A GAZETA DO MIDDLESEX
COMEÇOU
Às zero horas do passado dia 30 de Março, exactamente 25 dias úteis antes das eleições marcadas para 7 de Maio, o Parlamento Britânico foi pela primeira vez dissolvido automaticamente de acordo com o Fixed Term Parliaments Act de 2011 e começou oficialmente a campanha eleitoral. Até então, numa cerimónia cheia de pompa, era o Primeiro Ministro em funções que se deslocava a Buckingham Palace para solicitar à Rainha que assinasse o decreto real de dissolução. O facto de ser isso agora absolutamente escusado não impediu porém que David Cameron se dirigisse na mesma ao Palácio, numa acção de pura propaganda política destinada a tentar reforçar a sua imagem de estadista. Mas o mais caricato é que nessa mesma tarde o patético Vice Primeiro-Ministro Nick Clegg, líder do moribundo Partido Liberal-Democrata, igualmente pediu para ser recebido por Sua Majestade, invocando muito liberalmente uma obscura norma do protocolo, só para não ficar atrás do Primeiro-Ministro.
Conto começar a publicar diariamente na Gazeta breves apontamentos a partir da próxima Quarta-Feira, dia 8 de Abril, exactamente 30 dias antes do acto eleitoral, sobre o que entretanto se vai passando. Apontamentos que não serão um relatório exaustivo, mas sim um relato do que mais interessante penso ir acontecendo, juízo esse feito por quem como eu, pese a aculturação, conserva um certo olhar Português sobre as coisas. Um necessário caveat lector é agora porém devido: Militante que sou do Labour Party, e apesar da minha idade apenas permitir pouco mais do que uma participação simbólica, lá andarei fazendo o que posso. Talvez seja interessante contar essa experiência vista com o mesmo olhar de que acima falei, e o leitor fará as devidas comparações com a realidade Portuguesa, garantindo eu que algumas serão surpreendentes.
Antes de falar dos actores é conveniente, creio, descrever o palco e os seus adereços para melhor se compreender a peça que se irá representar:
O mais importante é saber-se desde já que a 7 de Maio não será disputada uma só eleição mas sim 650, tantas quantos são os Membros do Parlamento a eleger, um por cada circunscrição, eleições essas que serão todas independentes umas das outras. O Reino Unido, de seu nome completo Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, é constituído por quatro Nações distintas, elegendo cada uma delas um numero determinado de deputados. Assim dos 650, a Inglaterra elege 533, a Escócia 52, o País de Gales 40 e finalmente a Irlanda do Norte 16. A residência é o que determina onde se vota e não a nacionalidade: Um Galês residente em Inglaterra é nesse país que vota, como é na Escócia que vota um Inglês aí residente. Quanto aos Partidos existem algumas particularidades: Os nacionais podem concorrer em qualquer circunscrição ao passo que os nacionalistas, caso do SNP (Partido Nacionalista Escocês) e do Plaid Cymru (Partido Nacionalista Galês), só podem concorrer respectivamente na Escócia e no País de Gales.
Os sistemas eleitorais Britânico e Português diferem completamente e julgo estar em boa posição para aferir dos respectivos vícios e virtudes. A democracia, dita representativa, tem este problema de em como traduzir a vontade popular expressa no voto no modo de governar a coisa publica.
Olhemos primeiro para o caso Britânico:
A circunscrição eleitoral é o elemento constituinte do sistema, contando com pouco mais de 60.000 eleitores até um máximo que não chega aos 80.000, e onde cada Partido apresenta apenas um candidato. Aquela onde vivo, a Uxbridge and South Ruislip Constituency, foi representada nos últimos 20 anos no Parlamento por John Randall do Partido Conservador, que desta vez não se recandidata. Reforçando a ligação entre os deputados eleitos e os eleitores, e a sua legitimidade política, no caso de morte ou demissão do titular a sua substituição terá sempre de ser feita através de uma nova eleição intercalar. Todos os membros do Governo deverão ter sido eleitos Membros do Parlamento e terão também de pertencer ao Partido vencedor das eleições, ou Partidos, se for uma coligação como é o caso presente,. A figura de independentes no Governo não existe. Na Grã-Bretanha todos sabem o nome do seu MP com o qual se estabelece uma relação próxima. Cada um deles tem na sua circunscrição o seu escritório, (aqui chamado apropriadamente cirurgia, onde é posta à prova a paciência do deputado) e onde semanalmente recebe os cidadãos e ouve as respectivas queixas. Nenhum se atreve a cortar o cordão umbilical com o seu eleitorado. Além disso na Net é possível saber qual o sentido dos votos do nosso MP durante a legislatura e, sendo certo que não se pode agradar a todos, é por sua conta e risco que ignora a opinião da maioria do seu eleitorado.
As revoltas no Parlamento contra as direcções partidárias são frequentes. Ainda recentemente David Cameron passou pelo vexame de ter a maioria dos seu deputados votando contra o Governo quando da aprovação do casamento entre indivíduos do mesmo sexo e no Verão de 2013 o vexame não foi menor quando, tendo pedido um mandato do Parlamento para intervir militarmente na Síria, a proposta foi derrotada pelos seus próprios deputados Conservadores.
Portanto estas são as rosas:
Os deputados mantêm com o eleitorado da sua circunscrição uma ligação estreita, dependendo dele para garantir a sua reeleição, o que lhes confere independência sobre os directórios partidários. Além disso, as estruturas locais têm o poder de veto sobre o nome de candidatos que eventualmente as direcções nacionais lhes queiram impor.
Enumeremos agora os espinhos:
Em cada circunscrição para ganhar basta que o candidato vencedor tenha apenas mais um voto do que o segundo mais votado. Apenas esse será eleito para o Parlamento.
Este sistema favorece o bi-partidarismo e está feito para gerar maiorias absolutas, mas implica que uma larga faixa do eleitorado não tenha uma representação parlamentar de acordo com o seu peso eleitoral.
Segundo as sondagens, Conservadores e Trabalhistas terão neste momento cerca de 34% dos votos cada, o que segundo as projecções corresponderá a perto de 560 deputados para ambos, ficando apenas 90 lugares para distribuir entre os restantes 32% dos votos.
Veja-se o que se passa actualmente com o Ukip, (tirando qualquer tipo de simpatia, que obviamente não tenho) : Segundo as sondagens este poderá ter cerca de 16% da votação, mas estando esses votos dispersos pelo país as mesmas projecções apontam para que apenas consigam eleger dois ou três deputados.
Os leitores conhecerão melhor do que eu a realidade Portuguesa: É verdade que o método de Hondt garante uma representação Parlamentar mais equilibrada, mas o eleitorado ao votar em Partidos e não em candidatos dá aos directórios partidários um poder absoluto, sendo a mais leve dissidência punida com erradicação do culpado das listas nas próximas eleições.
O poder legislativo foi portanto totalmente capturado pelo poder político, e a Assembleia da Republica não é verdadeiramente um Parlamento mais parecendo, perdoem a franqueza, um armazém de factotums. Pesando as deficiências de cada um, é para mim claro onde estará o menor dos males.
Eis portanto uma descrição breve do palco onde será representada a comédia, ou tragédia, das próximas eleições britânicas.
Aguardam-se os próximos capítulos ou, como aqui se diz, watch this space.