstrámos neste livro foi que a presente situação não pode ser mantida por mais tempo. Isto não é necessariamente uma visão apocalíptica, pois após ter feito um diagnóstico das situações passadas e presentes penso que existem soluções, mas antes de as discutirmos é fundamental reconhecer a realidade actual”.


Como foi dito o impacto do livro de Thomas Piketty foi enorme, sobretudo nos países anglo-saxónicos, para grande embaraço dos defensores de uma política de laissez-faire com a economia entregue à “pureza” das forças de mercado, o que resultou nesta situação por vezes chamada de “turbo-capitalismo” ou “capitalismo canibal”.

Mas de qualquer modo os defensores do status quo sentiram a necessidade de publicamente questionar o rigor do trabalho de Piketty, muito à maneira do que anos antes acontecera com o de Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff, dois economistas de Harvard autores do best-seller de 2009 “Desta vez é diferente: Oito séculos de loucuras financeiras”, e que tinham postulado num seu trabalho “Crescimento em tempo de Divida” que quando esta era superior a 90% do PIB isso teria como consequência a diminuição do crescimento económico.

Essa conclusão foi o alicerce fundador das políticas de austeridade que todos conhecemos e num discurso em Fevereiro de 2010 George Osborne, que estava prestes a tomar posse como Chanceler do Tesouro, afirmava que seria nos princípios de Reinhart e Rogoff que se basearia a política económica do novo Governo Conservador durante toda a futura legislatura:


“So while private sector debt was the cause of this crisis, public sector debt is likely to be the cause of the next one. As Ken Rogoff himself puts it, “there’s no question that the most significant vulnerability as we emerge from recession is the soaring government debt. It’s very likely that will trigger the next crisis as governments have been stretched so wide.”

  The latest research suggests that once debt reaches more than about 90% of GDP the risks of a large negative impact on long term growth become highly significant. If off-balance sheet liabilities such as public sector pensions are included we are already well beyond that. And even on official internationally comparable measures of debt, we are forecast to break through 90% of GDP in just two years time…

  To entrench economic stability for the long term, we need fundamental reform of our fiscal policy framework….As I have made clear, our aim will be to eliminate the bulk of the structural current budget deficit over a Parliament.”




Porém, um jovem estudante de doutoramento da Universidade de Massachusetts (Amherst), Thomas Herndon, resolveu passar as ferias de verão conferindo meticulosamente os dados em que Reinhart e Rogoff se tinham baseado para tirar as suas conclusões, tendo encontrado inconsistências de tal maneira graves que as invalidaram por completo o que obrigou os autores a admitir publicamente os erros.


No caso de Piketty, o que Herndon fez desacreditando Rogoff e Reinhard, coube a Chris Giles, editor de economia do Financial Times, tentar fazer escrevendo que o livro de Piketty tinha “problemas” por afirmar que a concentração da riqueza no Reino Unido desde 1980 fez com que 10% da população possuísse 71% da riqueza, quando essa percentagem era na realidade de apenas 44% segundo as estisticas oficiais (ONS). No entanto as Finanças Britânicas, (HMRC), confirmaram os números de Piketty e Paul Krugman disse o óbvio : ”Se alguém pensa que a noção da acumulação da riqueza nas mãos de uma minoria pode ser refutada, esse alguém terá uma amarga decepção.”



Quando a História do Neoliberalismo for feita este será descrito como um sistema que produziu uma enorme riqueza em beneficio de muito poucos enquanto milhões eram deixados sós na luta pela sobrevivência; um sistema concebido para transferir a riqueza dos pobres para os ricos; um sistema Malthusiano no seu desprezo pelos fracos e vulneráveis enquanto enaltecia a ganancia e o egoísmo.

Na Grã-Bretanha, um dos países mais ricos, 20% da população, ou seja 13 milhões de pessoas, está abaixo do limiar de pobreza. São já mais de um milhão os trabalhadores sujeitos ao chamado horário zero sem que tenham quaisquer garantias de lhes ser dado trabalho pela sua entidade patronal, mas mesmo assim impedidos de aceitar ofertas de outros patrões. Em 2004 o salário médio semanal era de £ 462, tendo baixado hoje para £ 427, enquanto o custo de vida subiu no mesmo periodo 34%.

Foram cerca de um milhão as pessoas que em 2013 recorreram aos bancos alimentares, quando em 2012 esse numero foi de 350.000 e em 2009 de apenas 26.000. Em 2013 o numero de casos de subnutrição levando a internamento hospitalar aumentou 74% e os diagnósticos de raquitismo 25% .

Pela privatização o grande capital é já dono das maiores infra-estruturas, mas a sua voracidade não estará jamais satisfeita. Destruiu sistematicamente os Sindicatos, desmantelou as garantias do trabalho, criou um desemprego maciço e está em vias de acabar com o Estado Social, começando pelo SNS.


A situação é já tão grave que vozes insuspeitas começam a alertar para a necessidade de mudança como é o caso do canadiano Mark Carney, actual governador do Banco de Inglaterra e que num discurso recente afirmou :

“Tal como uma revolução devora os seus filhos, o fundamentalismo que permite uma economia de mercado não regulada poderá devorar o capital social que é essencial à sobrevivência do próprio Capitalismo...Todas as ideologias são susceptíveis de se tornarem extremistas. O Capitalismo perderá o seu sentido de moderação se a confiança nas virtudes do mercado se tornar numa fé absoluta.”


Carney e outros dizem isto, mas será que alguém ouve ?






2 Comments
Alcina Mila
1/7/2014 06:25:04 pm

Até quando este capitalismo selvagem vai perdurar é o que agora muitos já se interrogam.

Mas e a mudança será possível? O sistema está de tal modo montado que alterar estas regras por uma via pacífica, não me parece possível.
O que fica a restar?

Uma revolução drástica, também não acho plausível.

Estamos definitivamente num beco sem saída, ainda por cima porque os meios de comunicação conscientes ou não só contribuem para a manutenção deste estado de terríveis desigualdades e aumento da pobreza.

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Fernando Vouga link
3/7/2014 07:05:54 am

Penso que não é propriamente no capitalismo que está o mal. É no poder que lhe está associado.
Existem outras fontes de poder (militar, ditatorial, religioso, etc.) que, fatalmente, conduzem à concentração desse poder num número cada vez mais reduzido de pessoas que, por sua vez, se tornam mais poderosas.

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