A Gazeta do Middlesex

O Elogio da Preguiça III

28/1/2018

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                                   O ELOGIO DA PREGUIÇA

                                                   III


(continuação)
A ideia que os pobres deveriam usufruir de tempos livres sempre foi chocante para os ricos. Em Inglaterra, no inicio do Séc. XIX, para um homem, a duração normal do dia de trabalho era de quinze horas ; Às crianças era por vezes exigido o mesmo, e era vulgar terem de trabalhar por doze horas seguidas. Quando foi sugerido que o dia de trabalho era talvez excessivamente longo a resposta foi que era o trabalho que mantinha os adultos afastados do álcool, e as crianças sem fazerem asneiras. Quando eu era jovem, e pouco tempo depois da classe trabalhadora ter adquirido o direito ao voto, alguns dias feriados foram estabelecidos para grande indignação das classes altas. Ouvi uma aristocrata comentar: “Para é que os pobres querem férias? Deviam era trabalhar!”

Se o dia de trabalho fosse apenas de quatro horas isso seria o suficiente para manter o nível de vida das populações e não haveria desemprego. Esta ideia indigna os que estão bem na vida por estarem convencidos que os pobres não saberiam o que fazer com os seus tempos livres.
Temos que admitir que o saber usufruir do ócio é um produto da civilização e da educação.
Um homem que tenha trabalhado longas horas durante toda a vida não saberá o que fazer se ficar subitamente inactivo. Mas, se não dispuser de um considerável tempo livre, o homem ver-se-á privado do melhor que a vida tem para oferecer. Não existe mais a necessidade dessa privação; só por um ascetismo pouco racional, e normalmente egoísta, se continua a insistir na necessidade do trabalho excessivo.

Nos novos ideais que agora norteiam o Governo da Rússia, certas coisas não diferem muito das que estão em vigor no Ocidente. A atitude das classes governantes, especialmente entre os responsáveis pela Educação Publica e no que diz respeito à dignidade do trabalho, leva a que aí se continue a pedir aos “pobres mas honestos” que sejam trabalhadores incansáveis, que estejam disponíveis para longas horas de esforço com a promessa de virem a ser recompensados num futuro distante, e de serem submissos perante a “autoridade”.

A vitória do proletariado na Rússia tem alguns pontos em comum com a vitória das feministas noutros países. Durante imenso tempo os homens diziam reconhecer nas mulheres uma santidade superior, consolando-as assim da sua inferioridade com a afirmação que essa santidade era melhor que o exercício do poder. A certa altura as feministas passaram a exigir ter ambas, porque, se acreditavam nos homens em que a virtude era desejável, deixaram de acreditar neles quando diziam não ser importante deter o poder.

A mesma coisa aconteceu na Rússia em relação ao trabalho manual: Durante uma eternidade os ricos, e os que serviam os seus interesses, elogiaram o “trabalho honesto”, o modo de vida “simples”, com a religião lembrando constantemente ser mais fácil a um pobre “subir ao céu” do que um rico. Afinal tratava-se de convencer os pobres que o trabalho manual conferia por si só uma especial nobreza, da mesma maneira que os homens tentaram, até certa altura, convencer as mulheres que a escravatura sexual de que eram objecto as elevava a um patamar superior de nobreza moral.
(continua)

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Carillion

21/1/2018

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                                          CARILLION



Não sei se este nome foi falado recentemente na Ocidental Praia Lusitana. Admirar-me-ia muito. Mas se disser que a Carillion era uma empresa que vivia de celebrar PPP, (que aqui dão pelo nome de PFI), com o Estado os Portugueses saberão imediatamente do que falo, mas talvez não imaginem a dimensão colossal, faraónica, desta Carillion. Mesmo cá, antes da debacle, muito poucos eram os que tinham uma ideia, embora vaga, em como este colosso financeiro possuía tanto poder sobre a vida dos insuspeitados cidadãos Britânicos. Curioso fenómeno: Tão opaca e distante é a natureza destas mega corporações que realmente nos governam que sobre elas sabemos menos do que se fossem sediadas num país no centro da África.

Mas a palavra deve soar familiar: Carillon, em Francês, Carrilhão em Português, depois anglicizada para Carillion, neste caso querendo evocar o majestoso repicar de muitos sinos anunciando a Boa Nova, a esperança num futuro ridente trazido pela gloriosa privatização da Economia gerida por probos e desinteressados cidadãos em nome do bem comum.
Vil mentira, como irão ver:
Carillion, 20.000 trabalhadores, 450 contratos com a Administração Pública financiados pelos impostos, centenas de empresas sub-contratadas, fornecedora de mais de 32.000 refeições diárias para as escolas, responsável pela manutenção de 50.000 casas para o pessoal das Forças Armadas, vencedora do concurso para a construção do TGV entre Londres e Birmingham, do concurso para a construção dos novos hospitais em Liverpool e nos Midlands e da nova biblioteca em Birmingham, responsável pela gestão de metade das prisões de SM e das instituições correccionais para os jovens e, last but not least, fornecedora de 11.500 camas suplementares em clínicas privadas aos hospitais públicos, hospitais esses que estão à beira do colapso devido aos cortes orçamentais.

Tudo contratos leoninos, tudo contratos milionários, apenas possíveis por estarem os serviços públicos enxagues devido à austeridade. O caso do SNS é particularmente revoltante, ele que foi fundado pelo Trabalhista Nye Bevan, já no distante ano de 1948, com o propósito declarado de por fim à desigualdade no acesso à Saúde. Hoje, em Janeiro de 2018, ano em que se comemoram os setenta anos da fundação, uma criança nascida em Chelsea tem uma esperança média de vida superior em nove anos a outra nascida numa cidade pobre do Norte de Inglaterra. Não há muito tempo um estudo demonstrava que mesmo na Capital, Londres, a esperança média de vida diminuía por cada estação de Metro que se afastava do norte da cidade, rico e próspero, em direcção ao leste, pobre e carenciado. O estado do National Health System, ele que foi a matriz para todos os Serviços Nacionais de Saúde que surgiram depois, é hoje calamitoso: 4 milhões de doentes em listas de espera, 80.000 cirurgias adiadas em 2017, os tempos de espera nas Urgências ultrapassando todos os limites da humanidade e da decência.
Mas a 15 de Janeiro passado tudo acabou. A Carillion, tal como o sapo da história que foi inchando até rebentar, foi à falência e encerrou portas, lançado na incerteza e no desemprego dezenas de milhares de trabalhadores, com centenas de pequenas empresas que lhe prestavam serviços na eminencia de terem de encerrar também.

Mas o modo como se chegou até aqui é, no mínimo, obsceno:

A 10 de Julho de 2017 a Carillion publicou o seu primeiro aviso publico, (de três), sobre a sua situação financeira, (uma obrigação legal para as empresas cotadas que sofram uma alteração significativa das perspectivas de lucro futuro), o que levou a uma queda imediata de 39% do seu valor em Bolsa e à demissão do seu então CEO Richard Howson.

Mas exactamente uma semana depois o Governo celebrou um contrato com a mesma Carillion no valor de £ 1.4 biliões de Libras para a primeira fase da construção do TGV. O Secretário de Estado dos Transportes, (Ministro), Chris Grayling devia estar de férias numa das Luas de Saturno para não ter dado por nada.
Mas há mais: A 18 de Julho o Ministério da Defesa celebrava outro contrato, desta vez no valor de £ 158 milhões de Libras, para o catering e manutenção de 233 instalações militares, incluindo a construção de um hotel.

Em Setembro de 2017 foi publicado o segundo aviso onde se reportavam perdas de £ 1.1 biliões de Libras no primeiro semestre desse ano. Mas como a fé tem muita força, e o Governo aparentemente continuava a ter muita na Carillion, após estes resultados foi assinado novo contrato, agora para a electrificação da linha de caminho de ferro entre Londres e Corby.

Finalmente, e três dias depois do terceiro e ultimo aviso, ( e de uma queda de 48% no valor das acções), o Governo num gesto de grande generosidade celebrou o derradeiro contrato com a Carillion no valor de uns meros £ 12 milhões de Libras.
E foi assim que em 15 de Janeiro a Carillion exalou o ultimo suspiro depois de ter perdido 1 bilião de Libras em bolsa, valendo nos seus ultimos instantes a bagatela de £ 73 milhões.

Mas, é de lembrar que Richard Howson, o antigo CEO antes de rebentar a crise, continua a receber até hoje o seu salário de £ 660.000 Libras. Não haverá, creio, mais refulgente exemplo em como privatizar os lucros e socializar as perdas.
No que toca ao resto o pânico é generalizado entre a malta do capital, com o espectro do Lehman Brothers a pairar: Seria a Carillion too big to fail ? Há que encontrar uma solução sem pronunciar a palavra maldita que começa por um N. Os Bancos já se chegaram à frente prometendo milhões, (eles próprios foram nacionalizados, mas foi pelo Gordon Brown que não tinha medo da palavra N, e que salvou assim o sector Bancário. Fosse ele Ministro das Finanças de Portugal e não o portento em Economia chamada Luis qualquer coisa, e os Portugueses ainda tinham o BES, mas sem a factura a pagar)















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O Elogio da Preguiça II

17/1/2018

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                                                             O ELOGIO DA  PREGUIÇA
                                                                          II

(continuação)
Em primeiro lugar: O que é o trabalho ? Ele é de duas espécies: A primeira consiste em mudar a posição, ou a natureza, da matéria existente na Terra em relação a outra matéria. A segunda é dar ordens aos outros para o fazer e como. A primeira é penosa e mal paga; a segunda dá satisfação e é muito bem retribuída. A segunda não é limitada: Não existem apenas os que dão ordens, mas também há aqueles que dão instruções em como essas ordens devem ser cumpridas. Em relação a este aspecto existem normalmente pelo menos duas organizações que dão conselhos contraditórios; são os chamados Partidos Políticos. O que é requerido para desempenhar esta função não é ter conhecimentos sobre os sujeitos a quem os conselhos são dirigidos, mas apenas saber, falando ou escrevendo, ser persuasivo e conhecer a técnica da propaganda.



Através da Europa, mas não na América, existe uma outra classe social que é mais respeitada que todas as outras. É constituída por aqueles que, pela posse da terra, são capazes de fazer os outros pagar pelo privilégio de meramente existir e trabalhar. Esses latifundiários nada fazem, logo seria expectável que eu os elogiasse. Infelizmente o seu ócio é apenas possível pela exploração do trabalho dos outros; na verdade as suas vidas confortáveis foram a origem do mito da nobreza do trabalho. A ultima coisa que desejariam era que outros seguissem o seu exemplo.



Desde o principio da Civilização, e até à Revolução Industrial, o trabalhador agricola podia com o seu trabalho duro produzir um pequeno excedente para além do que era estritamente necessário para a sua subsistência e a da sua família, apesar da mulher e filhos trabalharem tão duramente como ele. Mas essa pequena parcela não ficava para eles: Era apropriada pelas classes dos homens de armas e dos sacerdotes. Em tempos de fome esse pequeno excedente desaparecia; mas as classes dos poderosos não via diminuído o seu rendimento, o que causava a morte pela fome de quem trabalhava. Este sistema persistiu na Rússia até 1917, (desde então os membros do Partido Comunista herdaram os privilégios que anteriormente pertenciam às classes nobres), e ainda se encontra no Leste; em Inglaterra, e apesar da Revolução Industrial, esteve sem mudar até depois das guerras Napoleónicas e só há cerca de cem anos, com a riqueza a concentrar-se nas mãos dos novos industrialistas, as coisas se tornaram diferentes. No Sul da América esta situação persistiu mesmo até à guerra civil.



Um sistema, que durou durante tanto tempo, e que terminou só tão recentemente, deixou naturalmente profunda marcas no pensamento e na consciência dos homens. Muitas das nossas opiniões feitas sobre a santidade do trabalho derivam dele só que, sendo pré-industrial, não está adaptado ao mundo moderno. As técnicas modernas tornaram possível que o ócio não seja um prerrogativa apenas das classes privilegiadas, mas um Direito igualmente distribuído pela comunidade. A moralidade do trabalho é a moralidade dos escravos, e no mundo moderno não há lugar para a escravatura.



Parece ser óbvio que, nas Sociedades primitivas, os camponeses se deixados a si próprios não abdicariam do pouco que restava depois de satisfeitas as suas necessidades: Ou consumiriam mais, ou produziriam menos.

A principio foi necessário o uso da força bruta para lhes ser tirado essa parcela do seu trabalho. No entanto, e gradualmente, foi sendo possível induzir-lhes no espírito que era seu dever aceitar a ética que deviam trabalhar duramente, mesmo se fosse para sustentar o ócio de outros. E assim, pouco a pouco, tornou-se desnecessário usar medidas compulsivas o que fez com que governar fosse mais fácil e com menos custos. Até hoje 99% dos trabalhadores Britânicos ficariam genuinamente chocados se fosse proposto que ao Rei deveria ser paga uma jorna igual à deles.



A concepção do Dever, historicamente falando, foi usada pelos detentores do poder como meio de induzir os outros a viver para satisfazer os interesses dos seus senhores, em vez dos seus próprios. Alguns dos poderosos escondem de si esta realidade, fazendo-se acreditar que os seus interesses são idênticos aos da Humanidade no seu geral. Por vezes isso pode ser verdadeiro: Os Atenienses proprietários de escravos, por exemplo, usaram a sua ociosidade para fazerem uma contribuição permanente para a Civilização, que de outro modo não teria sido possível num regime económico mais justo. A ociosidade é essencial à Civilização, e na Antiguidade a ociosidade de poucos só foi tornada possível pelo trabalho de muitos, mas não porque o trabalho fosse bom e a ociosidade má.




As técnicas modernas tornam possível diminuir enormemente a carga de trabalho necessária para garantir uma vida condigna para todos. Isto tornou-se óbvio durante a guerra. Enquanto ela durou, todos os homens que estavam nas forças armadas, todos os homens e mulheres que fabricavam armas e munições, todos aqueles que estavam directamente ligados ao esforço de guerra, numa ou noutra posição, foram retirados das actividades produtivas. Apesar disso, o bem estar físico dos trabalhadores não qualificados pertencentes às nações aliadas nunca foi tão alto, antes ou depois do conflito. O significado desta realidade foi escondido pelos financeiros: O recurso ao crédito foi estigmatizado como fazendo recair sobre as gerações futuras o custo do bem estar do presente. Mas isso é obviamente impossível; o homem não pode comer um pão que ainda não existe. A guerra demonstrou conclusivamente que, organizando cientificamente a produção, é possível dar condições de vida dignas às populações usando apenas uma pequena parte da capacidade do trabalho produtivo existente. Se, ao findar a guerra, tivesse sido conservada essa organização cientifica da produção, que tinha sido criada a fim de libertar os homens e mulheres para a luta ou para o fabrico de armas e munições, as horas diárias de trabalho poderiam ter sido reduzidas a quatro. Em vez disso o velho sistema foi reposto e àqueles que tinham trabalho foi imposto que ele durasse por longas horas, e o resto foi deixado à míngua no desemprego. Porquê ? Porque o trabalho é um dever, e o trabalhador não deve receber um salário proporcional ao que produziu, mas sim que esteja na proporção do sacrifício  exigido e do suor gasto.

(continua)




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O Elogio da Preguiça I

12/1/2018

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                                                      O ELOGIO DA PREGUIÇA
                                                                      (1932)


                                                                          I


Como muitos da minha geração fui educado ouvindo dizer que “ A ociosidade é a mãe de todos os vícios”. Sendo uma criança muito bem comportada fiquei com a frase gravada na consciência o que fez com que tenha trabalhado duramente até aos dias de hoje. Mas se a minha consciência controlou as minhas acções, as minhas opiniões sofreram entretanto uma verdadeira revolução. Acho que se faz demasiado trabalho no mundo e que muito sofrimento é causado por se pensar que ele é virtuoso, quando o que é necessário é dizer exactamente o contrário daquilo que se tem propalado até agora. Toda a gente conhece a história daquele viajante que ao chegar a Nápoles se deparou com doze pedintes estendidos no chão ao Sol, (isto foi antes de Mussolini), e que prometeu dar uma Lira ao mais preguiçoso deles todos. Onze deles saltaram imediatamente tentando apanhar a moeda; Obviamente que foi o décimo-segundo a ficar com ela. Penso que esse viajante estava no caminho certo. Mas nos países que não beneficiam do Sol do Mediterrâneo a preguiça é mais difícil e vai ser necessária uma grande dose de propaganda para a promover. Espero que os líderes dos clubes de juventude ao lerem as páginas seguintes iniciem uma forte campanha capaz de induzir os jovens a nada fazer. Se isso acontecer não terei vivido em vão.

Antes de avançar com os meus argumentos em favor da preguiça devo renunciar a um que não posso aceitar: Que alguém que já tem meios suficientes de subsistência não deve exercer qualquer tipo de trabalho porque isso seria tirar o pão da boca de quem precisa, logo uma má acção. Se isso fosse verdade seria necessário que ninguém trabalhasse para que houvesse pão para todos. Os que defendem esse tipo de argumentos esquecem que o que o homem ganha, o homem normalmente gasta, e gastando cria emprego. Desde que o homem gaste o seu salário, dá tanto pão aos outros gastando, quanto o que tirou ganhando. O mau da fita, deste ponto de vista, é aquele que poupa e não gasta. Se puser as poupanças debaixo do colchão, como o proverbial camponês da França, não cria emprego. Se investir o seu dinheiro a questão não é tão óbvia, e levanta outro tipo de problemas:

Uma das maneiras mais usuais de aplicar as poupanças é na compra da divida publica, ou seja emprestando o dinheiro ao Governo. Tendo em vista que o grosso da despesa publica vai para pagar guerras passadas, ou é gasto preparando guerras futuras, aquele que empresta fica na posição daquele malvado que contratava assassinos de que fala Shakespeare. Teria sido obviamente melhor se tivesse gasto o dinheiro de outra maneira, nem que fosse em bebida ou no jogo.

Mas, dir-me-ão, as coisas seriam diferentes se tivesse investido em empresas industriais. Quando estas são bem sucedidas e produzem algo útil, concedo que sim, mas o acontece é que presentemente a maioria delas vai à falência. Uma enorme quantidade de trabalho humano foi em vão, quando podia ter sido usado para produzir coisas que dessem prazer em vez de máquinas que ficam paradas por falta de compradores. Quem investe em projectos falhados causa dano, não só aos outros, como também a si próprio. Se tivesse gasto o dinheiro em, por exemplo, festas para os amigos, eles poderiam ter tirado algum prazer e teria ajudado gente como o talhante, o padeiro e o vendedor de bebidas. Mas se tivesse gasto o seu dinheiro financiando a abertura de linhas férreas para novos destinos onde os comboios não são realmente necessários, a sua bancarrota seria encarada como um azar e ele como uma vitima do destino, enquanto aquele que alegremente desbarata o seu dinheiro em obras filantrópicas seria visto como uma pessoa tonta e frívola.

Tudo o que disse até agora não passou de preliminares. O que quero afirmar, com toda a seriedade, é que muito do sofrimento existente no mundo moderno é resultado de se encarar o trabalho como algo cheio de virtude e que o caminho para a felicidade e prosperidade está numa diminuição planeada das horas de trabalho.
(continua)

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O Elogio da Preguiça

9/1/2018

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                                 O ELOGIO DA PREGUIÇA



2017 foi o ano em que os robots verdadeiramente chegaram com o aparecimento do Atlas, o primeiro que é tão bípede como os humanos e que é capaz de dar cambalhotas para a frente e à retaguarda sem perder o equilíbrio. Carros sem condutor, encomendas entregues por drones, não há actividade humana que esteja a salvo da revolução que nos bate à porta, para pasmo e angustia da maioria de nós. Escrevia recentemente o New York Times: “ Será que os robots vão ficar com o emprego dos nossos filhos?” O The Atlantic vai mais longe: “Será que os nosso filhos vão criar laços emocionais com os robots?”
Os robots não precisam porém de parecer humanoides para serem encarados como uma ameaça real: 100.000 deles gerem os armazéns da Amazon. Confesso com pesar que sou um cliente Prime o que faz com que, esteja eu onde estiver na Europa ou na América, a minha encomenda me será infalivelmente entregue em 24 horas, o que apenas é possível pelo silencioso e instantâneo trabalho desses robots, mas que me torna moralmente complacente com as práticas que condeno. Um estudo recente afirma que a tecnologia dos carros sem condutor será responsável a médio prazo pela perda global de 5 milhões de postos de trabalho. O Banco de Investimento BlackRock, que julgo ser conhecido dos Portugueses, está a substituir centenas de gestores por software contendo novos algoritmos. Os médicos são hoje “assistidos” no diagnóstico por um software muito mais preciso e infalível, com alguns possuindo já uma acuidade visual tal que pode distinguir células cancerosas das normais.



Estas novas tecnologias não pertencem à ficção cientifica, são bem reais, o que significa que são também obsoletas. O ritmo da inovação cientifica é tal que o que actualmente existe foi já ultrapassado pelo que está prestes a sair dos laboratórios.
E no entanto, apesar dos sinais de alarme estarem por todo o lado, uma estranha complacência reina: Uma organização Americana especializada em estudos de opinião, o Pew Research Center, publicou um recente inquérito que mostra que 77% dos trabalhadores Americanos acredita que eventualmente os robots serão capazes de desempenhar a maioria das tarefas que hoje são feitas por humanos, mas que apenas 30% julga que o seu próprio trabalho pode estar em risco. Um estudo de outra também respeitada organização, a McKinsey,, revela que em 2030 um terço da força de trabalho Americana será substituída por robots.
Provavelmente não estaremos preparados para viver com máquinas inteligentes e autónomas e a ansiedade com que encaramos o que nos espera é bem real, mas não tem a ver com essas máquinas em si. A sociedade capitalista criou uma cultura em que a medida do nosso sucesso e da nossa realização pessoal depende daquilo que o trabalho que fazemos é capaz de comprar. Como Michael Sandel escreveu: “Passámos de uma economia de mercado para viver numa sociedade de mercado, em que tudo tem um preço”.

A questão é que a nossa mentalidade leva-nos a encarar a inteligência artificial e a automatização como um problema individual: Será que vou ser substituído por um robot?, quando ele é na realidade colectivo e só colectivamente se poderá garantir um futuro digno.


Bertrand Russel, (1872-1970), filosofo, matemático, escritor, prémio Nobel, critico social, militante pacifista e anti-imperialista, várias vezes hospede de S.M. nas suas prisões, cujo trabalho teve considerável influencia no desenvolvimento da Inteligência Artificial e dos modernos computadores, pensou nisto tudo e em 1932, há portanto 86 anos, escreveu um ensaio a que chamou “ Elogio da Preguiça” em que propunha soluções para os problemas que hoje enfrentamos. Ser capaz de um olhar para um futuro tão distante e antevê-lo é sinal de génio, que indubitavelmente Bertrand Russel foi.

Ele será o tema para os próximos posts.

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O Cisne Negro

4/1/2018

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              A  GAZETA  DO  MIDDLESEX

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                                         O CISNE NEGRO

Foi Nassim Taleb quem, no seu livro com o mesmo título, chamou a atenção para os acontecimentos que apesar de serem considerados previamente altamente improváveis acabaram por se dar, e que possuem três principais características:

A sua imprevisibilidade; o impacto maciço causado pela sua ocorrência; e após esta, a tentativa de construir uma explicação que demonstre que afinal não eram assim tão imprevisíveis.
Trump na Presidência, a vitória do Brexit no referendo, a convocação de eleições antecipadas no Reino Unido por Theresa May, na certeza que se traduziriam por uma vitória esmagadora, quando afinal resultaram na perda da maioria Parlamentar e… a eleição de Mário Centeno para a Presidência do Eurogrupo, todos foram Cisnes Negros.

Mas não foi Nassim Taleb o inventor do termo. Ele tem dois mil anos e foi Juvenal, o poeta de Roma, o primeiro a falar na metáfora: “Rara avis in terris nigroque simillima cygno”, ( Um pássaro tão raro nestas paragens que é como se fosse um Cisne Negro).

O termo era na Inglaterra do Séc. XVI popular e sinónimo do impossível, ou pelo menos do inexistente, até que em 1697 o explorador Flamengo Willem de Valamingh foi o primeiro europeu a observar um cisne negro no ocidente da Austrália. A partir daí o termo sofreu uma inevitável metamorfose e passou a designar a ideia de algo, que perecendo impossível, se vem afinal a provar ser realizável ou existente.
A importância da metáfora do Cisne Negro reside em chamar a atenção para a fragilidade dos sistemas de pensamento. Quaisquer conclusões podem revelar-se falsas, uma vez que algum dos seus postulados se prove ser errado.

Escreveu Nassim Taleb:

“Aquilo a que chamamos um Cisne Negro é um acontecimento que possui os seguintes três atributos.”
“Em primeiro lugar é ser um outlier, porque está para além das expectativas realizáveis uma vez que nada no passado apontava convincentemente para a sua possibilidade.”
“A sua ocorrência causa um impacto extremo.”
“Apesar da sua natureza de outlier, a natureza humana faz com que se fabriquem explicações depois do facto acontecer, tornando-o expectável e previsível.”
“Resumindo: Raridade; extremo impacto; e previsibilidade não prospectiva, mas sim retrospectiva.”
Mas Taleb escreveu também:

“Não dou particular importância ao habitual. Se quisermos ter uma ideia do temperamento, da ética e valores de alguma pessoa teremos de a observar quando é testada sob circunstancias severas, e não na tranquilidade do seu dia a dia. Será que podemos avaliar o perigo de um criminoso se o virmos apenas sob o prisma da sua vida diária ? Na realidade o normal é na maior parte dos casos irrelevante. Quase tudo que tem consequências fortes, seja na política, seja na vida social, são acontecimentos raros e extremos.”


Mas voltando à eleição de Mário Centeno ela foi, por direito próprio, um verdadeiro Cisne Negro: Um Ministro das Finanças de um país falido e displicente nos gastos, uma cigarra do Sul aos olhos das formigas do Norte, ter sido eleito primus inter pares no areópago que tem poder de decisão sobre os dinheiros de 500 milhões de cidadãos não é coisa pouca, então se a medirmos pelo impacto extremo que causou na política doméstica, com Marcelo tomado pelo despeito e de cabeça perdida afirmando que Centeno não deveria esquecer que se chegou à Presidência do Eurogrupo foi por ser Ministro das Finanças primeiro, uma lapalissada que vinda de quem vem só se explica por ter o Presidente ter sofrido um lapsus mentis.

Dizem porém os mais cínicos que a verdadeira razão pela qual Marcelo produz estes truísmos reside no facto de sentir que, com a eleição de Centeno, a missão à qual se dedicou com tamanha e minuciosa devoção durante tantos anos, a de ser a figura messiânica que fará renascer o califado da direita que governará Portugal, se tornou mais difícil. Se for assim tem desculpa: Está-lhe nos genes.


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