A Gazeta do Middlesex

Be Proud

6/9/2014

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                                                                                            George Monbiot







                           SE NÃO SE RESIGNA COM O ESTADO DO MUNDO ENTÃO

                                 DEVE SENTIR ORGULHO PORQUE É UM INCONFORMADO










Sentir-se bem num mundo em convulsão: Eis um objectivo que não é razoável. Só pode ser atingido ignorando tudo o que se passa à nossa volta.

Mas querer estar em paz consigo próprio nesse mundo é porém uma nobre aspiração. Este artigo destina-se àqueles que têm problemas na vida e exorta-os a que não se sintam envergonhados.

Fui levado a escreve-lo devido a um livro notável , acabado de ser publicado em inglês por um professor Belga de Psico-Análise, Paul Verhaeghe: «Então e Eu? A luta pela identidade numa Sociedade dominada pelas regras de Mercado» é um desses livros que, ao estabelecer conexões entre fenómenos distintos, permite descobrir novas razões para o que nos está a acontecer e porquê.

Nós somos animais sociais, argumenta Verhaeghe, e as nossas identidades são moldadas pelas normas e valores que absorvemos de outros. Cada Sociedade define e dá forma aquilo que é a sua normalidade - e a sua anormalidade - de acordo com a narrativa dominante e as pessoas são obrigadas a submeterem-se sob pena de exclusão se não o fizerem.

Hoje a narrativa dominante é a do fundamentalismo das regras do mercado, mais conhecido na Europa como Neoliberalismo.

Segundo essa narrativa, o mercado pode solucionar quase todos os problemas sociais, económicos e políticos. Quanto menos o Estado regular e quanto menos impostos cobrar, melhor todos estaremos. Os serviços públicos devem ser em consequência privatizados, a despesa pública cortada, e os negócios livres de qualquer controle social. Em países como o Reino Unido e os Estados Unidos, esta narrativa foi o que deu forma às nossas normas e valores durante os últimos 35 anos: Desde que Reagan e Thatcher subiram ao poder, para depois rapidamente se espalharem pelo mundo.

Verhaeghe afirma que foi à Grécia clássica que o Neoliberalismo foi buscar a ideia que os nossos principio éticos são inatos , (e governados por um principio natural conhecido como o mercado), e ao cristianismo o conceito que a humanidade é inerentemente egoísta e açambarcadora.

Em vez de tentar combater estas características, o neoliberalismo exalta-as: Defende que a concorrência sem regras motivada pelo egoísmo conduz à inovação e ao crescimento económico, aumentando o bem-estar geral.

No centro desta narrativa está a noção de mérito. Uma concorrência completamente livre premeia aqueles que têm talento, trabalham muito, e promovem a inovação: Elimina as hierarquias e cria uma sociedade de iguais oportunidades para todos, existindo uma real mobilidade social.

A realidade é porém bem diferente : Mesmo no principio do processo, quando os mercados foram pela primeira vez desregulados, nem todos partiram com iguais oportunidades. Alguns já levavam grande avanço quando foi disparado o tiro de partida. Foi desta maneira que os oligarcas russos conseguiram enormes fortunas quando se deu o colapso da União Soviética.

Não foram os mais talentosos, os mais trabalhadores e os mais inovadores que amassaram colossais riquezas, mas aqueles com menos escrúpulos, os mais violentos e os com melhores contactos, na maioria dos casos no KGB.

Mesmo quando os resultados são fruto do talento e de trabalho duro não se mantêm assim por muito tempo. Quando a primeira geração consegue o seu dinheiro, a meritocracia é substituída por uma nova elite que protege os seus filhos da concorrência pela fortuna herdada e pela melhor educação que o dinheiro possa comprar. Onde quer que o fundamentalismo do mercado tenha sido aplicado com mais intensidade – O Reino Unido e os Estados Unidos - a mobilidade social diminuiu drasticamente.

Se o neoliberalismo fosse outra coisa que não uma fraude que só beneficia os próprios, os seus gurus e apologistas financiados desde o inicio pelos homens mais ricos do planeta, (os multimilionários americanos Coors, Olin, Scaife, Pew, e outros), teriam exigido que ninguém começasse a vida partindo com a injusta vantagem de fortunas herdadas ou educação apenas acessível aos muito ricos. Mas nem eles próprios acreditaram nas suas teorias e o empreendedorismo rapidamente deu lugar ao usufruto hereditário de privilégios.

Tudo isto é ignorado e numa economia de mercado o sucesso ou insucesso são atribuídos unicamente às qualidades ou defeitos do individuo.

Os ricos são os novos bons e justos e os pobres os novos culpados, aqueles que falharam economica e moralmente, e que são agora classificados como sendo parasitas sociais.

O mercado, que era suposto trazer-nos emancipação, oferecendo autonomia e liberdade, o que produziu afinal foi atomização e solidão.

O posto de trabalho foi tomado por uma louca e kafkiana infra-estrutura feita de avaliações, monitorizações, vigilâncias e auditorias, tudo rigidamente planeado e cujo objectivo é premiar os vencedores e punir os perdedores.

Isto destrói a autonomia, o espírito de iniciativa, a inovação e a lealdade e promove a frustração, a inveja e o medo.

O grande paradoxo é que teve como resultado o reviver de uma grande e antiga tradição Soviética chamada tufta, que não era mais do que a falsificação sistemática das estatísticas a fim de satisfazerem os objectivos de um poder longínquo e impenetrável.

Este sistema atinge particularmente quem procura emprego. Os que estão nessa situação têm de enfrentar, além das humilhações várias que o desemprego acarreta, toda uma nova parafernália de devassas e monitorizações. Tudo isto, sublinha Verhaeghe, é fundamental para o modelo neo-liberal, com a sua insistência em avaliações e quantificações, o que nos leva a uma situação em que se tecnicamente somos livres, sentimos-nos porém completamente impotentes. E como todos os principais partidos políticos defendem este sistema, deixaram de haver meios para o alterar. Em nome da autonomia e liberdade acabamos sendo controlados por uma esmagadora burocracia sem rosto.

Estas mudanças, escreve Verhaeghe, foram acompanhadas por um espectacular aumento de certas patologias psiquiátricas : Auto-mutilação, desordens alimentares e de personalidade, depressão.

Entre as desordens de personalidade as mais comuns são ataques de ansiedade relacionados com o desempenho profissional e fobias sociais: Ambas reflectindo medo dos outros, que são percebidos ou como avaliadores ou como concorrentes – as duas únicas classes que o fundamentalismo de mercado admite. Depressão e solidão é o resultado para muitos.

As imposições, (diktats no original – n.t.), que se sofrem no local de trabalho levam à infantilização das relações humanas, o que por sua vez destrói a nossa auto-estima. Aqueles que acabam no fundo da escala são tomados por sentimentos de culpa e vergonha. Isto constitui uma dupla falácia : Assim como nos congratulamos pelos nossos sucessos, acusamos-nos a nós próprios pelos nossos falhanços, mesmo sem ter qualquer responsabilidade nestes.




Assim, se sente que não é capaz de se integrar, se se sente mal com o mundo, se a sua própria identidade como ser humano tornou-se vaga, incerta e mutilada, se se sente perdido e com vergonha - então é porque conservou valores humanos que era suposto ter abandonado. É um inconformado. Sinta orgulho.







George Monbiot

(www.monbiot.com)







Artigo publicado no Jornal The Guardian

(www.guardian.co.uk)




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Fernando Vouga link
6/9/2014 04:53:02 am

Caro amigo

Concordo, na generalidade com o que aqui se diz.
No entanto, direi que não podemos ser tanto ao mar nem tanto à terra. Por exemplo, quando se fala do "modelo neo-liberal, com a sua insistência em avaliações e quantificações" decerto que não se quererá eliminar por completo a avaliação das capacidades e do desempenho. Porque daí resultaria o nivelamento por baixo.
Há quem se esforce por brio, já que ninguém gosta de fazer mal feito. Mas se não receber qualquer indicação de que o seu esforço é reconhecido, terá a tendência a cair no "está-se cagandismo" (passe a grosseria) muito em voga em Portugal..

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