A GAZETA DO MIDDLESEX
*
CASSANDRA
* Figura da mitologia grega que
tinha o poder de prever tragédias
mas em quem ninguém acreditava
muito embora acertasse sempre.
Temos em primeiro lugar “Crisis in the Eurozone” , (Verso publishers-2012), pelo Professor Costas Lapavitsas, que dirige uma equipa de economistas num centro de estudos da University of London;
Vicky Pryce, (née Vasiliki Kourmouzi, Atenas 1952), que durante anos dirigiu o UK Economic Service, e que foi a autora de “Greekonomics”, (Biteback Publishing-2012) e finalmente Jason Manolopoulos, que escreveu “Greece's odious debt” (Anthem Press-2011). Quer Pryce quer Manolopoulos são Master's Econ. pela LSE, (London School of Economics).
A este grupo restrito pode-se juntar o nome do actual Ministro das Finanças Grego Yanis Varoufakis, que fez contudo a sua carreira académica nos Estados Unidos como se sabe.
Não será surpresa que as obras destes autores pela sua ligação ao seu país de nascimento sejam de leitura obrigatória devido ao seu profundo conhecimento dos antecedentes históricos, políticos e económicos que deram origem à crise actual.
Entre eles Costas Lapavitsas fez desde sempre o papel de Cassandra, sustentando uma posição diferente da seguida por Varoufakis e por Alexis Tsiparas, e que é evidente no artigo de sua autoria publicado no The Guardian em 6 de Março e que aqui se transcreve.
Enquanto estes acreditavam na possibilidade de obterem pela via da negociação um alivio nas medidas de austeridade impostas ao povo Grego e melhores condições de pagamento da divida publica, Lapavitsas sempre defendeu que a Grécia acabaria por ser forçada a abandonar o Euro. É o reconhecimento dessa realidade que leva Tsiparas a falar hoje num possível referendo na Grécia sobre essa eventualidade.
Entretanto em Portugal, e devido às próximas eleições, a acalmia consentida na implementação das medidas contidas no Pec, (abrandamento no ímpeto reformista, etc.) terá inevitavelmente fim e é bom não esquecer que apenas pouco mais de um terço dos cortes orçamentais previstos foram até agora feitos.
No Verão os acontecimentos na Grécia, (ou o Grexit ou a capitulação, e o regresso ao brutalismo alemão), atingirão Portugal como um tsunami e se a posição do presente governo não oferecerá duvidas, já convinha que o Partido Socialista se preparasse, (e à opinião publica), para a tempestade que aí vem.
Costas Lapavitsas
(The Guardian,6th March 2015)
“O acordo assinado entre a Grécia e a UE após três semanas de difíceis negociações é um compromisso obtido sob fortes ameaças económicas. O único resultado positivo para a Grécia foi o permitir a sobrevivência do Governo do Syriza até ao dia da próxima batalha. Esse dia não está longe. A Grécia vai ser obrigada a negociar um acordo financeiro de longo prazo já em Junho e tem de liquidar substanciais empréstimos que se vencem em Julho e Agosto. Nos próximos meses o Governo terá de encontrar um plano de acção se quiser ultrapassar esses obstáculos.
Em Fevereiro a equipa que representou a Grécia nas negociações foi vitima de uma dupla armadilha. Em primeiro lugar tratou-se da dependência dos Bancos Gregos do BCE como fonte de liquidez. Mário Draghi aumentou a pressão restringindo de imediato o acesso a essa liquidez. Alarmados com a situação os depositantes começaram a levantar fundos, e no final das negociações os bancos Gregos viam desaparecer um bilião de Euros por dia dos seus balanços.
Em segundo lugar veio a necessidade do Estado Grego em dispor de dinheiro com que fazer face ao serviço da divida e ao pagamento de salários. À medida que as negociações prosseguiam os fundos escasseavam cada vez mais. A UE liderada pela Alemanha esperou cinicamente que a pressão sobre os bancos Gregos se tornasse insuportável e a 20 de Fevereiro o governo de Syriza teve de aceitar as condições impostas ou enfrentar o caos financeiro para o qual não estava de modo nenhum preparado.
O acordo então alcançado garantia à Grécia quatro meses de financiamento, dependendo de inspecções regulares pelas “instituições”, ou seja pelo BCE, FMI e Comissão Europeia. O país foi obrigado a declarar que cumpriria todas as suas obrigações “total e atempadamente”. Além disso teve de prometer a implementação de “reformas” que iam contra os compromissos eleitorais do Syriza em diminuir os impostos, aumentar o ordenado mínimo, reverter as privatizações e combater a crise humanitária.
Ou seja, o governo do Syriza pagou um preço elevadíssimo para garantir a sua própria sobrevivência. A situação ainda irá piorar pelo estado calamitoso de economia Grega. O crescimento económico em 2014 não passou de uns anémicos 0,7% e no ultimo trimestre desse ano o PIB registou mesmo uma contracção. A produção industrial teve uma diminuição de 3.8% em Dezembro e as vendas a retalho, apesar da época de Natal, caíram 3.7%. Mas mais preocupante é a evolução dos preços que baixaram 2.8% em Janeiro deste ano, o que revela uma economia numa espiral deflacionária. Nesta situação insistir em aplicar medidas de austeridade e na obtenção de excedentes primários é pura loucura vingativa.
Os próximos quatro meses vão ser de luta constante para o Syriza. Não restam duvidas que o governo terá grande dificuldade de ultrapassar em Abril o exame das “instituições” e a libertação dos muito necessários meios financeiros.
Na realidade a situação é de tal maneira grave que tudo se poderá precipitar mesmo antes. A receita fiscal está à beira do colapso, em parte porque a economia está paralisada e em parte por os contribuintes estarem a diferir pagamentos ao fisco na expectativa de algum alivio da extraordinária carga fiscal imposta nestes últimos anos.
Mas, mesmo que o governo consiga vencer estes obstáculos, em Junho a Grécia terá de renegociar um acordo financeiro a longo prazo com a UE. Então a mesma armadilha de Fevereiro ultimo estará de novo pronta para entrar em acção.
Que podemos nós no Syriza fazer e como poderá a esquerda europeia ajudar ? O mais importante seria concluir desde já que chegou ao fim a estratégia de julgar possível que uma mudança radical pode ser obtida dentro dos parâmetros da moeda única. Essa estratégia permitiu a nossa vitória eleitoral ao prometermos ao povo Grego que poderíamos por termo às políticas de austeridade sem uma ruptura com a Euro-zona. Infelizmente os acontecimentos demonstraram sem qualquer espécie de duvida que tal não é possível e que é tempo de aceitar a realidade. Se o Syriza quiser evitar o colapso ou a rendição total, então teremos que ser verdadeiramente radicais.
A nossa força reside exclusivamente no enorme apoio popular de que ainda beneficiamos. O governo deveria rapidamente implementar medidas que trouxessem algum alivio aos tremendos sacrifícios impostos às classes trabalhadoras nos últimos anos : Suspensão do confisco das casas, eliminação das dividas das famílias carenciadas, voltar a fornecer electricidade que entretanto tenha sido suspensa por falta de pagamento, aumentar o salário mínimo e parar com as privatizações. Este foi o programa com que nos comprometemos. O atingir metas financeiras e o aceitar a monitorização pelas “instituições” deveriam tornar-se factores secundários na nossa política, isto se quisermos manter o apoio popular.
Ao mesmo tempo o nosso governo deveria entrar nas negociações a realizar no próximo mês de Junho com uma atitude totalmente diferente da que demonstrou em Fevereiro passado: A euro zona não é passível de reforma, e jamais se tornará numa união monetária que esteja do lado dos trabalhadores. A Grécia necessitará de pôr em cima da mesa um novo conjunto de opções e estar preparada para implementar medidas de excepção no que toca à liquidez financeira, na certeza que qualquer eventualidade pode ser enfrentada com sucesso se o povo Grego assim o decidir. Afinal de contas o país já vive numa situação catastrófica da responsabilidade exclusiva da UE.
O Syriza pode obter ajuda da Esquerda europeia apenas se esta abandonar as suas ilusões e começar a propor medidas racionais que possam livrar finalmente a Europa do absurdo em que a moeda única se tornou, e com isso acabar com as políticas de austeridade. O tempo urge porém.