A Gazeta do Middlesex

Os Buddenbrook

31/3/2014

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                                                   OS  BUDDENBROOK            






Em 1901 Thomas Mann escreveu uma das suas mais famosas obras onde descreve o apogeu e queda dos Buddenbrook, uma familia da alta burguesia do séc. XIX. Através de peripécias várias vamos sabendo como um verdadeiro império financeiro aparentemente indestrutível acaba soçobrando devido aquilo que ficou conhecido como o “ Efeito Buddenbrook”.

Tudo começa sempre com uma figura ímpar, a do fundador, o qual ou por possuir um talento invulgar, ou por ter descoberto um produto de grande sucesso, mas normalmente por ambas as coisas, cria de raiz uma grande fortuna. A segunda geração raramente o iguala em génio e o mais vulgar será apenas ir conseguindo manter o edifício de pé, até que rapidamente outra surgirá que não resistirá à força centrifuga do tempo e será mais uma dinastia que desaparecerá .

Bem pode lutar aquele que tiver a desdita de estar ao comando nesses dias, bem pode proclamar a imutabilidade do seu trono e a sacramentalidade do seu destino, bem pode enfeitar-se com os louros herdados, que o fim é inevitável.

David Landes que faleceu no Verão passado e que foi professor de Economia em Harvard e autor de “Banqueiros e Paxás” e “Dinastias”, foi um dos que estudou esta questão em profundidade para no essencial chegar à conclusão que todos conhecem : O que é bom sempre acaba. Resignem-se portanto.

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Comam Lamborghinis

28/3/2014

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                          Comam Lamborghinis !




Este Orçamento de Estado que o Chanceler do Tesouro apresentou na semana passada, não cessa de surpreender. Não bastava o corte dos impostos sobre o bingo e a cerveja, uma medida de incalculável alcance social, como também introduziu mudanças radicais no sistemas de pensões nunca vistas, dizem, desde 1921 !

Acontece que muitos trabalhadores e suas entidades patronais contribuem com montantes variáveis, dependendo de acordo mútuo, para um fundo de pensões, contribuições essas que beneficiam de estímulos fiscais importantes.

Uma vez chegada a idade da reforma o valor acumulado era usado na compra de uma anuidade cujo valor dependia obviamente do capital disponível. As regras estipulavam que apenas uma pequena parte podia ser levantada em numerário.

Agora, num passe de mágica para uns ou golpe de génio para outros, não contando com aqueles que classificam a medida de irresponsável e oportunista, os reformados podem de uma assentada levantar todo o dinheiro amealhado durante uma vida de trabalho.

Genial, dizem, como George Osborne conseguiu uma medida que injectará na economia instantaneamente uma soma astronómica, aumentando a procura interna e as receitas fiscais, e  sem aumentar o deficit das contas públicas num único penny !

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Inevitavelmente levantaram-se as vozes das Cassandras alertando para o facto de os reformados, sobre cujas impreparadas cabeças é agora despejada uma cornucópia de dinheiro, poderem não vir a fazer dele prudente uso.

Oh Ignomínia! Clamaram os conservadores : Como é possível por em causa a sensatez dos nossos pensionistas, modelos de parcimónia, pilares da Sociedade ?

Mas a lebre estava lançada o que fez com que o ministro das pensões, Steve Webb, viesse publicamente declarar que não estava preocupado se alguns reformados gastassem a sua pensão na compra de um Lamborghini. Nestas coisas há sempre uma espécie de justiça divina que faz com que, de um momento para o outro, os aplausos se transformem em escárnio e não se falando noutra coisa senão nos Lamborghinis dos reformados , ao custo unitário de cerca de £ 300.000 , o inefável Boris Johnson, o desgrenhado Mayor conservador de Londres, juntou-se à festa afirmando que “ ...se os velhos tontos acabarem dentro de um Lamborghini cheio de ferrugem a comerem comida de cão, o problema é deles ! “

Marina Hyde, uma conhecida jornalista, aproveitando a famosa frase, (embora provavelmente apócrifa), de Maria Antonieta “Comam brioches !” , publicou um artigo precisamente sob o título “Let them eat Lamborghinis !”

No meio disto tudo deu pena ver o líder dos Trabalhistas Ed Miliband e o seu Chanceler-sombra Ed Balls a andarem em bicos dos pés por este terreno minado tentando desesperadamente parecerem não se opor à “liberdade” dos pensionistas para gastarem o seu dinheiro conforme entendessem, mas sem ao mesmo tempo caucionarem a medida.

Foi talvez Frances O'Grady, Secretário da Central Sindical TUC quem mais claramente definiu o que é importante : “ Os reformados o que realmente precisam é de uma pensão que ofereça garantias e pague um montante regular e seguro e não de uma que, se acaso tomarem as decisões menos correctas, os faça acabar a comer comida de cão.”

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Looking South

26/3/2014

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                                  Looking  South




I felt age within me. Distance.
The futility of wandering. Torpor.
I looked back setting my bundle down.
I looked back not knowing where to set my foot.
Serpents appeared on my path,
spiders, field mice, baby vultures.
They were neither good nor evil now--every living thing
was simply creeping or hopping along in the mass panic.
I looked back in desolation.
In shame because we had stolen away.
Wanting to cry out, to go home.


Wislawa Szymbroska








O comboio especial deixou-nos naquela madrugada de Janeiro em Stª Apolónia onde os camiões militares esperavam para nos levar ao cais. No meio da multidão o pequeno grupo dos meus que se tinham vindo despedir do filho e neto único. Breves momentos para os derradeiros beijos e abraços. O meu avô, velho militar ainda aprumado nos seus oitenta anos, tinha posto ao peito as medalhas ganhas na Flandres. Dirijo-me a ele para a despedida final quando, com os olhos marejados de lágrimas, num impulso súbito se perfila e me faz a continencia. Vacilo , é demais, tenho medo de não aguentar e resolutamente volto as costas e regresso à formatura.

Senhoras do Movimento Nacional Feminino oferecem tabaco e imagens de santos. Recuso. Começa o desfile no meio das mais indescritíveis cenas de dor. Gritos e choros, um cenário dantesco mas felizmente curto ; em poucos minutos o Vera Cruz ter-nos-á engolido a todos. Depois é a corrida para as amuradas, pequenas para os três mil homens que partem. A sirene do navio soa, soltam-se as amarras, a banda militar no cais toca o hino nacional que mal se ouve no meio da gritaria. Desesperadamente procuro a minha família . Vejo finalmente a cara de minha Mãe, muito branca, no meio da multidão. Será esta a última imagem que levo comigo.

Começa a longa viagem e em breve a juventude , la ensouciante jeunesse, toma conta de nós. Tudo é novidade e , privilégios de classe, viajamos em primeira . Pode ser um transporte de tropas, mas mesmo assim é servido diariamente um chá com orquestra, (obviamente não dançante...), a mesma que acompanha os nossos jantares.

Luanda é a primeira escala e o primeiro contacto com África, dois dias apenas, demasiado pouco para o que queríamos ver. Em breve voltamos a navegar e dobrado o cabo da Boa Esperança Lourenço Marques espera-nos. É organizado um desfile militar pois somos o primeiro grande contingente de tropas a chegar à província e somos recebidos com indiferença, ou mesmo hostilidade, pela população branca. Parece que a guerra tão distante lá no Norte, apenas a nós diz respeito.

Nas próximas escalas o navio começará a regurgitar soldados, primeiro a Beira depois Nacala, Porto Amélia. Seremos os últimos a desembarcar em Mocimboa da Praia, em lanchas protegidos por fuzileiros e armados com Mausers, as armas automáticas virão mais tarde. A picada até Mueda é longa, cada metro uma angustia, é o primeiro contacto com o que nos espera. Verei indiziveis horrores, serei testemunha de indescritíveis sofrimentos. O hospital militar de Nampula convenientemente escondido no mato dos arredores. A esburacada picada que vem do aeroporto e que as ambulâncias carregadas de feridos percorrem lentamente entre gritos de dor.




Caminho lentamente até à beira mar nesta praia de seixos de Dorset. Está muito frio e sinto o gelo estalar sob os meus pés. Mar cinzento, céu de chumbo. Estremeço e olho para Sul. Pátria amada afinal não terás mesmo os meus ossos.




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Spring at last

24/3/2014

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                                       SPRING AT LAST ?




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              Busking in Queen's Walk





   




                               There are other art forms than music...

                                        Speaking of art why not a quick visit to Tate Modern ?
                                                                           But is this art ?
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Must have a meaning though, let's have a look...!


                                                                                  BUT....




                                                 Not at all convinced, I'm afraid...!




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An easy choice...


                                                           and finally a view of St.Paul's is always pretty !




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Bingo !

21/3/2014

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Na passada quarta-feira e com grande pompa, o Chanceler do Tesouro George Osborne apresentou o Orçamento para o próximo ano fiscal.

As medidas mais mediaticas foram o corte para metade dos impostos sobre o Bingo e cerveja, ou não fosse já em 2015 que se realizam eleições gerais !

E para que essa medida de grande alcance social não corresse o risco de passar despercebida, Grant Shapps o Secretário Geral dos Conservadores, encomendou um poster onde se proclama que os trabalhadores podem assim ter mais facilidade em fazer o que ELES gostam.




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Mas muito pouca gente gostou e os Trabalhistas ripostaram com outro poster




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O proverbial humor britânico fez o resto com esta imagem da reunião do conselho de ministros que se seguiu:

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Meditações 1

18/3/2014

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                                                    Imperador
                                              Marcus  Aurelius
                                                             
 (121 AD - 180 AD) 


                                             MEDITAÇÕES    

1- Quando acordares de manhã diz a ti próprio : Hoje encontrarei gente que será intrometida, ingrata, insolente, arrogante, desleal, desonesta  e egoísta – E  são assim  por não saberem distinguir o bem do mal. Mas eu que apreciei a beleza do bem e a fealdade do mal, fui capaz de reconhecer que a natureza desses prevaricadores está relacionada com a minha própria natureza, (não num sentido físico, mas por serem meus semelhantes, por terem também o dom da razão e uma centelha do Divino). Portanto nenhum deles me pode magoar e nenhum me pode conduzir à degradação. Nascemos todos para trabalhar em conjunto como pés do mesmo corpo, dentes da mesma boca. Opor-nos mutuamente é contrário às leis da natureza – e o que é a irritação e a aversão senão uma forma de obstrução ?
 


2- Eu nada mais sou que um pouco de carne e um pouco de espírito com o poder da Razão a regular tudo isso. Não dês importância aos livros, não passam de uma distracção. Em vez disso, como se estivesses à beira da morte, despreza o teu corpo carnal : Sangue viscoso, ossos, um emaranhado de nervos, veias, artérias. Considera aquilo que o espírito é : Apenas ar, e nunca o mesmo ar, inspirado num instante para  ser novamente expirado. Finalmente a Razão : Pensa desta maneira : És um homem velho, é tempo de impedires que a tua mente seja escravizada por impulsos egoístas, que lute contra o destino, contra o presente e que tema o futuro.


 3- Tudo depende dos desígnios da Divina Providencia; mesmo os caprichos da sorte têm o seu lugar no grandioso esquema da Natureza. A Divina Providencia é a fonte de tudo o que flui, tudo está ligado num intrincado tapete do qual fazes parte, pois és parte do Universo.
E tudo aquilo que é necessário para o bem do todo, o que esse todo faz para seu próprio bem, é igualmente benéfico para todas as suas partes. E o que mantém a integridade desse todo é a mudança – das coisas e elementos que o compõem, sejam eles básicos ou grandes formações. E esta verdade deve ser suficiente para ti; Encara-a como um axioma.Portanto cessa esse teu desejo pelos livros para que não morras amargurado mas para que o faças na verdade e na alegria,  grato aos deuses do fundo do teu coração.


4- Pensa nos muitos anos em que foste adiando decisões, tolhido pela indecisão; e como os deuses te concederam sucessivamente períodos de graça que não aproveitaste. É tempo de entenderes a natureza do Universo a que pertences e a do Poder absoluto de que és filho; e perceberes que o teu tempo tem nele gravado um limite. Usa-o portanto para te tornares mais esclarecido; ou ele passará e jamais estará de novo ao teu alcance.


 
5- Quer vivas três mil anos, ou mesmo trinta mil, lembra-te que a única vida que  podes perder é aquela que estás a viver  no presente instante; e que além disso  nunca poderás perder outra senão esta. Isto significa que a vida mais longa e a mais curta valem o mesmo. O minuto que passa é igual para todos, e a sua perda é limitada a esse  momento pois ninguém pode ser privado do que já passou ou do que ainda não aconteceu. Não pode ser-nos tirado o que nunca foi nosso.

São duas as coisas que não deves esquecer :

A primeira é que desde o principio dos tempos os ciclos da criação repetem-se imutávelmente, e portanto não haverá diferença ver o mesmo espectáculo durante cem ou duzentos anos, ou para sempre.

A segunda é que para aqueles  que irão morrer não interessa que tenham tido uma vida longa ou curta pois a sua perda será igual porque só o presente é  que é realmente nosso e não se pode tirar a um homem o que ele nunca possuiu.

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MONTAIGNE

13/3/2014

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                                           MONTAIGNE




Michel Eyquem de Montaigne, um aristocrata e produtor de vinhos, que desempenhou altos cargos politicos e que viveu na zona do Perigord, no sudoeste da França, entre 1533 e 1592, teve uma ideia completamente original e que foi escrever sobre si próprio de maneira que os outros pudessem reconhecer nessa escrita a sua própria condição humana, e a esses textos chamou ensaios, e aos quais deu titulos simples:

                                                                           Da amizade

                                                                           Dos canibais

                                                                           Do costume de usar roupas

                                                                           Em como é possivel rir e

                                                                           chorar pelos            

                                                                            mesmos motivos

                                                                           Dos nomes

                                                                           Dos cheiros

                                                                           Da crueldade

                                                                           Dos polegares

                                                                           Do divertimento

                                                                           Da experiencia




No total escreveu cento e sete ensaios e se alguns ocupam poucas páginas outros são bem mais longos e as colectaneas recentes ultrapassam as mil .

Raramente nelas se encontram explicações ou ensinamentos sobre o que quer que seja. Montaigne apresenta-se como alguém que anotava o que lhe ocorria quando pegava na pena para escrever, registando acontecimentos ou estados de espirito à medida que iam aparecendo. Ele usava essas experiencias para pôr a si próprio questões, e acima de todas aquela que mais o fascinava, tanto a ele como aos seus contemporaneos , e que se escreve com duas palavras apenas :







                                                                  Como Viver ?







O que não é a mesma questão que a Ética propõe : Como é que se deve viver ?
Os dilemas morais interessavam a Montaigne, o qual contudo estava menos interessado naquilo que as pessoas deviam fazer do que naquilo que as pessoas realmente faziam. O que ele procurava saber era em como levar uma vida boa- o que significava não só uma vida honrada, mas sobretudo uma que fosse verdadeiramente humana, satisfatória e florescente.

Essa questão levou-o à escrita e à leitura, pois todas as vidas humanas o interessavam, presentes ou passadas, e a perguntar-se constantemente sobre os motivos e emoções que levavam as pessoas a fazer o que faziam e, sendo ele o sujeito mais próximo, era a si próprio quem mais intensamente interrogava.

É que Montaigne viveu tempos de grande violencia, com a França mergulhada numa guerra civil que durou décadas e que arrasou grande parte do país, enquanto que a peste dizimava indiscriminadamente a população. Não admira portanto que procurasse no estoicismo a força moral para enfrentar tanto infortunio, sendo essa filosofia um programa feito precisamente para se poder lidar com a mà fortuna – doença , morte, destruição – ao ensinar como cultivar a indiferença perante a dor fisica ou moral e encarar a vida como uma mera preparação para a morte. E na vida de Montaigne motivos não faltavam para necessitar de fortalecer o animo com a morte de cinco dos seus filhos, a do pai que adorava, e a do seu grande amigo de la Boetie.

É neste estado de espirito que resolve retirar-se para as suas propriedades e fazer o seu Escriptorium na torre da sua mansão. É ele próprio que talha numa das estantes a frase de Lucrécio : Nec nova vivendo procuditur ulla voluptas – Nada se ganha em ter uma vida longa.

O estoicismo cristão do Sec. XVI ensinava que o corpo e os sentidos eram para serem ignorados e reprimidos, e a vida era algo a que se devia poder facilmente renunciar desde que as condições morais e teológicas assim o determinassem.

Essa corrente filosófica, (cujo nome vem de 'Stoa' , o pórtico sob o qual Zeno, o fundador da escola, ensinava os seus discipulos), diz que se deve separar o Eu das emoções e dos sentidos de modo a atingir-se o estado de “apatheia”, ou indiferença, e por essa via se ser capaz de enfrentar as maiores provações com altivez, ou seja, com “estoicismo”.

Como exemplo Montaigne cita o caso do general romano Gaius Mucius Scaevola o qual, tendo sido feito prisioneiro pelos etruscos, ao ser conduzido à presença do comandante inimigo mergulhou a mão num braseiro que estava próximo sem demonstrar sentir qualquer espécie de dor. Os etruscos, estupefactos perante esta demonstração do valor do soldado romano, trataram imediatamente de fazer a paz.

No primeiro volume dos seus Ensaios, Montaigne volta repetidamente à questão da morte, escrevendo que esta constitui o maior problema moral, teológico e filosófico que se põe ao Homem : “Toda a sabedoria e conhecimentos deste mundo conduzem a um unico ponto – Em como conseguir não ter medo da morte”. Para ele este é o assunto fulcral da filosofia, e um dos seus primeiros Ensaios é intitulado precisamente : “Filosofar é aprender a morrer”.

Noutro dos seus Ensaios , “Da Prática”, descreve o paradoxo que sendo o acto de morrer o mais importante de uma vida, não ser no entanto possivel de ser ensaiado, o que faz com que “quando chegar a altura somos todos aprendizes”.

Mas a certa altura Montaigne muda . E quando muda, muda tão completamente que ele próprio apaga a inscrição, (cujos vestigios ainda hoje existem), que tinha feito na sua biblioteca : “Nada se tem a ganhar em ter uma vida longa”.

Mas se apaga uma inscrição outra faz, e é ao Eclesiastes que vai buscar inspiração : “Aquele que não sabe em como o corpo e o espirito estão unidos nada conhece da obra divina”.

Esta mudança significa simplesmente a troca de uma filosofia da morte por uma filosofia da vida, um voltar de costas ao pessimismo, um novo hino :”...viver feliz e não morrer feliz é que é a verdadeira fonte da felicidade humana...”

Montaigne deixa para traz o desespero e goza, aprecia, o simples facto de estar vivo e os Ensaios tornam-se uma especie de Carpe Diem, onde o autor nos diz que a razão para se viver reside exactamente em poder sentir a experiencia de se estar vivo.

E ele escreve sobre tudo e o mais importante é que afirma que cada um de nós tem uma maneira única, absolutamente extraordinária, de ver o mundo e que ele quer conhecer. Ler os ensaios é satisfazer este pedido, como estes comentários demonstram :


“... Stefan Zweig : Montaigne é o meu unico verdadeiro amigo... toda a distancia apaga-se e as paginas impressas também, e uma pessoa real entra na sala...quatrocentos anos desaparecem em fumo...”


“... Os Ensaios são muito mais que um livro . Significam séculos de conversação entre Montaigne e os que vierem a conhece-lo, uma conversa que muda com o tempo e que será sempre um encontro entre duas pessoas : O escritor e quem o lê...”

E finalmente :

Gustave Flaubert aconselhando um amigo sobre a maneira de ler os Ensaios :

“Não os leias como uma criança, para divertimento, nem como um adulto desejoso de se instruir. Não, lê-os simplesmente para viveres”.


Oxalá que esta modesta contribuição consiga que alguém se torne em mais um amigo de Montaigne.
 


 





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Dos Filósofos

9/3/2014

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          Carta a Lucílio

  
(epistulae morales ad Lucilium)


             Lucius Annaeus Seneca
                          (5bc-64ac)






                                                "DOS FILÓSOFOS"

Eu aplaudo e alegro-me com o facto de  tú persistires nos teus estudos e , pondo de lado tudo o resto, fazeres o objectivo de cada dia o tornares-te um homem melhor. Eu não te exorto simplesmente a continuares ; Eu súplico-te que o faças. No entanto aviso-te que não procedas como aqueles que buscam a notoriedade  ao provocarem comentários devido à sua indumentária ou, de uma maneira geral, pelo seu modo de vida. Vestes sujas, uma cabeleira desgrenhada, uma barba hisurta, o proclamar abertamente desprezo pelas baixelas de prata, e o de se preferir dormir no chão nú, ou outras formas de exibicionismo, devem ser evitadas. A dedicação à Filosofia já causa por si bastante escárnio para que pioremos as coisas ao rejeitarmos abertamente o modo de vida dos outros cidadãos.


Interiormente devemos ser diferentes em todos os aspectos, mas exteriormente devemos conformarmos-nos com os usos da Sociedade. Não uses uma toga demasiado rica ou vistosa. Não é necessário comer em louça de prata com incrustações de ouro; mas não devemos pensar que a ausencia de prata e ouro é  prova de uma vida simples. Mantenhamos portanto padrões  mais elevados que os das multidões, mais elevados mas não contrários, de outro modo estaríamos a repelir aqueles que tentamos ajudar. O resultado seria a sua recusa em imitar-nos em algumas coisas com o receio de terem de nos imitar em todas as coisas. A primeira regra que a filosofia ensina é o sentimento de irmandade com todos os homens; por outras palavras, simpatia e sociabilidade.  Estaríamos a afastar-nos dos nossos objectivos se não fizessemos assim. Como sabes o nosso lema é “Vive de acordo com a Natureza” mas seria contrário à própria Natureza torturar o corpo, odiar a elegancia simples, ser  propósitadamente sujo, comer coisas repelentes. Tal como é sinal de  luxo usar  coisas ricas e delicadas, é sinal de fraco juízo rejeitar o que é habitual e que pode ser adquirido por pouco. A filosofia demanda uma vida simples mas  não uma penitência, e pode-se perfeitamente ser simples e limpos ao mesmo tempo.


Este é a vida que defendo:  Um equilibrio entre as dos sábios e as do mundo em geral. As pessoas deverão admirá-la, mas compreende-la também. Deveremos portanto agir como toda a gente ? Deverão não existir diferenças entre nós e o mundo? “Sim, e uma bem grande”, mas que sejam os outros a perceber, se olharem bem, que somos diferentes do rebanho e quando nos visitarem que seja por nós e não pela nossa riqueza. Grande é um homem que usa louça de barro como se fosse de prata, mas é igualmente grande aquele que usa prata como se fosse barro. Instavel é a mente que não suporta a ideia de riqueza.


Mas, por hoje, gostaria de partilhar contigo os ensinamentos de Hecato, que aconselham a limitar os nossos desejos para curarmos os nossos medos.


“
Deixa de ter esperança”, diz ele, “e deixarás de ter medo”. Mas, perguntarás: “Como sentimentos tão diferentes podem estar lado a lado?”. Desta maneira, meu caro Lucílio:  Embora pareçam opostos estão na realidade ligados. Assim como as mesmas correntes prendem o prisioneiro e o seu guarda, a esperança e o medo andam juntos: À esperança segue-se o medo. Ambos são sinal de um espirito que se deixa perturbar na tentativa de conhecer o futuro,  não se   adaptando ao presente. E desta maneira a capacidade humana de fazer previsões em vez de ser útil torna-se uma desgraça.

 Os animais fogem dos perigos que os ameaçam, e uma vez livres deles regressam a uma existencia tranquila . Ao contário, nós homens atormentamos-nos igualmente com o que já aconteceu e com o que poderá vir a acontecer. A nossa memória recorda os infortunios passados enquanto que, tentando advinhar o futuro, os antecipamos. O presente somente não torna ninguém infeliz. Até sempre.



 









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 A Carta

5/3/2014

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                                            A  CARTA







Um grupo constituído por 43 líderes cristãos do Reino Unido, incluindo 27 Bispos da Igreja Anglicana, perante a crescente crise social causada pelos cortes feitos pelo presente governo nos apoios aos mais carenciados e perante gravidade da situação e não querendo remeter-se a um silencio cúmplice ou limitar-se a produzir hipócritas declarações de circunstancia, assinaram uma carta aberta ao Primeiro-Ministro David Cameron, que a seguir se transcreve :










18 de Fevereiro de 2014




Sir :




A Grã-Bretanha é a sétima maior economia mundial e no entanto tem cidadãos que passam fome.

Desde a Páscoa passada que no Reino Unido meio milhão de pessoas recorreram aos bancos alimentares e 5.500 foram internadas em hospitais devido sofrerem de mal nutrição.

Uma em cada cinco mães admitem passarem sem comer para melhor poderem alimentar os seus filhos, e muitas famílias, se tiverem de enfrentar o pagamento de uma conta inesperada, ficarão sem qualquer alimento em suas casas.

Muitas vezes ouvimos falar de escolhas difíceis. Certamente poucas o serão mais do que aquela que enfrentam dezenas de milhares de idosos que no Inverno têm de optar entre se aquecerem ou se alimentarem, situação ainda pior do que as das famílias cujos salários se mantiveram sem qualquer aumento nos últimos cinco anos enquanto o preço dos bens alimentares subiu 30%.

Para além disto nós devemos, como membros da Sociedade, enfrentar o facto que mais de metade das pessoas que recorrem aos bancos alimentares terem sido postas nessa situação pelos cortes e deficiências na Assistência Social, seja por atrasos no pagamento das ajudas, seja pela imposição de sanções punitivas aos seus beneficiários.

No dia 5 de Março começa a Quaresma. Desde há muito que é tradição cristã jejuar nesta época como meio de aproximação ao nosso semelhante e a Deus.

No dia 5 de Março iniciaremos o nosso jejum, ao mesmo tempo que meio milhão de pessoas passam fome no nosso país. Apelamos aos crentes e aos não-crentes, às pessoas de boa vontade, que nos acompanhem nesse jejum.

Devemos agir por um irrecusável imperativo moral. Centenas de milhares de pessoas já o fazem organizando bancos alimentares por todo o país. Mas esta é uma crise nacional que nós devemos também enfrentar.

Apelamos ao Governo para que faça o que lhe compete : Identificando as causas pelas quais o acesso aos bens alimentares não é possível a tantas pessoas, assegurando que o trabalho tenha uma retribuição digna, e garantindo que a Assistência Social represente uma eficaz defesa contra a fome.




Juntem-se a nós em www.endhungerfast.co.uk




Assinam,




Stephen Platten, Bispo de Wakefield – David Walker, Bispo de Manchester




Tim Stevens, Bispo de Leicester - Andy John, Bispo de Bangor




Paul Butler, Bispo de Durham - Alen Wilson, Bispo de Buckingham




Alan Smith, Bispo de St. Albans - Nick Holtam, Bispo de Salisbury




Tim Thornton, Bispo de Truro - John Pritchard, Bispo de Oxford




Steven Croft, Bispo de Sheffield - Jonathan Gledhill, Bispo de Lichfield




Michael Perham, Bispo de Gloucester - Alastair Redfern, Bispo de Derby




Lee Rayfield, Bispo de Swindon - James Langstaff, Bispo de Rochester




…........................




e mais 26 signatários



















www.bbc.co.uk/news/uk-politics-26261700









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A Love Story

3/3/2014

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A Love Story









Depois de anos de avanços e recuos, de vitórias e de revezes, em 1868 Benjamin Disraeli via-se finalmente a ocupar o lugar de Primeiro-Ministro: “Consegui trepar até ao topo do mastro do sebo !” dizia triunfante aos amigos, mas ele sabia quanto era precária a sua situação ao chefiar um Governo minoritário.

O regime parlamentar dos séculos XVIII e XIX era muito diferente do que é hoje e os partidos políticos eram alianças fluidas, normalmente feitas e desfeitas ao redor de líderes políticos e sujeitas às suas conveniências de momento.

Precisamente o Tory Party a que pertencia Disraeli, ( e que veio a dar origem ao Partido Conservador da actualidade) tinha sofrido uma cisão devido à questão do comércio livre dos cereais : De um lado estava a facção liderada por Sir Robert Peel, o até então chefe histórico do Partido, que defendia o fim das barreiras alfandegárias para a importação de cereais, e do outro o grupo cuja figura proeminente era Benjamin Disraeli que pugnava pela sua manutenção. Por detrás deste problema estavam os interesses antagónicos das duas maiores forças políticas e económicas da época: A aristocracia terra-tenente à qual interessava uma política proteccionista que mantivesse o comercio dos cereais ao abrigo da concorrência externa garantindo assim o seu preço elevado, e a burguesia industrial cujo operariado tinha no pão a sua alimentação base, e que por ser este caro devido ao preço alto dos cereais, se via obrigada a pagar salários mais elevados aos seus trabalhadores que pagaria se a importação fosse livre.

Contra ele Disraeli tinha também o outro grande partido parlamentar de então, os Liberais, chefiados por William Gladstone, a sua nemesis, o qual detestava profundamente.

Para complicar ainda mais a situação a chamada questão irlandesa dividia profundamente o Parlamento. A Irlanda era à época uma possessão inglesa cuja população passava por uma terrível fome. Católicos fervorosos os irlandeses eram no entanto obrigados a financiar com as suas magras bolsas a Igreja Anglicana e contra esta situação lutava Disraeli e o seu ultra-minoritário governo pugnando pelos direitos do povo irlandês.

Naquele dia do outono de 1868 ele iria proferir nos Comuns um discurso do qual dependeria a sua sobrevivência política, mas não tinha porém ilusões sobre o ambiente hostil que o esperava quando, acompanhado por Mary Anne Lewis, a sua esposa, entrou na carruagem que os conduziria ao Parlamento.

Mary Anne tinha sido uma companheira dedicada e Disraeli gozava uma inesperada felicidade doméstica que iria durar três décadas. Inesperada, porque era do conhecimento geral que o casamento entre ambos tinha acontecido apenas devido à aflitiva situação financeira do noivo, que não via outros encantos na  futura consorte que os seus abundantes rendimentos, sendo ela doze anos mais velha e fisicamente nada atraente. Mas um profundo afecto iria liga-los como testemunham inúmeras cartas de amor que se endereçavam e que chegaram até nós. Escreveu  Mary Anne :

“Dizzi, (como tratava afectuosamente o marido), casou comigo por dinheiro, mas se tivesse oportunidade de voltar a fazê-lo, fá-lo-ia agora por amor...”

Chegados a Westminster, Disraeli absorto nos seus pensamentos e no desafio que o esperava apeou-se da carruagem fechando a porta com tal força e tão desastradamente que entalou a mão de Mary Anne esmagando-lhe o polegar. Esta, apesar da dor lancinante, ficou imperturbável sem soltar um gemido, tendo dito mais tarde que não desejava criar ainda mais preocupações ao marido que se via já numa situação tão grave.

E Disraeli proferiu um discurso memorável que ainda hoje é lembrado :

“Há aquela população numerosa que vive numa extrema miséria naquela Ilha cuja Igreja oficial não é a sua e de onde a aristocracia latifundiária está ausente. E portanto essa é a realidade que enfrentamos: A existência dessa gente que morre de fome, a de uma aristocracia absentista, a de uma religião que lhes foi imposta, e a de um governo que foi até agora incompetente para solucionar o problema. Esta é, ilustres deputados, a questão irlandesa.”


Mal podendo falar tal era gritaria generalizada, acabou dizendo a frase que ficou para a posteridade como a epitome da razão enfrentando os filisteus :



             “ I will sit down now, but time will

                         come that you will hear me...”


Só após ter chegado a casa é que Disraeli tomou conhecimento do acidente que involuntariamente tinha causado a Mary Anne. Comovido com tamanha prova de amor e espírito de sacrifício, e como memento para as gerações futuras, mandou serrar o lado da carruagem com a fatídica porta e fez com que fosse encastrada numa das paredes da sua casa de Hughenden Manor, onde hoje pode ser vista.




Meses mais tarde e porque a situação política era insustentável, o Parlamento foi dissolvido e Disraeli perdeu as eleições, só voltando ao poder seis anos depois em 1874, após uma retumbante vitória.

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Mas afinal quem era Benjamin Disraeli ?


Jovem judeu, filho de emigrantes do leste da Europa, cedo se achou destinado a uma carreira política, como cedo teve de enfrentar os preconceitos sociais devido à sua raça. Mas possuidor de uma inabalável auto-confiança que por vezes parecia insensata, logo na primeira vez que concorreu às eleições para o Parlamento encomendou uma espécie de sedia gestatória sentado na qual e aos ombros dos criados esperava receber no dia da vitória as ovações da populaça. Mas essa eleição foi só a primeira das várias derrotas consecutivas que sofreu sem nunca esmorecer, tendo a certeza intima de ser “a special one” destinado a grandes feitos.

Sendo aos judeus interdita a entrada no Parlamento, Disraeli converteu-se ao Anglicanismo mas sem nunca esquecer as suas origens, (nem lho permitiriam...), até que finalmente em 1837 é eleito para a Camara dos Comuns, onde entra com estrondo dizendo logo na sua primeira intervenção aos que o olhavam com sobranceria ou desprezo :


“ Sim sou Judeu ! E quando os antepassados dos ilustres cavalheiros presentes eram uns selvagens brutos que habitavam numa ilha desconhecida, os meus eram Sacerdotes do Templo de Salomão !”


E rapidamente ficou estabelecido que Benjamin Disraeli  além de judeu, dandy e poseur, era o possuídor da cabeça mais brilhante da sua geração.

No plano internacional teve o seu momento de glória no Congresso de Berlim de Junho de 1878. Tratava-se de limitar as ambições da Rússia sobre grande parte do Império Otomano que então se desmoronava e Disraeli foi reconhecidamente o arquitecto do acordo alcançado. Em Hughenden podem-se ver os mapas onde desenhou pelo seu punho a Europa dos Balcans que hoje conhecemos.

Foi o Primeiro-Ministro favorito da Rainha Vitória com a qual se estabeleceu uma relação de grande proximidade e confiança.

Conta-se que um dia a Soberana lhe perguntou qual era afinal a religião dele, ao que Disraeli retorquiu :” Mam, eu sou a página em branco entre o Velho e o Novo Testamento!”.

E quando o inquiriam sobre o seu segredo para ter relações tão cordiais com a Rainha, uma pessoa reconhecidamente difícil, respondia :

“Sabe-se que a realeza gosta de elogios e eu quando toca à lisonja, aplico-a com uma colher de pedreiro !”

E Vitória cumulou-o de honrarias tendo-lhe no final da vida atribuído o titulo de Conde de Beaconsfield, e cuja memória perdura em Hughenden Manor, uma residência senhorial situada no meio de um parque magnifico com cerca de trezentos hectares, e que foi deixada tal como estava após o falecimento de Mary Anne e Disraeli, incluindo as frases escritas nas persianas testemunho da imodéstia do proprietário.

Perto de Oxford e a Oeste de Londres, de que dista uns quarenta quilómetros, vale certamente uma visita.




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