A Gazeta do Middlesex

Bombardeemos todos

10/10/2014

3 Comments

 

                 A  GAZETA  DO  MIDDLESEX


Picture
                                                                                              George Monbiot




                                    BOMBARDEEMOS TODOS

Bombardear o mundo muçulmano- todo ele- para salvar o seu povo. Não será este certamente o único caminho moralmente consistente? Porquê destruir apenas o Estado Islâmico quando o governo Sírio matou e torturou tanta gente? Este não era afinal o imperativo moral de há apenas um ano atrás? O que terá mudado?

 Porque não aniquilar também as milícias Shiitas no Iraque? Uma delas em Junho escolheu ao acaso 40 pessoas nas ruas de Baghdad e assassinou-as por serem Sunitas (1). Outra em Agosto (2) massacrou mais 68 numa Mesquita. Elas falam abertamente numa “limpeza” e no “apagar” (3) dos Sunitas logo que o Estado Islâmico seja derrotado. Um destacado político Shiita avisa, “estamos em vias de criar grupos radicais de al-Qaida Shiitas que ultrapassem em radicalização a al-Qaida Sunita.”(4)




Que princípios humanitários impõem que não prossigamos? Em Gaza este ano 2.100 Palestinianos foram massacrados, incluindo gente que se tinha refugiado em escolas e hospitais. Não exigirão essas atrocidades que se lance uma guerra aérea contra Israel? E qual será o fundamento moral para não aniquilar o Irão? Mohsen Amir-Aslani foi enforcado nesse país por pretender fazer “inovações na religião”, (tendo sugerido que a história de Jonas no Alcorão era meramente simbólica e não literal) (5). Não deveria este caso provocar uma acção humanitária vinda dos céus? O Paquistão suplica por merecer as bombas amigas: Mohammed Asghar um cidadão Britânico idoso sofrendo de esquizofrenia está, como outros blasfemos, aguardando execução por ter afirmado ser um profeta sagrado (6).




E não será um dever urgente destruir a Arábia Saudita? Só este ano foram aí decapitadas 59 pessoas por crimes que iam desde adultério à bruxaria (7). Desde há muito que esse país é uma ameaça muito maior que o IS agora representa. Em 2009 Hillary Clinton afirmava num memorando secreto que “A Arábia Saudita continua sendo uma importante fonte de financiamento da al-Qa'ida, dos Taliban e de outros grupos terroristas”(8).

Em Julho , o antigo Chefe do MI6, Sir Richard Dearlove, revelou que o Príncipe Bandar bin Sultan, até então dirigente do serviço de informação Saudita, lhe tinha afirmado: “Não faltará muito tempo para que no Médio Oriente se ouça dizer literalmente 'Que Deus proteja os Shiitas'. Mais de um bilião de Sunitas estão fartos deles”(9). O apoio dado pelos Sauditas às milícias radicais Sunitas actuando na Síria enquanto Bandar desempenhava esse cargo é tido como sendo responsável pela rápida expansão do Isis (10,11). Porquê atacar os subalternos e poupar o quartel general?




As razões humanitárias apontadas no Parlamento (12), (Câmara dos Comuns-n.t.), se aplicadas com consistência poderiam ser usadas para arrasar todo o Médio Oriente e o Ocidente da Ásia. Dessa maneira poderíamos acabar com o sofrimento humano e libertar esses povos do vale de lágrimas em que vivem.

Talvez seja esse o plano: Barack Obama bombardeou até agora sete países de população maioritariamente muçulmana (13), justificando cada caso como sendo devido a um imperativo moral. O resultado, como pode ser visto na Líbia, Iraque, Paquistão, Afeganistão, Yemen, Somália e Síria, e não foi a erradicação dos grupos terroristas, dos conflitos, caos, morte, opressão e tortura. O Mal não foi varrido da face da Terra pelos anjos de destruição ocidentais.




Agora temos um novo alvo e uma nova razão para fazer cair misericórdia dos céus, com iguais possibilidades de sucesso. Sim, as práticas e os objectivos do Isis são revoltantes. Mata, tortura, aterroriza e ameaça. Como Obama afirma, é uma “organização de morte”(14). Mas é apenas uma das muitas que existem. E, pior que tudo, uma “cruzada ocidental” parece ser exactamente aquilo que deseja (15).




Os bombardeamentos de Obama já fizeram com que o Isis e a Jabhat al-Nusra, uma milícia rival pertencendo a Al Qaeda, se unissem (16). Mais de 6.000 novos combatentes aderiram ao Isis desde que estes ataques começaram (17). São exibidas as cabeças das vitimas em frente às câmaras de televisão como isco para os aviões de guerra. E os nossos Governos são tão estúpidos que o engolem.




E se os bombardeamentos tiverem sucesso? Se- e é um grande se- ele fizer pender a balança contra o Isis o que acontecerá? Começaremos de novo a ouvir noticias sobre os esquadrões da morte Shiitas e sobre o imperativo moral que será destrui-los também – e todos os civis inocentes que estejam no caminho. Os alvos mudam, a política não. Seja qual for o problema a resposta é sempre igual: Bombas. Em nome da Paz e da preservação da vida os nossos Governos levam por diante uma guerra eterna.




Enquanto as bombas caiem, os nossos Estados têm relações amistosas e defendem outras organizações de morte. O Governo Americano- apesar das promessas de Obama- recusa-se a publicar o relatório de 28 páginas do Joint Congressional Inquiry, (Comissão de Inquérito do Congresso dos E.U.A-n.t.), sobre o 9/11 que documenta a cumplicidade da Arábia Saudita no ataque (18). No RU, em 2004, o Serious Fraud Office, (SFO- Organismo oficial que investiga casos de corrupção-n.t.), começou a investigar pagamentos maciços de luvas pela BAE, companhia britânica de armamento, a ministros sauditas e seus intermediários. Quando provas importantes estavam prestes a ser divulgadas, Tony Blair interveio e suspendeu a investigação (19). O maior alegado beneficiário seria o acima mencionado Príncipe Bandar. O SFO procurava esclarecer se este teria recebido, com a aprovação do Governo Britânico, um pagamento secreto de 1 bilião de Libras feito pela BAE, tal como se suspeitava(20).




E isto continua. No numero da semana passada a revista Private Eye, ( Publicação satírica quinzenal cuja especialidade é a denuncia de irregularidades e escândalos do establishment político britânico-n.t.), baseada em gravações e e-mails, alegou que uma companhia britânica teria pago 300 milhões de Libras em luvas para facilitar um contrato de compra de armamento pela Guarda Nacional Saudita.




Não existem boas soluções que a intervenção militar Britânica e Americana possa produzir: Existem sim soluções políticas nas quais os nossos Governos poderiam ter um papel reduzido: apoiar o desenvolvimento de Estados viáveis que não dependam nem de milícias nem da violência, ajudar na criação de instituições civis que não recorram ao terror, proteger as populações em risco levando-lhes ajuda humanitária.




Onde quer que as nossas Forças Armadas bombardearam ou invadiram nações muçulmanas tornaram pior a vida dos seus habitantes. As regiões onde os nossos Governos intervieram são as que mais sofrem com o terrorismo e guerra. Isto não é nem coincidência nem surpreendente.




E no entanto os nossos políticos nada aprendem. Insistindo na ideia que mais mortandade pode como que por feitiço resolver conflitos profundamente enraizados, eles espalham as suas bombas como se fossem pós mágicos.






George Monbiot

(www.monbiot.com)




Artigo publicado em “The Guardian”

(www.guardian.co.uk)

























Referencias

1. http://www.theguardian.com/guardianweekly/story/0,,1818778,00.html

2. http://www.theguardian.com/world/2014/aug/22/shia-attack-sunni-mosque-iraq

3. http://www.theguardian.com/world/2014/aug/24/iraq-frontline-shia-fighters-war-isis

4. http://www.theguardian.com/world/2014/aug/24/iraq-frontline-shia-fighters-war-isis

5. http://www.theguardian.com/world/2014/sep/29/iran-executes-man-heresy-mohsen-amir-aslani

6. http://www.theguardian.com/commentisfree/2014/sep/29/stand-up-for-blasphemers-like-mohammed-asghar-frankie-boyle

7. http://www.amnesty.se/upload/apps/webactions/urgentaction/2014/09/23/52302414.pdf

8. http://www.theguardian.com/world/us-embassy-cables-documents/242073

9. http://www.independent.co.uk/voices/comment/iraq-crisis-how-saudi-arabia-helped-isis-take-over-the-north-of-the-country-9602312.html

10. http://www.theatlantic.com/international/archive/2014/06/isis-saudi-arabia-iraq-syria-bandar/373181/

11. http://www.independent.co.uk/news/world/politics/islamic-state-us-failure-to-look-into-saudi-role-in-911-has-helped-isis-9731563.html

12. http://www.publications.parliament.uk/pa/cm201415/cmhansrd/cm140926/debtext/140926-0001.htm#1409266000001

13. https://firstlook.org/theintercept/2014/09/23/nobel-peace-prize-fact-day-syria-7th-country-bombed-obama/

14. http://www.publications.parliament.uk/pa/cm201415/cmhansrd/cm140926/debtext/140926-0001.htm#1409266000001

15. http://www.theguardian.com/commentisfree/2014/sep/26/west-isis-crusade-britain-iraq-syria

16. http://www.theguardian.com/world/2014/sep/28/isis-al-qaida-air-strikes-syria

17. http://www.haaretz.com/news/middle-east/1.616730

18. http://nypost.com/2013/12/15/inside-the-saudi-911-coverup/

19. http://www.theguardian.com/world/bae

20. http://www.theguardian.com/world/2010/feb/05/bae-saudi-yamamah-deal-background

21. Richard Brooks and Andrew Bousfield, 19th September 2014. Shady Arabia and the Desert Fix. Private Eye.




3 Comments
Fernando Vouga link
11/10/2014 07:24:28 pm

Caro amigo

Concordando na generalidade com esta peça, tenho no entanto alguns comentários a fazer.
Os conflitos armados são como as epidemias. Estas, não podendo ser combatidas em simultâneo, porque os recursos são sempre escassos, deverão ser alvo de prioridades. Porque, sendo umas mais perigosas (quiçá bárbaras e cruéis, como parece ser o caso do Ébola) do que outras, há que dar prioridade a uma em detrimento das restantes.
Assim sendo, não se pode meter tudo no mesmo saco e fazer passar a ideia de que há que fazer justiça tratando tudo da mesma maneira.

Reply
manuel.m
12/10/2014 03:08:12 am

Ontem mesmo, após uma reunião do pomposamente chamado "Comité Cobra" foi decidido promover nos principais aeroportos do RU à triagem dos passageiros afim de indentificar os possiveis contaminados pelo Ebola.
Uma vez que o periodo até aparecerem sintomas é de três semanas, medir a febre de quem entra é completamente inutil.
Assim o disseram vários médicos com responsabilidades na Saúde Pública que classificaram a medida como sendo meramente um exercicio de relações públicas.
É obvio que os bombardeamentos aereos no Iraque não resolverão o problema, que não terá solução sem a presença de "botas no terreno", coisa impossivel de aceitar pela opinião pública, o que os torna numa simples medida cosmetica
E voltamos ao principio: O que fazer ?

Reply
Fernando Vouga link
12/10/2014 07:52:35 am

Caro amigo

As "botas no terreno", como diz e muito bem, são inevitáveis, mais tarde ou mais cedo.
Porque a guerra não é nem nunca será um confronto de tecnologias. É e será sempre um confronto de vontades.
Na segunda Guerra Mundial, Roosevelt jurava a pés juntos que não entraria nela. Mas era só para americano ver, como se sabe.
E os soldados até deram o litro.

Quanto ao Ébola, concordo consigo. Talvez ande por aí alarmistmo a mais. E a indústria farmacêutica agradece...
Porém, mais uma vez, a vida de quem tem de andar de avião vai ficando mais negra.

Reply



Leave a Reply.

    Author

    manuel.m

    contact@manuel2.com

    Archives

    June 2018
    April 2018
    March 2018
    February 2018
    January 2018
    December 2017
    November 2017
    October 2017
    September 2017
    August 2017
    July 2017
    June 2017
    May 2017
    April 2017
    March 2017
    February 2017
    January 2017
    December 2016
    November 2016
    October 2016
    September 2016
    August 2016
    July 2016
    February 2016
    January 2016
    May 2015
    April 2015
    March 2015
    February 2015
    January 2015
    December 2014
    November 2014
    October 2014
    September 2014
    August 2014
    July 2014
    June 2014
    May 2014
    April 2014
    March 2014
    February 2014
    January 2014
    December 2013

    Click here to edit.

    Categories

    All

Proudly powered by Weebly