A Gazeta do Middlesex

My bed

31/3/2015

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                                               MY  BED





Desde 1998 que o mundo da arte nunca mais foi o mesmo, ano em que Tracey Emin deu à luz a sua obra seminal a que chamou singelamente de "My Bed". Ao que consta a Artista tinha passado por  um grande desgosto de amor e a cama, esta cama, exactamente assim neste estado, foi então e por longos periodos o seu refúgio.
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Tracey descreve "My Bed" como um seu auto-retrato enquanto jovem, com a sua roupa interior suja, preservativos usados, lençois manchados e lixo de toda a espécie.
Esta magnum opus da Artista, depois de ter sido comprada por umas meras 150.000 Libras pelo conhecido colecionador de Arte Charles Saatchi esteve cedida à Tate Britain, onde a sua primeira aparição em público causou o furor mediático que se imagina, com a Autora posando incansavelmente junto à sua obra.
Recentemente "My Bed" atingiu um novo patamar de glória ao ser novamente comprada, desta vez por um Conde Alemão, de seu nome Christian Duerckheim, pela bagatela de dois milhões e seiscentas mil Libras,  estando igualmente emprestada à Tate Britain, onde pode voltar ser admirada. Aconselho porém ao leitor alguma pressa em vir a Londres antes do Verão, se a tenciona ver como ela merece, com algum tempo e recolhimento, e antes que  turbas de turistas invadam o museu.

Eu não vou dizer qual é a minha opinão sobre "My Bed" : Ela seria vista por muitos como sendo irremediavelmente herética e profana, própria de um velho misantropo que tem com a sua cama uma relação completamente caduca.
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Nisto difiro completamente da minha mais significativa metade, que acha que não fazer a cama diária e metódicamente um sinal de clara decrepitude moral, enquanto que para mim esse ritual não é mais que uma ilógica perda de tempo.
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É o que faço todas as noites por periodos mais ao menos longos. Sei que nisto não estou só: O irrepremível sono frente à televisão esvai-se misteriosamente entre lençóis.
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A estratégia de ir para a cama cada vez mais tarde, tal como a de ir cada vez mais cedo, não funciona: O adormecer tarda sempre e o levantar da cama é sempre penoso.
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É o corolário lógico do que acabo de dizer. Que pena  seja irreversível: Tudo seria mais agradavel se não fosse.
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Mesmo assim I always do.
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Diz-me a verdade

26/3/2015

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                                      Diz-me a verdade

                                    sobre o Amor...!


Ah o amor! Muitos pensarão que após milénios já foi tudo dito sobre o assunto. Outros serão de opinião que apenas se arranhou a superfície. O que é certo é que de vez em quando surge algo que nos dá um novo olhar ou que nos lembra o que poderia estar esquecido. È o caso deste livro de Clancy Martin “Love and Lies- And why you can't have one without the other” ou “ Amor e Mentiras- Em como não se pode ter um sem o outro.”

Talvez não devesse aventurar-me por estes caminhos, longe como estou dos ardores da juventude e sentindo o amor como aqueles que vivem um longo e feliz casamento, o que aliás constitui um dos grandes consolos desta idade ainda por cima sendo das poucas coisas que não cessam de melhorar à medida que aumentam as recordações partilhadas.

Até Nietzsche, imaginem!, se atreveu a dar conselhos sobre o assunto. Disse ele: ”Ao casar perguntem a vós próprios se serão capazes de conversar com essa pessoa até à velhice. Tudo o mais no casamento é acessório.”

Sábias palavras, mas é altura para um pequeno resumo do livro de Clancy Martin que oxalá gostem e , porque não, vos faça reflectir um pouco:


Quantas vezes após uma terrível discussão com o nosso parceiro/a não prometemos a nós próprios: ” Desta vez vou continuar zangado/a e não vou perdoar !” Por alguma razão a raiva sente-se como sendo mais genuína que outras emoções mais gentis: Parece mais autentica enquanto que o afecto parece de certo modo não verdadeiro. Mas isto talvez se deva a ser mais fácil exprimir a zanga do que o amor, sobretudo durante um largo período de tempo.

Proust no seu “Em busca do tempo perdido” descreve bem esta questão, quando Marcel decide que Albertine não passa de uma fonte de infelicidade para ele. No livro ele passa horas, e muitos longos parágrafos, imaginando maneiras em como se ver livre dela e em como depois muito mais feliz seria. Ele está certo, sem qualquer espécie de dúvida, que a despreza profundamente. Mas a criada dá- lhe conta que Albertine o deixou para sempre e instantaneamente, e por muitos meses, tudo no mundo de Marcel ficou virado do avesso. Desesperado quer Albertine de volta; não consegue imaginar a vida sem ela. A ideia de que possa estar com outro homem ou mulher é o suficiente para ter vontade de dar um tiro na cabeça.

Marcel não se limita a querer aquilo que não pode obter. Nem ele descobre de súbito que sempre amou Albertine e que só o realizou quando ela o abandonou. O seu grande erro começou por supor que se conhecia a si próprio: Não entendeu a complexidade das suas emoções. Existem milhares delas num turbilhão dentro de nós. Acções, situações, mudanças de atenção, simples alterações fisiológicas, podem causar revoluções emocionais. E quando se trata desses estados complexos a que chamamos “amor”, mesmo sendo apenas o amor romântico ou erótico, o que existem são emoções, por vezes compatíveis outras contraditórias- não podemos falar de “verdade” ou “falsidade” como se usasse-mos um interruptor. Um dia quero o divorcio. Num momento Marcel sabe que odeia Albertine. Uma semana depois pensa que tudo mudou para melhor no seu casamento. No instante seguinte Marcel sente-se desesperadamente apaixonado. O que é verdadeiro e o que é falso ?


Gostamos de pensar que vivemos num mundo de factos. Os factos são verdadeiros ou falsos. È um facto que estou a escrever num laptop. È um facto que levei a roupa para a lavandaria esta manhã. È um facto que no avião fui à casa de banho descalço e que em consequência fiquei com as meias molhadas. Mas se pensar em todas as importantes decisões que tomei na vida é claro para mim, para mim e para a maioria de nós, que essas escolhas foram determinadas por valores. Valores que não podem ser vistos nem tocados. Podem não ser inteiramente subjectivos- os filósofos debatem este assunto há séculos- mas não são certamente objectivos como cadeiras ou aviões. Os valores, como Søren Kierkegaard muitas vezes afirmou, são aquilo que nos tornam naquilo que somos, são nossos, individualmente nossos. E nada está mais marcado por esses valores do que a escolha que fizemos de quem amar.


Kierkegaard defendeu o que parece ser absurdo : Que no amor é impossível sermos enganados. Vamos lá, Sørensen, não há a quem não tenham mentido no amor! Somos levados a ir para a cama com pequenos truques; ela diz que sois o único enquanto anda com outro; ele jura que te ama para nunca mais aparecer. Este é o mesmo Kierkegaard que escreveu The Seducers Diary, talvez o mais exaustivo tratado jamais escrito sobre os enganos, manipulações, manobras, disfarces e mentiras usadas por alguém apaixonado para ganhar o coração da pessoa amada.

Julgo no entanto que o que Kierkegaard quis dizer foi algo semelhante a uma outra sua tese também controversa : “A subjectividade é a verdade.” Aquilo a que damos valor, quem nós amamos, aquilo que nos faz ser quem somos, não existe no mundo da verdade ou falsidade, dos factos, da objectividade.


No amor não posso ser enganado porque enquanto amo tudo para mim é verdade. Isto não significa que a pessoa que amo retribua esse amor. Mas desde o momento em que escolho amar fico mesmo apaixonado. Para isso tenho porém de à partida não esperar ser correspondido.

A “autonomia” é pelo menos tão difícil como o “auto-conhecimento”: Julgar que sei o que quero fazer supõe saber aquilo que quero- e aquilo que quero muda tão rapidamente quanto eu próprio- e muitas vezes como consequência da vontade de outra pessoa. William James uma vez notou que muitos jovens conseguem conquistar o coração da amada apenas por insistirem longamente. “Mas tens de corresponder ao meu amor!”. Ao protestar o seu amor sem descanso o jovem em questão convence-se ao mesmo tempo que está realmente apaixonado.

Quando se trata de “autonomia” as convicções dos outros-verdadeiras ou falsas- ajudam a criar ou a reforçar as nossas próprias, e os enganos alheios tornam-se rapidamente nos nossos auto- enganos. Já Shakespeare no seu verso dizia ” Quando o meu amor jura ser verdadeira e pura/Acredito nela muito embora saiba que mente” , capturando perfeitamente a psicologia da sedução: Quer sejamos os sedutores quer os seduzidos, cooperamos num jogo de falsidades, ficções, meias-verdades e de infinitas possibilidades que fazem parte do processo de partilhar a nossa autonomia com alguém, processo esse que constitui o amar e ser amado.


É fácil imaginar aquele que seduz como sendo o grande manipulador: Afinal de contas as suas mentiras são uma tentativa de controlar aquilo em que o seduzido crê, afim de poder atingir os seus objectivos.

Mas a realidade é que muitas das mentiras são consequência mais de cobardia do que de maquiavelismo: Somos muito menos fortes do que pensamos, assim como aqueles que nos rodeiam. Mentimos porque tememos que se não o fizermos não seremos amados, e que as nossas mentiras nos tornam mais seguros no nossos amor.

No seu ensaio “Das mentiras, segredos e silencio” a poetiza Adrienne Rich defende que enquanto não devemos esperar- e muito menos querer- ser totalmente transparentes, a certa altura a mentira pode enlouquecer o parceiro enganado. Nesse mundo nebuloso da subjectividade a “verdade” parece que não passa de uma tentativa de controlar o discurso. Este é o principio do “negar,negar,negar”: Se nunca for admitido que aconteceu, então o acontecido nunca fará parte da história do que realmente se passou.

William Maxwell, que foi editor do New Yorker, escreveu um dia que “quando falamos do passado mentimos como respiramos” , não se referindo porém à criatividade que inevitavelmente a nossa memória usa quando tentamos escrever as nossas memórias pessoais . Rich vai mais longe quando diz que “quem engana leva uma vida de insuportável solidão” e, de certa maneira, também o enganado.

A certa altura, se queremos respeitar a sanidade e a personalidade do outro, não resta alternativa senão admitir a pura e dura verdade , verdade que aliás ambos no intimo conheciam. Essa dura verdade pode ter um terrível impacto em ambas as vidas. E quem garante que revela-la foi certo ou errado quando pode por fim à relação?

Mas só pelo amor podemos ultrapassar essa nossa fundamental solidão humana. Para os escritores, que tantas vezes foram descritos si próprios, e por muitos outros, como sendo uns mentirosos, o transcender essa solidão pode começar com livros, com ficção, mas só amadurece num verdadeiro amor quando se aprende a amar aberta e honestamente. Adrienne Rich insiste que a única solução, embora arriscada, consiste em caminhar conjuntamente em direcção à verdade, pondo à prova a “verdade” de um contra a “verdade” do outro, tentando não se perder no processo.

Se Otelo tivesse dado ouvidos a Desdemona, não teria acreditado em Iago. Se Marcel tivesse ouvido Albertine teria deixado há muito que ela partisse.

Talvez a única solução seja seguir o exemplo de D. Quixote, o Cavaleiro da triste figura, aquele que por ter lido demasiados romances vive num mundo de ficção, sempre em lutas imaginárias pela sua adorada Dulcineia, lutas que sempre perde mas sem nunca desistir do seu amor.

Talvez a palavra final caiba a Kierkegaard :” Arriscar pode ser perder momentaneamente o equilíbrio. Não arriscar é perdermos-nos para sempre a nós próprios.”




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Plus ça change

21/3/2015

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                                        PLUS ÇA  CHANGE


«Para exemplificar alega que este processo “não está a ser julgado por um tribunal comum, está a ser julgado por um tribunal de excepção”, explicando detalhadamente a “babel de aleijões contraditórios” cometidos no processo sintetizados no ponto 13 do recurso apresentado sob o título “Para o processo da Herança Sommer: um Inspector Especial, um Juiz Especial e um Agente do Ministério Público Especial” (ZENHA, 1969b: 20-24)

Criticando os “poderosos grupos económicos e políticos adversários do seu cliente que através da demagogia, da devassa das vidas privadas de forma hipócrita, o conspurcamento sistemático, deformam a opinião pública com a conivência da Censura”, alega que António Champalimaud não está a ser julgado mas sim executado, uma vez que o ambiente assim criado justifica, ou mesmo impõe, a sua condenação independentemente da prova produzida ou a produzir no julgamento. (ZENHA, 1969b: 28-29).


Alegando a inocência do seu cliente num processo anormal em que é vítima de uma acusação anormal, sem provas, e em que se está a criar as condições propícias à negação da justiça a que tem direito, Salgado Zenha defende a sua própria posição de defensor aceitando o desafio de lutar, não pelo seu cliente, mas “pelo Direito, pela Justiça, pelo reconhecimento da inocência do seu Constituinte” perante a iminência do que apelida de erro judiciário e do seu dever, enquanto Advogado, de lutar para que tal erro não se verifique já que para “o Advogado a Justiça é um valor absoluto e a sua obrigação – legal, moral e profissional – é de combater por ela” (ZENHA, 1969b: 34-36).«




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Tsundoku

19/3/2015

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                                                  TSUNDOKU



Fui de mal a pior ? “Não mintas a ti próprio”, diz a vozinha da minha consciência, “Livraste-te de uma preocupação que te chateava diariamente.”

O monte de livros para ler subia subrepticiamente lá em casa todos os dias, numa acusação muda fonte de muitos suspiros sempre que entrava no meu canto. A estratégia de não olhar durou pouco, e a solução de os empilhar debaixo da secretária não foi obviamente também definitiva.

Sofria portanto de ataques crónicos e severos de Tsundoku, essa palavra japonesa que significa comprar livros e não os ler. Juro que no meu caso não por falta de intenção, que era sempre a melhor, mas por o procrastinar se ter tornado em mim numa segunda natureza.

Até que apareceu o Kindle, a Amazon e tablets de todos os tamanhos e feitios e, confesso isto de coração pesado, agora sinto-me mais leve andando por todo o lado carregando uma biblioteca electrónica apesar de, segundo as previsões mais optimistas, só acabar de a ler lá para 2020. Isto se parar de comprar o que se tornou uma impossibilidade. Quem resiste a um titulo aliciante se está, como diz a Amazon, apenas à distancia de um click ?

E que nome dar a esses livros imateriais. Talvez e-Tsundoku ? Ou Tsunkindle ? Ou Tsuntablet ? Aceitam-se sugestões para o nome e ideias para a cura do meu mal.

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Icarus

12/3/2015

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                                                 ICARUS


                                                                 

                                                                         Baltasar Garzón

                                                                                    e

                                                                         Elpidio José Silva



Quem já não ouviu falar de Baltasar Garzón, o primeiro verdadeiramente Super-Juíz da História Moderna? (Pilatos obviamente não conta).

Garzón reclamou para si a faculdade de possuir jurisdição universal, vendo-se a si próprio como um novo Josué da Bíblia, aquele que fez derrubar as muralhas de Jericó com o som das suas trombetas, mas agora usando a força da Lei de que se julgava o supremo interprete.

Entre muitos outros casos que deram brado ficou famoso o seu pedido de extradição para Espanha de Pinochet, aproveitando uma visita deste ao Reino Unido. O próprio Kissinger foi intimado a apresentar-se para interrogatório e no tempo de George Bush foram seis os altos membros da Administração americana, incluindo o Vice-Presidente Dick Cheney, a serem também objecto de pedidos de extradição para responderem perante ele a acusações várias.

Nada parecia impossível para Garzón cuja fama, essa sim, se tornou universal. Se houvesse um Óscar para o melhor Juiz aí o teríamos anos a fio em Hollywood desfilando na passadeira vermelha e sob os holofotes para receber a estatueta dourada.

Um dia porém ordenou a prisão de varias personalidades ligadas ao PP sob a acusação de corrupção, naquilo que ficou conhecido como o caso Gurtel. Foi também por ordem sua que foram instaladas escutas na prisão de modo que pudessem ser gravadas as conversas entre os detidos e os seus advogados, o que constituía obviamente uma grave ilegalidade.

Acusado, foi julgado por uma painel de sete Juízes do Supremo Tribunal e condenado a uma pena de 11 anos de impedimento das funções de magistrado e ao pagamento de uma multa de 2.500 Euros. Segundo o Acórdão do Supremo “Garzón utilizou métodos que são próprios de países totalitários e sem qualquer respeito pelos direitos da defesa”.

E assim acabou a carreira do Super- Juiz e estrela mediática.

O caso de Elpidio José Silva é em tudo semelhante ao de Garzón: Desta vez foi a prisão de Miguel Blesa, ex- presidente da CaixaMadrid, igualmente sob a acusação de corrupção .

Porém as justificações para a prisão de Blesa foram de tal modo sem fundamento que Elpidio José Silva acabou também acusado e julgado pelo Supremo. O Tribunal considerou que as razões para prender Blesa “tiveram motivações insólitas” e que o Magistrado demonstrou pela maneira como conduziu o processo “uma absoluta falta de competência” ao evocar fundamentos para a prisão que “são um completo disparate jurídico”. Disse ainda o Tribunal no seu acórdão : “O Juiz Silva não podia ignorar que uma prisão preventiva decretada nessas circunstancias era de raiz contrária ao Direito, arbitrária e sem justificação possível.” e que ao “demonstrar ter nenhuma consideração pela lei , teve uma acção de tipo inquisitorial destinada unicamente a tentar encontrar algum ilícito que pudesse imputar ao acusado.”

Para Elpidio José Silva a pena aplicada pelo Tribunal, dezassete anos e meio de suspensão das funções de Magistrado, foi significativamente mais pesada daquela que sofreu Garzón mas ambas, devido às respectivas idades, significaram na prática a expulsão da carreira judicial.

“No melhor pano cai a nódoa”, é o que somos levados a pensar quando postos perante estes acontecimentos, tentando esquecer que qualquer um pode ser vitima de um abuso de poder e que afinal “tudo está bem quando acaba em bem.”

Na realidade, se a Justiça nestes casos acabou por triunfar, uma pequena incerteza fica a roer-nos por dentro: Será que vai ser sempre assim e em todo o lado ?




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Cassandra

8/3/2015

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                                                                              *
                                             CASSANDRA

                               
                                             *  Figura da  mitologia  grega que
                                                                                  tinha o poder de prever tragédias 
                                                                                  mas em quem ninguém acreditava
                                                                                  muito embora acertasse sempre.




Entre as muitas obras publicadas no Reino Unido sobre a crise do Euro e particularmente sobre o Grexit, ou a saída da Grécia da moeda única, destacam-se aqueles cujos autores foram três prestigiados economistas nascidos na Grécia e que fizeram carreira na Grã-Bretanha. Não creio que exista tradução em português, daí a opção por manter os títulos originais .

Temos em primeiro lugar “Crisis in the Eurozone” , (Verso publishers-2012), pelo Professor Costas Lapavitsas, que dirige uma equipa de economistas num centro de estudos da University of London;

Vicky Pryce, (née Vasiliki Kourmouzi, Atenas 1952), que durante anos dirigiu o UK Economic Service, e que foi a autora de “Greekonomics”, (Biteback Publishing-2012) e finalmente Jason Manolopoulos, que escreveu “Greece's odious debt” (Anthem Press-2011). Quer Pryce quer Manolopoulos são Master's Econ. pela LSE, (London School of Economics).

A este grupo restrito pode-se juntar o nome do actual Ministro das Finanças Grego Yanis Varoufakis, que fez contudo a sua carreira académica nos Estados Unidos como se sabe.

Não será surpresa que as obras destes autores pela sua ligação ao seu país de nascimento sejam de leitura obrigatória devido ao seu profundo conhecimento dos antecedentes históricos, políticos e económicos que deram origem à crise actual.


Entre eles Costas Lapavitsas fez desde sempre o papel de Cassandra, sustentando uma posição diferente da seguida por Varoufakis e por Alexis Tsiparas, e que é evidente no artigo de sua autoria publicado no The Guardian em 6 de Março e que aqui se transcreve.

Enquanto estes acreditavam na possibilidade de obterem pela via da negociação um alivio nas medidas de austeridade impostas ao povo Grego e melhores condições de pagamento da divida publica, Lapavitsas sempre defendeu que a Grécia acabaria por ser forçada a abandonar o Euro. É o reconhecimento dessa realidade que leva Tsiparas a falar hoje num possível referendo na Grécia sobre essa eventualidade.


Entretanto em Portugal, e devido às próximas eleições, a acalmia consentida na implementação das medidas contidas no Pec, (abrandamento no ímpeto reformista, etc.) terá inevitavelmente fim e é bom não esquecer que apenas pouco mais de um terço dos cortes orçamentais previstos foram até agora feitos.

No Verão os acontecimentos na Grécia, (ou o Grexit ou a capitulação, e o regresso ao brutalismo alemão), atingirão Portugal como um tsunami e se a posição do presente governo não oferecerá duvidas, já convinha que o Partido Socialista se preparasse, (e à opinião publica), para a tempestade que aí vem.



Costas Lapavitsas
(The Guardian,6th March 2015)

“O acordo assinado entre a Grécia e a UE após três semanas de difíceis negociações é um compromisso obtido sob fortes ameaças económicas. O único resultado positivo para a Grécia foi o permitir a sobrevivência do Governo do Syriza até ao dia da próxima batalha. Esse dia não está longe. A Grécia vai ser obrigada a negociar um acordo financeiro de longo prazo já em Junho e tem de liquidar substanciais empréstimos que se vencem em Julho e Agosto. Nos próximos meses o Governo terá de encontrar um plano de acção se quiser ultrapassar esses obstáculos.

Em Fevereiro a equipa que representou a Grécia nas negociações foi vitima de uma dupla armadilha. Em primeiro lugar tratou-se da dependência dos Bancos Gregos do BCE como fonte de liquidez. Mário Draghi aumentou a pressão restringindo de imediato o acesso a essa liquidez. Alarmados com a situação os depositantes começaram a levantar fundos, e no final das negociações os bancos Gregos viam desaparecer um bilião de Euros por dia dos seus balanços.

Em segundo lugar veio a necessidade do Estado Grego em dispor de dinheiro com que fazer face ao serviço da divida e ao pagamento de salários. À medida que as negociações prosseguiam os fundos escasseavam cada vez mais. A UE liderada pela Alemanha esperou cinicamente que a pressão sobre os bancos Gregos se tornasse insuportável e a 20 de Fevereiro o governo de Syriza teve de aceitar as condições impostas ou enfrentar o caos financeiro para o qual não estava de modo nenhum preparado.

O acordo então alcançado garantia à Grécia quatro meses de financiamento, dependendo de inspecções regulares pelas “instituições”, ou seja pelo BCE, FMI e Comissão Europeia. O país foi obrigado a declarar que cumpriria todas as suas obrigações “total e atempadamente”. Além disso teve de prometer a implementação de “reformas” que iam contra os compromissos eleitorais do Syriza em diminuir os impostos, aumentar o ordenado mínimo, reverter as privatizações e combater a crise humanitária.

Ou seja, o governo do Syriza pagou um preço elevadíssimo para garantir a sua própria sobrevivência. A situação ainda irá piorar pelo estado calamitoso de economia Grega. O crescimento económico em 2014 não passou de uns anémicos 0,7% e no ultimo trimestre desse ano o PIB registou mesmo uma contracção. A produção industrial teve uma diminuição de 3.8% em Dezembro e as vendas a retalho, apesar da época de Natal, caíram 3.7%. Mas mais preocupante é a evolução dos preços que baixaram 2.8% em Janeiro deste ano, o que revela uma economia numa espiral deflacionária. Nesta situação insistir em aplicar medidas de austeridade e na obtenção de excedentes primários é pura loucura vingativa.

Os próximos quatro meses vão ser de luta constante para o Syriza. Não restam duvidas que o governo terá grande dificuldade de ultrapassar em Abril o exame das “instituições” e a libertação dos muito necessários meios financeiros.

Na realidade a situação é de tal maneira grave que tudo se poderá precipitar mesmo antes. A receita fiscal está à beira do colapso, em parte porque a economia está paralisada e em parte por os contribuintes estarem a diferir pagamentos ao fisco na expectativa de algum alivio da extraordinária carga fiscal imposta nestes últimos anos.

Mas, mesmo que o governo consiga vencer estes obstáculos, em Junho a Grécia terá de renegociar um acordo financeiro a longo prazo com a UE. Então a mesma armadilha de Fevereiro ultimo estará de novo pronta para entrar em acção.


Que podemos nós no Syriza fazer e como poderá a esquerda europeia ajudar ? O mais importante seria concluir desde já que chegou ao fim a estratégia de julgar possível que uma mudança radical pode ser obtida dentro dos parâmetros da moeda única. Essa estratégia permitiu a nossa vitória eleitoral ao prometermos ao povo Grego que poderíamos por termo às políticas de austeridade sem uma ruptura com a Euro-zona. Infelizmente os acontecimentos demonstraram sem qualquer espécie de duvida que tal não é possível e que é tempo de aceitar a realidade. Se o Syriza quiser evitar o colapso ou a rendição total, então teremos que ser verdadeiramente radicais.

A nossa força reside exclusivamente no enorme apoio popular de que ainda beneficiamos. O governo deveria rapidamente implementar medidas que trouxessem algum alivio aos tremendos sacrifícios impostos às classes trabalhadoras nos últimos anos : Suspensão do confisco das casas, eliminação das dividas das famílias carenciadas, voltar a fornecer electricidade que entretanto tenha sido suspensa por falta de pagamento, aumentar o salário mínimo e parar com as privatizações. Este foi o programa com que nos comprometemos. O atingir metas financeiras e o aceitar a monitorização pelas “instituições” deveriam tornar-se factores secundários na nossa política, isto se quisermos manter o apoio popular.

Ao mesmo tempo o nosso governo deveria entrar nas negociações a realizar no próximo mês de Junho com uma atitude totalmente diferente da que demonstrou em Fevereiro passado: A euro zona não é passível de reforma, e jamais se tornará numa união monetária que esteja do lado dos trabalhadores. A Grécia necessitará de pôr em cima da mesa um novo conjunto de opções e estar preparada para implementar medidas de excepção no que toca à liquidez financeira, na certeza que qualquer eventualidade pode ser enfrentada com sucesso se o povo Grego assim o decidir. Afinal de contas o país já vive numa situação catastrófica da responsabilidade exclusiva da UE.

O Syriza pode obter ajuda da Esquerda europeia apenas se esta abandonar as suas ilusões e começar a propor medidas racionais que possam livrar finalmente a Europa do absurdo em que a moeda única se tornou, e com isso acabar com as políticas de austeridade. O tempo urge porém.

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O estranho caso do...

4/3/2015

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                                   O ESTRANHO CASO DO
                                   COSTA  DE  FITZROVIA

Os Jornais não se calam com o slip of tongue do Costa, o de Lisboa obviamente, que aparentemente terá dito que Portugal estaria melhor agora do que há quatro anos atrás, o que fez com que a direita tivesse um deliquio devido ao gozo que a frase lhe provocou. Não estou bem certo que tenham sido exactamente essas as palavras, mas já Benjamin Franklin dizia que “a escorregar é melhor que seja com o pé do que com a língua.” Outros acusam o líder da oposição de ter tecido encómios ao investimento Chinês, (tratava-se de um encontro com empresários desse país), quando foi o presente Governo que lhes vendeu as jóias da economia nacional, sem que isso lhes causasse a mínima perturbação de espírito.

Por exemplo, ainda ontem se pode ver o nosso Príncipe William, que está em visita oficial a Pequim, dando os últimos retoques de pintura num típico dragão chinês que ostentava para o efeito as cores da Union Jack. Ora se o Príncipe pode dar o litro tentando promover o comércio bi-lateral, não se entende porque razão não pode o Edil de Lisboa fazer o mesmo sem ser acusado de ser um vende-pátrias.

Mas o que é certo é que os Jornais em uníssono trataram de proclamar que estaria irrevogavelmente demonstrado não ter Costa as qualidades mínimas para vir a governar o país.

Isto a mim causa-me uma imensa estranheza, o não haver em Portugal um periódico da oposição que dê a sua versão da história. Nos meus verdes anos, mesmo com a pide e a censura, havia o “República”, jornal que se comprava não tanto pelo que escrevia, (o lápis azul...), mas sim pelo que se sabia que pensava.

Ora agora reina um estranho unanimismo, e nas televisões o comentário político está entregue a três antigos dirigentes do partido do governo, os únicos a ter acesso ao prime-time , e que são ouvidos pela população com reverencia e tidos como exemplo de imparcialidade de opinião e independência de juízo, uma situação só comparável à que existe a norte do paralelo 38.

Mas quanto a não existirem quaisquer possibilidades que o Costa de Lisboa possa vir a ganhar as eleições, como a direita proclama e quer que acreditem, acho que não fica mal contar o estranho caso de um outro Costa, o de Fitzrovia, para edificação e estimulo das almas lusitanas :


Começa por o verdadeiro nome do nosso Costa ser na realidade Edward Miliband, singelamente conhecido por Ed, nascido que foi no bairro londrino de Fitzrovia na véspera de Natal de 1969. Com a derrota do partido nas eleições de 2010, Ed foi eleito líder, cargo que foi desempenhando alternando longos períodos em que parecia ter partido para terra incógnita, com breves aparições que serviam apenas para encher os militantes de esperança fugaz na sua liderança.

Com as eleições ainda longe, essas prolongadas ausências do Ed da ribalta não provocavam excessiva preocupação: “Está a pensar”, dizia-se no Partido, muito embora não se soubesse exactamente em quê. Com uma licenciatura na London School of Economics e um PhD no MIT parecia natural que fossem coisas fora do alcance do hoi polloi.

E foi assim que se chegou ao Outono de 2014 e à saison dos congressos partidários, aqui chamados conferencias, e que se realizam todos por essa altura. O do Partido Trabalhista, que seria realizado em Manchester, era particularmente importante por ser o ultimo antes das eleições, e a derradeira oportunidade para o poor Ed , (como começou a ser conhecido), para, proferindo o discurso de encerramento, estabelecer as suas credenciais como potencial Primeiro-Ministro.

Mas para esse discurso de que tudo dependia Ed tinha porém um plano secreto e que consistia em dizê-lo integralmente de memória, todos os seus longos oitenta minutos, sem recurso nem a papeis nem ao teleprompter !

Perguntará o leitor perplexo que efeito pretenderia Ed obter com o exercício ? Pois se era demonstrar possuir memória de elefante, coisa muito útil mas que não consta que alguma vez tenha feito ganhar votos, então falhou miseravelmente.

Porque uma coisa é treinar o discurso em casa em frente ao espelho outra bem diferente é fazê-lo em directo e sem rede perante milhões, arriscando que um súbito lapso de memória cause uma irreparável catástrofe, tal como veio a acontecer !

Terminado o discurso e abandonado o palco, constatou-se que o pobre Ed se tinha esquecido, notem bem, esquecido, de mencionar o problema das finanças públicas e o da imigração, os dois pontos mais importantes para o eleitorado ! Um indescritível frémito de pavor percorreu a assistência, entre os militantes houve quase suicídios e o pânico nas hostes generalizou-se.

Em Novembro falava-se abertamente em mudar de líder, em Dezembro aventavam-se nomes, a chacota era geral e o escárnio fazia-nos a todos corar de vergonha.

Mas a seis meses das eleições não se muda de líder e em incontáveis reuniões do partido que mais pareciam velórios a resolução tomada foi aguentar firme e seguir em frente.


E subitamente tudo mudou. Ou melhor, o poor Ed mudou ! De caniche inofensivo passou a rosnar como o cão dos Baskervilles, de poor passou a mighty Ed, a fighting Ed ! Atreveu-se mesmo a chamar em pleno Parlamento dodgy Prime-Minister a Cameron, o que acreditem provocou um ah! de espanto de norte a sul. Desde aí tem vindo a marcar a agenda política com novas propostas conseguindo por o partido conservador na defensiva, o que era impensável umas semanas atrás.

E a dois meses da votação estamos-nos a aguentar nas sondagens, tudo indicando que seremos nós a eleger o maior numero de deputados, apesar de enfrentarmos um adversário que dispõe do triplo dos recursos e uma máquina eleitoral profissional, a que só podemos contrapor os nossos milhares de voluntários.

O Costa de Fitzrovia pode não ser uma estrela televisiva, pode não saber tão bem vender o seu produto, mas tem a qualidade que aos trapaceiros falta: A velha, a antiga decência, aquela que no fim do jogo lhe dará a vitória. A ele e ao Costa de Lisboa.




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