A Gazeta do Middlesex

O estranho caso do Elétrico...

19/12/2016

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                               O ESTRANHO CASO DO
                              ELÉTRICO SEM TRAVÕES



Em 1967, ano em que escreveu “O Problema do Aborto e a Doutrina do Duplo Efeito”, Philippa Foot, (1920-2010), era já a grande Dama da Filosofia Britânica. Com outras mulheres, Elizabeth Anscombe, Mary Warnock e a escritora Iris Murdoch, (com quem viveu um largo período), ocupou o palco central da intelligentsia Inglesa durante décadas. Depois de Oxford (Sommerville), a sua alma mater e onde foi vice-reitora, atravessou o Atlântico para ensinar nas melhores Universidades Americanas, (tinha a particularidade de ser neta do Presidente Cleveland): Berkeley, Cornell, Princeton e Stanford, tendo voltado depois à Grã-Bretanha onde acabaria a carreira.
Mas como é que um paper publicado numa revista técnica por uma professora universitária especialista no ramo da Ética, que ficou conhecido como O problema do Eléctrico, (trolley em Inglês), rapidamente deu origem a uma febre colectiva chamada Trolleylogia, que contagiou filósofos, psicólogos, neuro cientistas, tomando de assalto campus universitários, faculdades inteiras, publicações académicas, casas de família, leigos e cognoscenti, e isto por todo o mundo ?

“O Problema do Aborto e a Doutrina do Duplo Efeito” tratava da situação dilemática que se punha quando a uma grávida era detectado um tumor no útero, e havia que decidir se seria moralmente legitimo operar, salvando a mulher, mas causando a morte de feto.

A Teoria do Duplo Efeito foi primeiro postulada por S. Tomás de Aquino : É admissível que uma acção continue moralmente boa muito embora tenha efeitos secundários maus. O que não é admissível é que uma má acção seja cometida para que se obtenha um bom resultado.
Seguindo os preceitos de S. Tomás a operação é aprovada, operação que é feita para salvar a mulher, (a boa acção), mas tendo o efeito indesejável de causar a morte do feto, (o efeito secundário mau).
O inverso, matar o feto com meio de salvar a grávida seria, obviamente, condenável. Mas mais adiante regressaremos a S. Tomás e à sua Doutrina com mais detalhe.
Foot para explicar a sua posição dava vários exemplos para ajudar a distinguir entre consequências intencionais e não intencionais das nossas acções, entre fazer e deixar fazer, entre deveres positivos e negativos – o dever de não causar dano em oposição ao dever de prestar assistência.

Entre esses exemplos constava este, que será o cenário A :

“O condutor de um eléctrico vê que à frente estão 5 pessoas atadas aos carris. Os freios deixaram de funcionar, mas ele tem contudo a opção entre nada fazer, e assim causar a morte dessas 5 pessoas, ou accionar uma agulha desviando o eléctrico para um ramal secundário. Acontece que nessa outra linha está também um homem atado aos carris e desviar a composição irá causar-lhe a morte. Que opção deve tomar ? Nada fazer, e a morte de 5 pessoas é inevitável, ou accionar a agulha e matar uma só pessoa?”




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Em 1985, já com a Trolleylogia perfeitamente lançada, a Americana Judith Jarvis Thompson, também professora de filosofia, propoz algo ligeiramente diferente, a que chamaremos cenário B:


Em vez de ser o condutor a ter a responsabilidade da decisão, esta cabia agora a uma pessoa que estando casualmente ao lado dos carris podia accionar um interruptor que faria mudar a agulha e desviar o eléctrico, levando às mesmas consequências do cenário anterior.

Aparentemente os dois cenários são iguais, mas apenas aparentemente. O condutor tem uma responsabilidade profissional em tomar constantemente decisões, e o seu principal dever é garantir a segurança dos passageiros que lhe estão confiados, ao passo que a pessoa que por casualidade está junto à linha não tem esses constrangimentos; logo a decisão do condutor é eticamente mais complexa.


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Outro cenário é proposto, a que chamaremos C :

Em vez de ser uma pessoa que casualmente está junto à linha, e a quem cabe a responsabilidade da decisão de desviar ou não o eléctrico, agora essa pessoa está numa passagem aérea exactamente por cima e assiste à marcha do eléctrico em direcção às cinco potenciais vitimas, que estão atadas aos carris. Desta vez não existe nenhum interruptor que desvie a composição para uma linha secundária.

O que há é um homem gordo que se encontra também nessa passagem aérea e ao lado dessa pessoa . A única opção que tem, se quiser que os cinco inocentes não sejam trucidados, é atirar o homem gordo à linha, o que faria parar o eléctrico, evitando o massacre..



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Que decisão tomaria o leitor ? Mas antes que responda é altura de fazer um pequeno parêntesis , mudando um pouco de assunto:


Jeremy Bentham e o Dr. Silva

Bentham foi um um filosofo Britânico do Séc. XIX autor de uma corrente da Ética que ficou conhecida por Consequencialismo ou Utilitarismo.

Segundo essa linha, aquilo que define um acto como sendo bom ou mau são as suas consequências. Assim “Bom” seria aquele que fosse “útil” para trazer o máximo de felicidade ao maior numero de pessoas.
Agora atentem noutro cenário, que será o D:

Um médico de um hospital, a quem chamaremos Dr. Silva, tem cinco pacientes em risco iminente de morrer a menos que possam receber um transplante: Rins, pulmões e coração.

O Dr. Silva não prevê que seja possível encontrar dadores a tempo, mas na sua enfermaria tem um doente, um homem ainda jovem e de perfeita saúde que foi internado devido a um pequeno acidente e que está pronto para ter alta. O Dr. Silva decide então leva-lo para a sala de operações e sob anestesia retirar-lhe esses órgãos vitais para os transplantar nos cinco doentes, que assim sobrevivem à custa, obviamente, da vida do jovem acidentado.
Portanto a questão é esta :

Se Bentham está correcto então todos os cenários descritos anteriormente também o estão: Ao sacrificaram um a só pessoa para salvar cinco não fizeram mais do que trazer o máximo de felicidade ao maior numero o que, segundo Bentham, é por definição um acto eticamente bom.

Mas talvez seja altura de trazer à colação um outro peso-pesado de filosofia, e ouvir o que Kant diria sobre este problema:

Segundo ele é errado tratar pessoas como meios para atingir determinados fins, logo o homem atado à linha e o gordo na passagem área, assim como o doente do Dr. Silva, tinham sido usados unicamente como meio para salvar outros, sem consideração pelo seu próprio direito à vida. Quanto aos cinco, eles não tinham nenhum direito particular em serem salvos, o que não quer dizer que não o desejariam ser, nem que posteriormente não ficassem gratos se o tivessem sido. Mas a verdade é que não possuíam nenhum direito inerente a serem salvos. O paciente do cenário D, e os outros, esses sim tinham o direito de não serem deliberadamente mortos para realizar qualquer que fosse o objectivo.


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Mas na opinião do leitor serão todos os cenários apresentados análogos, e por conseguinte devem ser todos julgados da mesma maneira, rejeitando ou aceitando em bloco o sacrifício de um para salvar cinco, ou pelo contrário tem a intuição que existem diferenças entre eles, levando a diferentes desfechos ?

Precisamente para responder à questão em como fazemos a distinção entre o bem e o mal, a Universidade de Harvard lançou em 2003 um estudo online apelando à participação da população, www.moralsensetest.com, na expectativa de conseguir 5.000 participantes. Escusado será dizer que o numero dos que responderam à chamada é hoje de muitas dezenas de milhar. Outro site, www.philosophyexperiments.com publicou um outro inquérito intitulado, Deveria o homem gordo ter sido morto , (referindo-se ao cenário C que anteriormente aqui discutimos), que já deve ter atingido as 300.000 participações. Ambos os testes são em Inglês e impossíveis de traduzir, até porque ao serem completados, o que não dura muito, é seguidamente feita uma análise rigorosa às respostas. Um conhecimento razoável da língua é suficiente para participar mas é de lembrar que não estamos a lidar com inquéritos tipo imprensa do coração. São feitos por psicólogos que, como se diz, estão on top of their game, profissionais altamente qualificados.

Mas voltando ao inquérito de Harvard os resultados podem constituir surpresa : Para 89% dos inquiridos a pessoa que no cenário B está junto à linha agirá correctamente ao accionar o interruptor, fazendo o eléctrico mudar de linha salvando assim os cinco que morreriam se não tivesse agido, mas causando a morte do infeliz atado à linha secundária. Mas apenas 11% concordam que o homem gordo do cenário C deveria ser atirado à linha para salvar as mesmas cinco possíveis vitimas.
Estes resultados mantêm-se consistentes, qualquer que seja a raça, religião, nacionalidade, grupo etário e nível de escolaridade, e mais importante ainda, registam-se entre quem nunca lidou com problemas filosóficos.
Temos assim que 89% dos jurados deste tribunal imaginário votaram não culpado em relação à pessoa do cenário B, mas apenas 11% o fizerem em relação à do cenário C. O desafio é encontrar as diferenças substantivas entre os dois que tenham levado a veredictos tão diferentes.
Uma possível explicação reside no tal Principio do Duplo Efeito de S. Tomás de Aquino, de que já falámos: No cenário B a pessoa não teve a intenção de matar um para salvar cinco, apenas previu essa possibilidade, enquanto a que atirou o homem gordo à linha tinha a intenção de o matar para que cinco fossem salvos. Uma boa acção, no cenário B, teve um efeito secundário mau, o que segundo a Igreja Católica é aceitável. Já no cenário C tratou-se de uma má acção cometida para obter um resultado bom, o que é totalmente condenável.
Mas há outra possível solução para o problema que é muito mais terrena : Como a neuro ciência hoje explica, a parte do cérebro ligada às emoções desempenha um papel mais importante do que a que está ligada a actividades cognitivas. Isto é particularmente verdadeiro quando se trata de violações pessoais da integridade física de outro ser humano, como seria o caso do cenário C, em contraste com violações impessoais, como seria o caso do cenário B no qual, quando confrontados com um principio abstracto, matar um é melhor do que matar cinco, e como a decisão é impessoal, (o interruptor), isso faz com que não exista conflito entre as nossas emoções e a escolha, logo esta é fácil.

A nossa resistência em matar alguém por nossas próprias mãos explica a condenação do acto de atirar o homem gordo da ponte abaixo. Já o accionar um interruptor é tomado como sendo um acto relativamente inócuo. As sociedades formadas por indivíduos cujos cérebros possuem uma marcada aversão a deliberadamente matar alguém têm mais possibilidades de sobrevivência, pelas razões óbvias, o que com o tempo se tornou num tabu cultural passado de gerações em gerações.


A trolleylogia continua pujante e cada vez que são levantadas novas questões estas trazem consigo ainda outras questões. É verdade que nenhum de nós estará com toda a probabilidade na situação de ter de decidir casos de vida ou de morte mas, quer sejam grandes ou pequenas decisões, gostaríamos que elas fossem eticamente correctas. E é isso que o problema do trolley faz, ao lembrar-nos que há uma maneira “boa” e outra “má” de enfrentar os dilemas que a vida nos coloca, o que nos faz reflectir, e daí a sua popularidade. E já dizia Aristóteles : ” A vida não examinada não vale a pena ser vivida.”



                                               Uma Merecida Pausa



Para os leitores da Gazeta. Mas como o que é bom sempre acaba, ela estará de volta em Janeiro, pujante na sua vontade em testar a inexaurível paciência de quem por aqui passa. Entretanto ficam os votos de



                                             Feliz Natal e Bom Ano Novo










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A crise da Direita IV

16/12/2016

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A CRISE DA DIREITA...IV






“...O Conservadorismo está a desaparecer com o avanço da Extrema Direita.”



(conclusão)

Os populistas, ao contrário de Putin e dos fascistas, permitem eleições razoavelmente livres, muito embora na Polónia e na Hungria as coisas estejam cada vez mais difíceis para a oposição e que, com a vitória de Trump, seja de esperar um aumento das dificuldades para que os Afro-americanos possam exercer o direito de voto, podendo mesmo ir até à privação em massa desse direito.
Nem está o populismo moderno interessado em conceder o poder de decisão ao “povo”. Os seus líderes querem tudo menos uma versão moderna da democracia Ateniense, onde cidadãos empenhados conduzam os assuntos de Estado. Como Muller explica, o protótipo para muitos dos líderes demagógicos surgidos nesta década consiste na ideia que Sílvio Berlusconi tinha sobre o papel do cidadão comum: Confortavelmente sentado na sua poltrona vendo televisão,(preferencialmente um dos canais propriedade de Berlusconi), deixando as questões de Estado ao cuidado de Il Cavaliere, que governaria o país como se de uma grande corporação se tratasse. O mesmo desejo de manter o “povo” fora da política pode ver-se hoje na Grã-Bretanha. John Major, esse “velho” Conservador, afirmou que “há um caso perfeitamente credível para que seja realizado um segundo referendo”. Mas os populistas supostamente amantes do “povo” proíbem-no. Diz o Governo e a imprensa de extrema-direita que o mandato para o Brexit é um só e é irrepetível, e que a Câmara dos Comuns, a dos Lordes e os Tribunais, nada podem dizer sobre as decisões a tomar daí decorrentes. Mais revelador ainda é o facto de não existirem preocupações com o próprio “povo”. Ninguém lhes poderá perguntar se as vantagens de permanecer no Mercado Único estarão acima das do controle da imigração. Nem poderão ter uma palavra a dizer sobre se devemos permanecer como membros da União Aduaneira ou não. Ao “povo” não será permitido que tenha segundos pensamentos. Mesmo se a inflação disparar, e em 2018 o nível de vida baixar dramaticamente, ao povo não será permitido mudar de opinião.

A velha piada sobre os Nazis, e outras ditaduras avulsas que conseguiram o poder através de eleições, aplica-se agora aos defensores do Brexit: “Apenas se poderá votar neles uma única vez”


O colapso do Conservadorismo face a esta nova Direita será mais dramático na América. Muitos Conservadores pertencentes ao movimento Never Trump opuseram-se a Trump na campanha para as presidenciais. Inevitavelmente, senão depressivamente, o perfume do poder , agora que ele ganhou, está a seduzi-los. Em Março passado, Mitt Romney fez o melhor discurso da sua carreira alertando para que as políticas de Trump levariam a economia à recessão e os Muçulmanos aos braços do Isis. E como se não bastasse, o seu carácter “tortuoso”, “a sua violência sobre os fracos, a ganancia, a teatralidade de terceira categoria, a misoginia”, tornavam-no incapaz de desempenhar o cargo de Presidente. Estas corajosas palavras de Romney não sobreviveram à vitória de Trump. Na semana passada estava a puxar-lhe pela manga do casaco pedindo-lhe um cargo.
Jamie Kirchick, um dos expoentes na imprensa de Direita do Never Trump, escrevia recentemente, mais como metáfora do que como exemplo, que a elite Americana muito em breve estaria no seu processo de Gleicshchaltung, aquele que levou as instituições Alemãs a acomodarem-se a Hitler.
Em contraste, Theresa May continua Conservadora tradicional, mas por muito pouco. A pressão sobre ela vem da nova Direita e a Primeira-Ministra não demonstra vontade de unir o país. Esqueceu-se dos 48% que votaram a favor da manutenção da Grã-Bretanha na UE. Talvez ela também sinta de onde agora sopram os ventos da História, não tendo a força de carácter necessária para lhes resistir.
A Direita a que ela dá ouvidos torna-se cada vez mais radical. É fácil esquecer que a campanha do Brexit começou por ser um movimento Conservador cujo objectivo era a defesa da soberania do Parlamento e o primado da lei Inglesa. Boris Johnson, Michael Gove e os outros destacados militantes do Brexit, evitaram no inicio a acusação de racismo ao recusar colaborar com Farage. Mas essa resistência colapsou logo que sentiram o poder do populismo. Por alturas do referendo estavam a afirmar incansavelmente que 76 milhões de Turcos, assim como incontáveis outros milhões de Sírios e Iraquianos, estavam prestes a desembarcar na Grã-Bretanha, historias de terror que se revelaram obviamente falsas.
Cobardia intelectual explica em parte a sua capitulação: Não desejam indispor os que estão “do nosso lado” exibindo uma réstia de inteligência critica. Continuam como dantes no ataque aos seus velhos inimigos liberais. O caminho mais fácil, por ser mais seguro e lucrativo, é juntarem-se aos outros Conservadores e serem compagnons de route dos populistas, em vez de se contarem entre os seus maiores opositores.


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A Crise de Direita III

12/12/2016

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A Crise da Direita III

(continuação)

Se a Grã-Bretanha tivesse um sistema Judicial que reclamasse novos poderes, a raiva da Direita estaria justificada. Mas os Juízes fizeram exactamente o que qualquer Conservador esperaria que eles fizessem. Sentenciaram que os representantes eleitos para Parlamento soberano deveriam ter uma palavra a dizer sobre uma decisão que afectará os direitos de todos os cidadãos Britânicos. As liberdades Anglo-saxónicas, que os adeptos do Brexit dizem terem sido a salvaguarda contra “os extremismos do Séc. XX”, são também a liberdade dos Tribunais. O Tribunal esteve bem ao citar Sir Edward Coke, o Juiz jacobino que defendeu os direitos do Parlamento contra os Stuart, e o Jurista da era vitoriana AV Dicey que afirmou que “Os Juízes nada sabem sobre uma presumível vontade do povo, excepto se esta for expressa numa lei do Parlamento”. Lembraram o essencial, e aí reside o problema deles e o nosso.

À medida que um neotribalismo substitui o neoliberalismo, devemos esquecer o sistema de contra-pesos que as democracias criaram para que fosse possível governar sociedades complexas. Cada cidadão deve estar certo que respeita “a vontade do povo” em todo a sua crueza. Cada cidadão deve estar certo que faz parte do “povo”, porque se o não for poderá ver-se entre os “inimigos do povo”, e isto apenas continuando a ser, e a fazer, como habitualmente.
Por todo o lado os nacionalistas autoritários usam o populismo para atacar os seus adversários. Antes mesmo do golpe falhado que deu a Recep Erdogan a desculpa para efectuar uma purga que atingiu todos aqueles que se lhe poderiam opor, o presidente Turco apresentou-se como sendo o porta-voz do povo Turco. Os seus críticos eram, por definição, potencialmente traidores.
Nicola Sturgeon e Alex Salmond acusaram os compatriotas Escoceses de “inferiorizarem a Escócia” ao duvidarem da viabilidade de um Estado independente. Numa versão moderna de uma velha falácia os nacionalistas afirmaram que nenhum “verdadeiro Escocês” podia estar contra o Partido Nacionalista. Num comício realizado em Maio passado, Donald Trump proclamou que: “A única coisa importante é unir o povo, porque os outros não valem nada. Os apoiantes de Trump eram “o povo”. Os opositores de Trump eram “os outros”.
Nigel Farage declarou ter sido a vitória do Brexit uma vitória para “o povo real, o povo trabalhador, a gente decente”. Os 48% que votaram pela permanência na UE eram para ele, tal como os Escoceses que votaram contra a independência, e os Americanos que votaram contra Trump, pessoas insignificantes e indecentes. A Finlândia teve mesmo um Partido político chamado “Verdadeiros Finlandeses”. Como o próprio nome indicava, os Finlandeses que não o apoiassem não eram verdadeiros Finlandeses de todo. Recentemente esse Partido mudou o nome para simplesmente “Os Finlandeses” o que, pensando bem, não é uma grande melhoria.
É um bocado trapalhão usar a etiqueta “populista” para definir algo ou alguém. No ocidente o termo refere-se aos nacionalistas de direita, mas também existem movimentos populistas de esquerda, notavelmente os Chavistas da Venezuela, aqueles que levaram o país à ruína. Como pode um termo cobrir realidades tão dispares? Para tornar as coisas ainda piores, “populismo” é um termo em si nada rigoroso. Por definição qualquer Partido democrático que tenha ganho uma eleição é mais popular que os seus adversários. Um “populista” pode simplesmente ser alguém que detestamos, como um “demagogo” pode ser alguém cujos argumentos não conseguimos derrotar. No seu brilhante estudo O Que é o Populismo? Jan-Werner Muller, da Universidade de Princeton, vai juntando as pontas. A afirmação de que eles, e apenas eles, representam “o povo” é o elemento definidor dos populistas modernos. Diz mais sobre eles do que diferenças superficiais em ideologia.
Obviamente que os populistas sabem que muitos Britânicos, Polacos, Húngaros, Venezuelanos e, agora, Americanos, nada querem ter a ver com eles. Mas o que fazem é por-lhes o rótulo de serem ilegítimos, elitistas, corruptos e traiçoeiros.
No mundo dos populistas ou se é parte do povo autentico, unido como um só, ou se é um inimigo desse mesmo povo.
Nessas circunstancias, ninguém que esteja na política, na imprensa ou na justiça que critique os populistas pode ser legitimo. O UKIP exigiu a demissão de Juízes, Trump denunciou a “vigarista Hillary” e os seus apoiantes ameaçaram jornalistas que eram contra ele. Farage atacou os “políticos carreiristas”. O movimento Cinco Estrelas estava tão seguro de representar a verdadeira Itália que se propunha ganhar todos os lugares do Parlamento, por serem todos os outros políticos corruptos.
Não querendo ficar para traz, Geert Wilders disse que o Parlamento Holandês estava cheio de “falsos políticos”. Reduzir o eleitorado legitimo aos que são “do povo” explica o uso sistemático da acusação de fraude eleitoral. Como poderiam os representantes “do povo” perder uma eleição, se esta não fosse viciada? Que os populistas são de uma hipocrisia impossível de descrever é óbvio. Farage fez carreira na política e sucessivas gerações de Le Pens transformaram a política Francesa num negócio de família. No que toca à corrupção o vigarista Trump teve de pagar $25 milhões de dólares aos estudantes da sua falsa Universidade.
Mas nada disso importa: Os lideres do “povo” defenderão os interesses do “povo”, e é nesta “verdade” que é suposto “o povo” acreditar.
É essencial comparar o autoritarismo da Direita de hoje com a do passado. O populismo moderno compartilha com os fascistas a crença que a vontade do “povo” existe independentemente, (e muitas vezes em oposição), à vontade expressa pelos seus representantes livremente eleitos.
(continua)


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A crise da Direita  II

8/12/2016

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A CRISE DA DIREITA...

(continuação)

Pode-se não gostar dos Conservadores mas pelo menos com eles sabemos com que contar. Ou, aliás, sabíamos com que contar. Agora com Trump, Brexit e o aumento global do populismo, o Conservadorismo entrou em crise. Crise que é bem real quando são os próprios Conservadores que fogem a responder às perguntas difíceis e que se negam a dizer o que são e o que querem. Tornaram-se escorregadios e detestam serem pressionados sobre essas questões. Como admitiu Boris Johson, num dos seus raros momentos de honestidade: Querem simultaneamente ter o bolo e come-lo.

Quando lhes convém continuam pragmatistas, mas essa pose não dura muito. Por todo o lado podem-se ver os Conservadores farejando o ar procurando o cheiro da Direita radical. São tentados pelo mais sedutor dos aromas em política: O do poder. Na Hungria, Polónia, Turquia, América do Sul, e, agora com a vitória de Trump, na América do Norte, os populistas que desprezam os limites ao poder existentes nas democracias liberais estão a tomar o controle e a dar todos os sinais que não o irão largar facilmente e que, longe de serem punidos pelo eleitorado, este os recompensará. A vitória de Trump trouxe aos Conservadores um sentimento de sinistra libertação.
Os Conservadores aprenderam com Trump que podem quebrar os velhos tabus. Podem abusar das mulheres, insultar raças e religiões inteiras, assaltar a ordem constitucional e dizer mentira atrás de mentira.
Não pensem que nunca poderá acontecer aqui. No inicio de Novembro o UKIP ameaçou organizar a pior e a mais não-Britânica manifestação publica possível: Um protesto contra o primado da Lei e a soberania do Parlamento. Nigel Farage prometeu que 100.000 manifestantes sairiam às ruas no dia 5 de Dezembro como forma de pressão sobre o Supremo Tribunal para que este revogasse a anterior decisão do Tribunal de Relação que reconhecia ao Parlamento, de acordo com os preceitos constitucionais, o direito a votar sobre a saída da Grã-Bretanha da União Europeia.
A marcha de Farage dificilmente terá lugar, mas milhões estão de acordo com ele e com as suas razoes para combater a “classe política”. O que ele apresentou foi o mito da “facada-nas-costas”, tão usado pelos fascistas nas suas teorias da conspiração, a que juntou a tradicional insinuação de poder vir a haver violência. “Acreditem em mim”, afirmou após o acórdão do Tribunal da Relação, “Se o povo se sentir enganado e traído então seremos testemunhas de uma ira popular com níveis nunca vistos neste país.”
Aquilo a que antigamente era chamada a “Imprensa Conservadora” sucumbiu à sedução da Direita militante. O Daily Mail chamou aos Juízes “inimigos do povo”, acusação que teve eco nas páginas do The Sun, Daily Express e Daily Telegraph o que torna mais apropriado que lhes chamemos, não “Imprensa Conservadora”, mas sim “Imprensa do UKIP” ou “Imprensa de extrema direita.”
Políticos alegadamente Conservadores não são melhores que jornalistas, também alegadamente Conservadores. Todos notaram a falta de vontade de Theresa May e dos seus Ministros em defenderem a independência do sistema Judiciário. Nada mau como forma do Brexit defender as nossas tradições. Os actos que assistimos em 2016 são tudo menos de Conservadores.
Antigamente estes teriam considerado a atitude de Farage, ao apelar a que manifestantes marchassem contra o Supremo Tribunal, como a de um agitador incitando à violência contra Juízes de Sua Majestade.
Teriam recordado Robespierre, quando este disse que a Revolução Francesa nada devia aos inimigos do povo senão a morte, e que Lenine e os Nazis estavam de acordo que estes não deveriam “esperar misericórdia.”
Qualquer que seja a nossa cor política para a maioria de nós seria estranho que um apoiante do UKIP, ou um jornalista da Direita, pretendesse saber se fazemos parte do “Povo Britânico”. A essa pergunta poderíamos responder que somos Britânicos, ou Ingleses, Irlandeses, Escoceses ou Galeses. Poderíamos considerar-nos cidadãos ou súbditos. Mas deveríamos todos recusar-mos-nos a responder, porque soaria mal aos nossos ouvidos concordar que fazemos parte do “Povo do Britânico” sob a ameaça perfeitamente possível e sinistra de, devido às nossas opiniões, sermos acusados de ser “inimigos” desse mesmo povo.


(continua)


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A crise da Direita...

5/12/2016

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                              A CRISE DA DIREITA TRADICIONAL
                            E A ASCENSÃO DA DIREITA RADICAL


As diferenças entre a Direita de Passos Coelho e a Direita de Salazar e Caetano parecem evidentes. A dos últimos poderia ser classificada como tendo sido “autoritária, católica, nacionalista e conservadora”. Já a que se poderia atribuir à do primeiro me escapa: A Direita do “capital e negócios” ? Terá herdado a Direita de Passos os mesmos valores da de Salazar, ou já terá dado sinais, por ténues que sejam, que se prepara para cavalgar a onda de populismo a que actualmente assistimos ?
Nick Cohen tenta responder a estas questões em relação à Direita Inglesa, num brilhante artigo publicado no semanário “The Observer”.

Não seria prudente o leitor que assuma que a realidade que Nick Cohen descreve, e aquilo que prevê, não venha a influenciar, algures no futuro, a política Portuguesa.


Por Nick Cohen

“Por todo o lado se vêm os Conservadores cheirando o ar na procura do perfume exalado pela Direita Radical. São tentados pelo que é o mais sedutor aroma em política: O do poder. Os populistas estão no processo de reescreverem as regras e os Conservadores começam a descobrir que podem quebrar os velhos tabus, assaltar a Ordem Constitucional, e mentir com à vontade. Os seus desejos mais reprimidos até agora podem, afinal, ganhar eleições.”



Em tempos os Conservadores gostavam de dizer que na política eles eram os adultos. Eram eles os que do passado conservavam o melhor e que geriam com bom-senso o mundo como ele era, não embarcando em fantasias tentando transforma-lo no que deveria ser.

Pensavam que por muito que resistissem os seus adversários acabariam por aceitar que o Conservadorismo era apenas, afinal, o comum bom-senso.
“Mais uma vez os factos da vida vieram dar razão aos Conservadores”, disse Margaret Thatcher em 1976 quando se preparava para um dos longos períodos de domínio Conservador que caracterizaram a política Britânica desde 1880. Muitas foram as figuras respeitáveis que concordaram e que usaram com pequenas variações o tema : “Se não foste socialista aos 20 é porque não tinhas coração; Se o continuas a ser aos 40 é porque não tens cabeça.”
Os Conservadores condescendiam assim que pessoas estimáveis podiam ter ideias absurdas sobre aquilo que na realidade desconheciam. Robert Conquest, o grande historiador da era Comunista, resumia o assunto na primeira das suas três leis sobre política:”Todos somos Conservadores naquilo que conhecemos melhor.”
Os Conservadores Ingleses, que não se confinam apenas aos militantes do Partido, tinham razões para se sentirem confortáveis. O Conservadorismo fazia parte da versão dominante da História nacional Inglesa e uma frase dizia tudo :”O Partido Conservador é o Partido natural de Governo.”
Os Ingleses, categoria em que generosamente incluem os Escoceses e os Galeses, mas nunca os Irlandeses, não sabem o que é uma revolução desde a Gloriosa Revolução de 1688. A Gloriosa Revolução foi gloriosa porque não acabou em guerra civil. O país, ou melhor a sua classe dirigente, pacificamente apeou James II, um católico dos Stuart com pretensões a monarca absoluto, para no seu lugar pôr Guilherme III e assim garantir a sobrevivência do parlamentarismo.
No seu discurso aos eleitores de Bristol em 1774, (que eram então todos homens e todos ricos), Edmund Burke explicou quais os ideais de um Governo parlamentar: Um Membro do Parlamento era um representante e não um delegado de quem o elegeu. O que era devido aos eleitores era que o eleito seguisse os ditames da sua consciência, e que “Seria uma traição se os sacrificassem para seguir as vossas opiniões.”
A denuncia de Burke da Revolução Francesa 16 anos mais tarde ainda reforçou mais a convicção de ser a Inglaterra uma nação segura e sensata. Quando publicou em 1790 a sua obra “Reflexões sobre a Revolução em França”, na qual previa, contra a opinião generalizada, que esta acabaria por se tornar num regime despótico, foi Robespierre ao iniciar em 1793 o reinado do terror que deu a Burke uma aura de profeta.
Desde então os Conservadores Anglo-saxões foram capazes de acreditar que se os continentais tiveram a guilhotina na década de 90 do Séc. XVIII, e os campos de concentração e os gulag nos anos 30 e 40 do séc. XX, foi devido a utópicamente terem arrancado a Sociedade pela raiz. Os pragmáticos, empíricos, e sobretudo Conservadores Britânicos foram poupados por terem respeitado a tradição e terem preferido as mudanças graduais.
No ano passado Daniel Hannan, um dos líderes do Brexit, publicou um livro sob o titulo Inventando a Liberdade: Como os Povos de Língua Inglesa Fizeram o Mundo Moderno, que passou despercebido apesar de ser completamente absurdo. Absurdo porque os Ingleses não inventaram a liberdade e porque nele faz o elogio de Enoch Powel, que o autor classifica de “intelectualmente brilhante”, apesar de este ter sido um feroz inimigo das minorias étnicas da Grã-Bretanha.
Mas há que reconhecer que Hannan soube articular os sentimentos subliminares de milhões que votaram pelo Brexit: Bruxelas ameaçava os fundamentos da Nação, o Estado de Direito, a soberania do Parlamento e a independência da Justiça, tudo valores que levaram a melhor sobre todos os extremismos do Séc. XX. A decisão de sair da UE seria a maneira de proteger as nossas maiores tradições.
(continua)


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O trepador de árvores

2/12/2016

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                                   O TREPADOR DE ÁRVORES




Um homem que era conhecido pela sua habilidade em trepar às árvores maiores dava instruções a um principiante para que este subisse até ao topo de uma muito alta, afim de cortar alguns ramos.

Enquanto o aprendiz se equilibrava precáriamente lá no alto o trepador manteve-se em silencio, mas quando ele começou a descer e chegou aos ramos mais baixos começou a gritar instruções: “Tem cuidado! Toma atenção na descida !”
“Porquê dizes isso agora ? Ele já está tão baixo que num pulo podia saltar para o chão!”- perguntei-lhe eu.
“Precisamente” respondeu o trepador de árvores. “Enquanto ele estava lá em cima empoleirado naqueles ramos traiçoeiros eu nada disse – o sentimento do perigo era o suficiente para o guiar. É nas partes mais fáceis que os erros sempre acontecem.”

Yoshida Kenko (Tóquio, c. 1283 - c. 1352)





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