A GAZETA DO MIDDLESEX
O ELOGIO DA PREGUIÇA
III
(continuação)
A ideia que os pobres deveriam usufruir de tempos livres sempre foi chocante para os ricos. Em Inglaterra, no inicio do Séc. XIX, para um homem, a duração normal do dia de trabalho era de quinze horas ; Às crianças era por vezes exigido o mesmo, e era vulgar terem de trabalhar por doze horas seguidas. Quando foi sugerido que o dia de trabalho era talvez excessivamente longo a resposta foi que era o trabalho que mantinha os adultos afastados do álcool, e as crianças sem fazerem asneiras. Quando eu era jovem, e pouco tempo depois da classe trabalhadora ter adquirido o direito ao voto, alguns dias feriados foram estabelecidos para grande indignação das classes altas. Ouvi uma aristocrata comentar: “Para é que os pobres querem férias? Deviam era trabalhar!”
Se o dia de trabalho fosse apenas de quatro horas isso seria o suficiente para manter o nível de vida das populações e não haveria desemprego. Esta ideia indigna os que estão bem na vida por estarem convencidos que os pobres não saberiam o que fazer com os seus tempos livres.
Temos que admitir que o saber usufruir do ócio é um produto da civilização e da educação.
Um homem que tenha trabalhado longas horas durante toda a vida não saberá o que fazer se ficar subitamente inactivo. Mas, se não dispuser de um considerável tempo livre, o homem ver-se-á privado do melhor que a vida tem para oferecer. Não existe mais a necessidade dessa privação; só por um ascetismo pouco racional, e normalmente egoísta, se continua a insistir na necessidade do trabalho excessivo.
Nos novos ideais que agora norteiam o Governo da Rússia, certas coisas não diferem muito das que estão em vigor no Ocidente. A atitude das classes governantes, especialmente entre os responsáveis pela Educação Publica e no que diz respeito à dignidade do trabalho, leva a que aí se continue a pedir aos “pobres mas honestos” que sejam trabalhadores incansáveis, que estejam disponíveis para longas horas de esforço com a promessa de virem a ser recompensados num futuro distante, e de serem submissos perante a “autoridade”.
A vitória do proletariado na Rússia tem alguns pontos em comum com a vitória das feministas noutros países. Durante imenso tempo os homens diziam reconhecer nas mulheres uma santidade superior, consolando-as assim da sua inferioridade com a afirmação que essa santidade era melhor que o exercício do poder. A certa altura as feministas passaram a exigir ter ambas, porque, se acreditavam nos homens em que a virtude era desejável, deixaram de acreditar neles quando diziam não ser importante deter o poder.
A mesma coisa aconteceu na Rússia em relação ao trabalho manual: Durante uma eternidade os ricos, e os que serviam os seus interesses, elogiaram o “trabalho honesto”, o modo de vida “simples”, com a religião lembrando constantemente ser mais fácil a um pobre “subir ao céu” do que um rico. Afinal tratava-se de convencer os pobres que o trabalho manual conferia por si só uma especial nobreza, da mesma maneira que os homens tentaram, até certa altura, convencer as mulheres que a escravatura sexual de que eram objecto as elevava a um patamar superior de nobreza moral.
(continua)