A FLAUTA
Em 1933 nascia na India aquele a quem foi dado o nome de Amartya, (que significa imortal), pelo seu padrinho o poeta, filósofo e escritor Rabindranath Tagore, (1861-1941), galardoado em 1913 com o prémio Nobel da Literatura.
Amartya Sen, de seu nome completo, viria igualmente a ter uma carreira distinta e seria também vencedor do Nobel, (Economia-1988). Além de economista foi também filósofo, tendo tido como preocupação central da sua vida académica o problema da pobreza , das desigualdades sociais e da justa distribuição da riqueza.
No seu livro “A Ideia de Justiça” ele imaginou com grande simplicidade e clareza uma história cujos protagonistas são três crianças a que chamaremos Maria, António e Joana, como sendo uma maneira de conhecer as escolhas que as diferentes visões da Sociedade nos oferecem,
“Três amigos, Maria, António e Joana brincam juntos com uma flauta. António foi quem a fez, Maria é quem a sabe tocar e a Joana, que é muito pobre, tem nela a única coisa com que pode brincar. Porém as respectivas familias vão partir para destinos distintos e o pequeno grupo será separado. Põe-se portanto a questão : Quem deverá ficar com a flauta ?”
Diz Amartya Sen que não existe nenhum resultado que possa ser reconhecido universalmente como sendo completamente justo, e que a decisão depende do entendimento que cada um tem sobre o que deve ser a Justiça :
A Joana, sendo a mais pobre, teria o apoio incondicional dos Egualitários, enquanto que o António teria do seu lado os Libertários, ficando a Maria a ser defendida pelos Utilitaristas.
E como a Justiça não é um ideal monolítico, mas um conceito pluralista, possuindo várias dimensões, todos têm uma parcela de razão :
Os Libertários argumentam que se António conhecesse as regras que possibilitariam que ele no futuro pudesse vir a ser privado do fruto do seu trabalho, a flauta, então não a teria feito.
Já os Egualitários, aqueles que querem que seja a Joana a beneficiada por ser pobre, acham que cada um deve receber de acordo com as suas necessidades e lembram o que defendia Anton Menger, um dos pioneiros na defesa do Estado Social, ao lembrar que havendo cidadãos mais vulneraveis do que outros, alguns mesmo incapazes de serem auto-suficientes, logo os que produzem não poderiam ficar com a totalidade do produzido, cabendo ao Estado o papel de redistribuidor da riqueza.
E finalmente os Utilitaristas não têm dúvidas de que o que deve prevalecer é a defesa da função social da riqueza e que esta deve pertencer a quem tem mérito, a quem melhor a saiba utilizar. Logo indiscutivelmente a flauta deveria ser para Maria, a única que a sabe tocar, porque senão qual seria a sua utilidade ?
Temos assim que não é possivel condenar à partida nenhuma destas posições que se baseiam em argumentos racionais e que são respectivamente o desejo de realizar o potencial humano (Maria), a eliminação da pobreza (Joana), e o direito de cada um gozar o fruto do seu trabalho (António).
Mas, segundo Amartya Sen, é no entanto necessário establecer prioridades segundo o tipo de Sociedade em que queremos viver e se desejarmos eliminar as injustiças que estão ao nosso alcance. O argumento que usa a impossibilidade de realizar um mundo totalmente justo, de erradicar a fome e a pobreza, não pode justificar a complacencia que leva à perpetuação de injustiças gritantes, como são os lucros obscenos de minorias obtidos à custa da miséria de milhares.