A Gazeta do Middlesex

Da Vida Breve III

20/1/2014

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             DA VIDA BREVE

          (de brevitate vitae ad Paulinum)

                      CARTA A PAULINO

                                    III

                   Lucius Annaeus Seneca

                             (4bc-65ad)




(conclusão)




Portanto deves combater a velocidade do tempo com a rapidez com que o usas, com se estivesses a beber sofregamente de uma corrente que sabes que não irá fluir para sempre. O poeta fala-te do dia, deste mesmo dia, que se está a escoar.

Tal como aqueles viajantes que tendo estado entretidos na conversa, lendo ou absortos em profunda meditação, descobrem subitamente que já chegaram ao seu destino sem se aperceberem, assim é esta extremamente rápida jornada da vida que nós, dormindo ou acordados, fazemos sempre ao mesmo ritmo e que chega ao fim para nossa surpresa.

Se quisesse dividir este meu tema em vários capítulos e apresentar provas, não me faltariam argumentos para demonstrar que os inconscientes acham a vida muito curta. Mas como Fabiano costumava dizer, ele que não é um desses filósofos modernos mas sim um dos à moda antiga, devemos atacar as paixões com força bruta e não com a lógica, que as linhas inimigas devem ser quebradas por um forte ataque e não com beliscões, e que os vícios devem ser esmagados e não apenas alfinetados.

A vida é dividida em três períodos: Passado, presente e futuro. Destes, o presente é curto, o futuro duvidoso, e o passado certo. É sobre este último que a Fortuna deixou de ter poder, e é aquele que não pode ser trazido de volta para ser dominado seja por quem for. Mas é esse passado que os perturbados perdem : Porque não têm tempo para o lembrar e mesmo se o fizessem, não lhes seria agradável recordar episódios que os envergonham. E assim não querendo recordar os dias mal gastos, não aceitando reviver os pecados cometidos, os quais à luz do presente são tão óbvios, despidos como agora estão dos encantos dos prazeres momentâneos que na altura proporcionaram, não podem voltar ao passado a menos que tudo que nele acontecido pudesse passar o crivo da sua consciência, aquela que não é possível enganar.

O homem que deve temer a sua memória é aquele que foi ambicioso na sua ganancia, arrogante no seu desprezo, descontrolado nas suas vitórias, traiçoeiro nas suas mentiras, rapace nas suas pilhagens e desperdiçador nos seu gastos. E no entanto é este mesmo passado que é sagrado e imutável, que está para além da acção humana e fora da influencia da Fortuna. Não pode ser alterado ou ser-nos tirado : Pertence-nos, imperturbável e eternamente.

No presente só temos um dia de cada vez, cada um proporcionando um minuto de cada vez. Mas todos os dias do passado virão ao teu chamamento: Podes analisa-los um a um , com tempo, demoradamente, coisa que os perturbados não dispõem. Apenas um espírito em paz e livre de cuidados pode explorar todas as etapas da sua vida: As mentes dos perturbados, como se estivessem amarradas a um tronco, não conseguem voltar-se e olhar para trás. E por isso as suas vidas desaparecem num abismo; É como tentar encher uma vasilha sem fundo, não importa quanta seja a água que nela se deite que ela nenhuma consegue reter, e da mesma maneira não interessa quanto seja o tempo que nos é dado se ele não puder assentar; escapará por entre as fendas e os buracos da mente. O momento presente é muito curto, de tal maneira que muita gente nem dele se dá conta. Porque está sempre em movimento, sempre numa correria, e subitamente assim que chega já passou, não se detendo nem se atrasando, tal como o movimento das estrelas do firmamento que nunca estão no mesmo lugar. E é assim que os perturbados vivem apenas o momento presente o qual de tão curto que é não pode ser agarrado, e nem mesmo disso se apercebem tão ocupados que estão.

Numa palavra, queres saber porque é que não têm uma vida longa ? Observa como eles a desejam; velhos frágeis suplicam por mais uns anos; fingem ser mais novos do que são, confortam-se com esta ilusão e enganam-se a si próprios como se conseguissem igualmente enganar o destino. E quando finalmente uma doença lhes lembra a sua mortalidade, de que maneira tão aterrorizada é aquela como morrem ! É como se não estivessem a abandonar a vida, mas sim a ser arrastados para fora dela ! Exclamam que loucos foram, porque só nessa altura compreendem que não viveram realmente, e então prometem que se escaparem então sim, viverão como deve ser. Reflectem tristemente sobre as coisas que juntaram e que nunca poderão usufruir, e em como todos os seus trabalhos foram em vão.

Mas para aqueles cuja vida não foi dedicada às coisas mundanas, esta foi certamente suficientemente longa. Nenhuma parte dela foi desbaratada, nenhuma gasta por aqui e ali, nenhuma perdida descuidadamente, a nenhuma parte não foi dado o devido valor, nenhuma foi supérflua e toda ela foi, por assim dizer, bem investida.

E mesmo que tenha sido curta foi completamente suficiente e portanto nenhum homem sábio hesitará, quando chegar a hora, em enfrentar a morte com um passo firme.

De todas as pessoas apenas aquelas que dispõem de algum tempo livre para dedicar à filosofia estão realmente vivas. Não só cuidam do seu tempo como juntam à sua própria vida a sabedoria do passado. A menos que sejamos muitíssimo ingratos, todos aqueles insignes fundadores das sagradas correntes de pensamento nasceram para nós, e prepararam para nós um modo de viver. Graças às provações  por eles sofridas, somos levados à presença das coisas que souberam tirar da escuridão para a luz do dia. Nada do passado nos é vedado se possuirmos a elevação de espírito necessária para ultrapassar a estreiteza da fragilidade humana.

Podemos argumentar com Sócrates, manifestar dúvidas com Carneades, cultivar o isolamento com Epicuro, transcender a natureza humana com os Estóicos, e ir além dos seus limites com os Cínicos.

E uma vez que a natureza nos permite viver em comunhão com todas as épocas passadas, porque não voltar resolutamente as costas a este breve instante chamado vida e entregarmos-nos inteiramente ao passado, ilimitado e eterno e que podemos partilhar com quem foi melhor do que nós ?

Que poderá ser mais proveitoso do que ter como amigos Zeno, Pitágoras, Demócrito, e todos os outros grandes sacerdotes dos estudos liberais como Aristóteles e Teofrasto ?

Nenhum estará jamais demasiado ocupado para vos poder atender, e nenhum se despedirá das suas visitas sem que elas partam mais felizes do que quando chegaram, jamais voltando de mãos vazias. Noite e dia lá estarão prontos a receber quem os procurar.

Nenhum deles vos forçará a morrer, mas todos vos ensinarão em como morrer. Nada quererão de vós, mas juntarão as vidas deles às vossas. Com nenhum a conversa será perigosa, com nenhum a amizade se revelará fatal ou o convívio dispendioso. Deles poderão levar o que quiserem e não será sua culpa se não tomarem o necessário.

Que felicidade, que boa velhice espera aqueles que se tornarem deles clientes ! Terão amigos cujo sábio conselho poderão pedir sobre todas as questões, das mais importantes às mais triviais, e dos quais ouvirão sempre a verdade e nunca insultos nem lisonja.

Temos o costume de dizer que não esteve nas nossas mãos escolher os nossos pais, mas podemos no entanto escolher de quem queremos ser filhos, e estas são famílias com os mais nobres dos intelectos e de quem herdarão não apenas o nome mas como também os bens. Mas estes, contrariamente aos outros, não será necessário guardar ciosamente, pois quanto mais forem partilhados mais crescerão. Oferecem graciosamente uma via para a imortalidade e elevar-vos-ão a um pedestal do qual ninguém vos poderá apear.

Esta é a única maneira de prolongar a mortalidade – mesmo transforma-la em imortalidade.

Honras, monumentos, tudo aquilo que os ambiciosos quiseram ou construíram serão rapidamente destruídos : Não há nada que resista à passagem do tempo, mas nada afectará as obras que a filosofia consagrou, nenhuma geração futura as poderá apagar ou diminuir, pelo contrário, o passar dos anos apenas aumentará a veneração por elas.

Para o filósofo o tempo passou : ele recorda-o na sua memória. O tempo é o presente : ele usa-o. È tempo do futuro: ele antecipa-o. È esta combinação de todos os tempos num só que lhe confere uma vida longa.

Mas a vida é curta e angustiante para aqueles que esquecem o passado, negligenciam o presente e temem o futuro. E quando chegam ao fim esses pobres coitados percebem tarde de mais que gastaram todo o seu tempo ocupados em fazer nada.

Por isso, meu caro Paulino, afasta-te da multidão uma vez que já sofreste mais tempestades daquelas que a tua idade merecia, e deves finalmente procurar um porto de abrigo. Considera quantas foram as vezes que encontraste um mar encapelado, quantas tormentas- algumas na tua vida privada- outras que te fizeram sofrer na tua vida pública. O teu valor foi inúmeras vezes demonstrado quando eras um modelo no desempenho dos teus cargos: Terás agora que demonstrar o mesmo valor quando gozares o merecido descanso. A maior parte da tua vida, certamente a melhor, foi passada ao serviço do Estado : É altura de gastares o teu tempo contigo próprio. Não estou a sugerir que fiques ocioso ou que passes os dias a dormir ou a gozar aqueles prazeres favoritos das massas incultas. Isso não é estar em repouso. Verás que quando te retirares da vida activa e gozares de paz de espírito estarás totalmente ocupado com actividades muito mais importantes do que aquelas que desempenhaste com tanta energia.

Logo quando vires alguém usando as vestes do seu alto cargo, alguém cujo nome é muito falado no Fórum, não o invejes : Essas coisas são conseguidas à custa de uma vida. Para gozarem um ano de fama delapidaram todos os anos que viveram.

Muitos homens lutaram no inicio das suas carreiras até conseguirem atingir as alturas das suas ambições. Muitos arrastaram-se sofrendo mil indignidades para puderem alcançar a dignidade de um alto cargo, para no fim tristemente concluírem que tudo por que passaram não valeu mais do que um simples epitáfio.

Viveram as suas vidas sem gosto, sem se tornarem melhores pessoas, e sem pensarem que um dia a morte chegaria. Aliás, muitos deles até para depois da morte planearam o futuro, construindo opulentos mausoléus e deixando ordens para funerais de ostentação, mas na realidade o que mereciam era o mais modesto dos enterros, como se fossem crianças pobres a caminho da sepultura, tão curta e sem sentido foi afinal a sua vida.



(texto editado e traduzido por manuel.m)















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