A GAZETA DO MIDDLESEX
O SEGUNDO IMPÉRIO
Não houve, como se sabe, salvação à décima primeira hora e hoje, dia 29, a Primeira-Ministra deu o tiro de partida para a saída do Reino, por enquanto Unido, da UE. É o Brexit portanto, estarrecedora e terminantemente irrevogável. E nestas verdes e prazenteiras ilhas como lhes chamou William Blake, as gentes começam a agitar-se ao perceberem finalmente no que estão metidas: Começa pelos poderes que até agora estavam em Bruxelas e que regulavam desde a agricultura às pescas, à qualidade do ar que respiramos, à agua que bebemos, em centenas de milhares de páginas de documentos que minuciosamente diziam o que podíamos fazer e como. Foram um manancial inesgotável de argumentos contra a Europa para os propagandistas do Brexit: Lembro a que impunha uma potencia máxima para os aspiradores e outra, essa sim tocando no nervo mais sensível deste povo, que implicava com as chaleiras domésticas logo com essa instituição nacional tão reverenciada que é o sacrossanto cup of tea.
Mas a questão é: A quem caberão esses poderes ? A Escócia, obviamente, quere-os para si e para o seu Parlamento, mas o Galeses e os Norte-Irlandeses não abdicam também da sua devolução às respectivas Assembleias Nacionais. Theresa May, sem surpresa, diz que não a todos informando que eles ficarão firmemente na mão do Governo. Tanto bastou para que vários responsáveis Galeses e Norte-Irlandeses viessem avisar de modo sibilino a Primeira-Ministra que, a ir por aí, a impopularidade de Bruxelas se poderia facilmente transferir para Londres, transformando o Reino Unido num saco com ainda mais gatos.
Muito se tem falado ultimamente no problema da identidade nacional como fonte de populismos vários, e que teria levado a que os deploráveis, (Hillary Clinton, dixit), votassem em Trump e no Brexit. Mas, se a identidade dos Escoceses e Galeses é reafirmada com cada vez mais estridência, a dos Ingleses passa despercebida, diluída como está no vago conceito de Britishness. De repente pequenas coisas tornam-se notadas: O God Save the Queen não é o Hino Inglês, nem a Union Jack é a bandeira de Inglaterra. As outras três nações que com a Inglaterra compõem o Reino Unido têm as suas Assembleias Nacionais, (e os seus Hinos), mas o Parlamento de Westminster é o Parlamento Britânico, não é Inglês. O Império e a sua glória davam sentido à União, mas o seu desaparecimento, e a crescente autonomia das outras Nações componentes, fez com que a identidade nacional dos Ingleses entrasse em crise.
O Brexit aparece como consequência deste sentimento de orfandade, desse olhar para dentro, no desafio contido na frase: “A Europa precisa mais de nós, do que nós dela”. Para quem nasceu nos anos quarenta em Portugal, e por lá ficou até depois do 25 de Abril, este “Orgulhosamente sós” traz lembranças bem tristes. Disse Theresa May que “Ser cidadão do mundo é não ser cidadão de parte alguma”. Toda uma política e toda uma ideologia está contida nesta frase.
O “Angola é Nossa” do discurso Salazarista tem aqui o seu equivalente num discurso não menos delirante que aponta a chamada Anglo-Esfera e a criação de um Segundo Império como sendo o futuro radioso que verá renascer a poderosa Albion.
Neste esquema de coisas tem papel central a Comunidade Britânica e principalmente os chamados “Domínios Brancos”: O Canadá, a Austrália e a Nova-Zelândia, futuros parceiros nesse Segundo Império. Mas sem negar os laços afectivos e culturais que os ligam à casa mãe, a realidade é que o mundo mudou: O Canadá está na Nafta e os Estados Unidos são o seu maior parceiro. A Austrália e a Nova Zelândia olham para o Extremo Oriente e sabem que aí estão os seus parceiros e o seu futuro. É como alguém que tendo-se divorciado há já uns anos, e com a solidão a pesar, tenta reaproximar-se do seu/sua ex - apenas para descobrir que voltou a casar e que, além de ter filhos da nova união, não podia estar mais feliz da vida.
Ainda há pouco ouvi David Davis, o Ministro negociador-mor pelo Reino Unido, e que terá o Francês Michael Barnier como adversário pelo lado da União Europeia, afirmar sem se rir que se a Grã-Bretanha sair sem acordo com a UE terá à sua espera centenas de países ansiosos por estabelecer com ela laços comerciais. Irresistivelmente lembrei-me do Futre e dos voos charter cheios de Chineses que garantia virem assistir aos jogos do Sporting. Com a pequena diferença que Futre estava, ainda assim, mais perto da realidade que Davis.
Foi Theresa May, ela própria, quem primeiro começou a afirmar, em relação às negociações com a União Europeia: “É melhor não haver acordo algum do que fazer um mau acordo”. Isto porque mesmo os mais lunáticos apoiantes do Brexit já começaram a perceber que ao prometerem o impossível meteram o país num beco sem saída: Acesso ao Mercado Unico e pertencer à União Aduaneira sem aceitar a livre circulação de pessoas ? Rejeitar a responsabilidade pelo pagamento dos compromissos assumidos enquanto membro da UE ? Abandonar a jurisdição do Tribunal Europeu de Justiça e esperar um acordo de comercio livre com os outros 27 países comunitários ? Só quando o inferno gelar. É por isso que agora, e com o maior cinismo, garantem que estaremos melhor caminhando sozinhos para o Shangri-La da Organização Mundial de Comercio e das suas pautas aduaneiras. Teria piada se fossem apenas eles: Revolta saber que arrastam o país consigo e o dano que vão causar, sobretudo aos mais pobres e vulneráveis.