A GAZETA DO MIDDLESEX
BOMBARDEEMOS TODOS
Porque não aniquilar também as milícias Shiitas no Iraque? Uma delas em Junho escolheu ao acaso 40 pessoas nas ruas de Baghdad e assassinou-as por serem Sunitas (1). Outra em Agosto (2) massacrou mais 68 numa Mesquita. Elas falam abertamente numa “limpeza” e no “apagar” (3) dos Sunitas logo que o Estado Islâmico seja derrotado. Um destacado político Shiita avisa, “estamos em vias de criar grupos radicais de al-Qaida Shiitas que ultrapassem em radicalização a al-Qaida Sunita.”(4)
Que princípios humanitários impõem que não prossigamos? Em Gaza este ano 2.100 Palestinianos foram massacrados, incluindo gente que se tinha refugiado em escolas e hospitais. Não exigirão essas atrocidades que se lance uma guerra aérea contra Israel? E qual será o fundamento moral para não aniquilar o Irão? Mohsen Amir-Aslani foi enforcado nesse país por pretender fazer “inovações na religião”, (tendo sugerido que a história de Jonas no Alcorão era meramente simbólica e não literal) (5). Não deveria este caso provocar uma acção humanitária vinda dos céus? O Paquistão suplica por merecer as bombas amigas: Mohammed Asghar um cidadão Britânico idoso sofrendo de esquizofrenia está, como outros blasfemos, aguardando execução por ter afirmado ser um profeta sagrado (6).
E não será um dever urgente destruir a Arábia Saudita? Só este ano foram aí decapitadas 59 pessoas por crimes que iam desde adultério à bruxaria (7). Desde há muito que esse país é uma ameaça muito maior que o IS agora representa. Em 2009 Hillary Clinton afirmava num memorando secreto que “A Arábia Saudita continua sendo uma importante fonte de financiamento da al-Qa'ida, dos Taliban e de outros grupos terroristas”(8).
Em Julho , o antigo Chefe do MI6, Sir Richard Dearlove, revelou que o Príncipe Bandar bin Sultan, até então dirigente do serviço de informação Saudita, lhe tinha afirmado: “Não faltará muito tempo para que no Médio Oriente se ouça dizer literalmente 'Que Deus proteja os Shiitas'. Mais de um bilião de Sunitas estão fartos deles”(9). O apoio dado pelos Sauditas às milícias radicais Sunitas actuando na Síria enquanto Bandar desempenhava esse cargo é tido como sendo responsável pela rápida expansão do Isis (10,11). Porquê atacar os subalternos e poupar o quartel general?
As razões humanitárias apontadas no Parlamento (12), (Câmara dos Comuns-n.t.), se aplicadas com consistência poderiam ser usadas para arrasar todo o Médio Oriente e o Ocidente da Ásia. Dessa maneira poderíamos acabar com o sofrimento humano e libertar esses povos do vale de lágrimas em que vivem.
Talvez seja esse o plano: Barack Obama bombardeou até agora sete países de população maioritariamente muçulmana (13), justificando cada caso como sendo devido a um imperativo moral. O resultado, como pode ser visto na Líbia, Iraque, Paquistão, Afeganistão, Yemen, Somália e Síria, e não foi a erradicação dos grupos terroristas, dos conflitos, caos, morte, opressão e tortura. O Mal não foi varrido da face da Terra pelos anjos de destruição ocidentais.
Agora temos um novo alvo e uma nova razão para fazer cair misericórdia dos céus, com iguais possibilidades de sucesso. Sim, as práticas e os objectivos do Isis são revoltantes. Mata, tortura, aterroriza e ameaça. Como Obama afirma, é uma “organização de morte”(14). Mas é apenas uma das muitas que existem. E, pior que tudo, uma “cruzada ocidental” parece ser exactamente aquilo que deseja (15).
Os bombardeamentos de Obama já fizeram com que o Isis e a Jabhat al-Nusra, uma milícia rival pertencendo a Al Qaeda, se unissem (16). Mais de 6.000 novos combatentes aderiram ao Isis desde que estes ataques começaram (17). São exibidas as cabeças das vitimas em frente às câmaras de televisão como isco para os aviões de guerra. E os nossos Governos são tão estúpidos que o engolem.
E se os bombardeamentos tiverem sucesso? Se- e é um grande se- ele fizer pender a balança contra o Isis o que acontecerá? Começaremos de novo a ouvir noticias sobre os esquadrões da morte Shiitas e sobre o imperativo moral que será destrui-los também – e todos os civis inocentes que estejam no caminho. Os alvos mudam, a política não. Seja qual for o problema a resposta é sempre igual: Bombas. Em nome da Paz e da preservação da vida os nossos Governos levam por diante uma guerra eterna.
Enquanto as bombas caiem, os nossos Estados têm relações amistosas e defendem outras organizações de morte. O Governo Americano- apesar das promessas de Obama- recusa-se a publicar o relatório de 28 páginas do Joint Congressional Inquiry, (Comissão de Inquérito do Congresso dos E.U.A-n.t.), sobre o 9/11 que documenta a cumplicidade da Arábia Saudita no ataque (18). No RU, em 2004, o Serious Fraud Office, (SFO- Organismo oficial que investiga casos de corrupção-n.t.), começou a investigar pagamentos maciços de luvas pela BAE, companhia britânica de armamento, a ministros sauditas e seus intermediários. Quando provas importantes estavam prestes a ser divulgadas, Tony Blair interveio e suspendeu a investigação (19). O maior alegado beneficiário seria o acima mencionado Príncipe Bandar. O SFO procurava esclarecer se este teria recebido, com a aprovação do Governo Britânico, um pagamento secreto de 1 bilião de Libras feito pela BAE, tal como se suspeitava(20).
E isto continua. No numero da semana passada a revista Private Eye, ( Publicação satírica quinzenal cuja especialidade é a denuncia de irregularidades e escândalos do establishment político britânico-n.t.), baseada em gravações e e-mails, alegou que uma companhia britânica teria pago 300 milhões de Libras em luvas para facilitar um contrato de compra de armamento pela Guarda Nacional Saudita.
Não existem boas soluções que a intervenção militar Britânica e Americana possa produzir: Existem sim soluções políticas nas quais os nossos Governos poderiam ter um papel reduzido: apoiar o desenvolvimento de Estados viáveis que não dependam nem de milícias nem da violência, ajudar na criação de instituições civis que não recorram ao terror, proteger as populações em risco levando-lhes ajuda humanitária.
Onde quer que as nossas Forças Armadas bombardearam ou invadiram nações muçulmanas tornaram pior a vida dos seus habitantes. As regiões onde os nossos Governos intervieram são as que mais sofrem com o terrorismo e guerra. Isto não é nem coincidência nem surpreendente.
E no entanto os nossos políticos nada aprendem. Insistindo na ideia que mais mortandade pode como que por feitiço resolver conflitos profundamente enraizados, eles espalham as suas bombas como se fossem pós mágicos.
George Monbiot
(www.monbiot.com)
Artigo publicado em “The Guardian”
(www.guardian.co.uk)
Referencias
1. http://www.theguardian.com/guardianweekly/story/0,,1818778,00.html
2. http://www.theguardian.com/world/2014/aug/22/shia-attack-sunni-mosque-iraq
3. http://www.theguardian.com/world/2014/aug/24/iraq-frontline-shia-fighters-war-isis
4. http://www.theguardian.com/world/2014/aug/24/iraq-frontline-shia-fighters-war-isis
5. http://www.theguardian.com/world/2014/sep/29/iran-executes-man-heresy-mohsen-amir-aslani
6. http://www.theguardian.com/commentisfree/2014/sep/29/stand-up-for-blasphemers-like-mohammed-asghar-frankie-boyle
7. http://www.amnesty.se/upload/apps/webactions/urgentaction/2014/09/23/52302414.pdf
8. http://www.theguardian.com/world/us-embassy-cables-documents/242073
9. http://www.independent.co.uk/voices/comment/iraq-crisis-how-saudi-arabia-helped-isis-take-over-the-north-of-the-country-9602312.html
10. http://www.theatlantic.com/international/archive/2014/06/isis-saudi-arabia-iraq-syria-bandar/373181/
11. http://www.independent.co.uk/news/world/politics/islamic-state-us-failure-to-look-into-saudi-role-in-911-has-helped-isis-9731563.html
12. http://www.publications.parliament.uk/pa/cm201415/cmhansrd/cm140926/debtext/140926-0001.htm#1409266000001
13. https://firstlook.org/theintercept/2014/09/23/nobel-peace-prize-fact-day-syria-7th-country-bombed-obama/
14. http://www.publications.parliament.uk/pa/cm201415/cmhansrd/cm140926/debtext/140926-0001.htm#1409266000001
15. http://www.theguardian.com/commentisfree/2014/sep/26/west-isis-crusade-britain-iraq-syria
16. http://www.theguardian.com/world/2014/sep/28/isis-al-qaida-air-strikes-syria
17. http://www.haaretz.com/news/middle-east/1.616730
18. http://nypost.com/2013/12/15/inside-the-saudi-911-coverup/
19. http://www.theguardian.com/world/bae
20. http://www.theguardian.com/world/2010/feb/05/bae-saudi-yamamah-deal-background
21. Richard Brooks and Andrew Bousfield, 19th September 2014. Shady Arabia and the Desert Fix. Private Eye.