A Gazeta do Middlesex

Dos Filósofos

9/3/2014

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          Carta a Lucílio

  
(epistulae morales ad Lucilium)


             Lucius Annaeus Seneca
                          (5bc-64ac)






                                                "DOS FILÓSOFOS"

Eu aplaudo e alegro-me com o facto de  tú persistires nos teus estudos e , pondo de lado tudo o resto, fazeres o objectivo de cada dia o tornares-te um homem melhor. Eu não te exorto simplesmente a continuares ; Eu súplico-te que o faças. No entanto aviso-te que não procedas como aqueles que buscam a notoriedade  ao provocarem comentários devido à sua indumentária ou, de uma maneira geral, pelo seu modo de vida. Vestes sujas, uma cabeleira desgrenhada, uma barba hisurta, o proclamar abertamente desprezo pelas baixelas de prata, e o de se preferir dormir no chão nú, ou outras formas de exibicionismo, devem ser evitadas. A dedicação à Filosofia já causa por si bastante escárnio para que pioremos as coisas ao rejeitarmos abertamente o modo de vida dos outros cidadãos.


Interiormente devemos ser diferentes em todos os aspectos, mas exteriormente devemos conformarmos-nos com os usos da Sociedade. Não uses uma toga demasiado rica ou vistosa. Não é necessário comer em louça de prata com incrustações de ouro; mas não devemos pensar que a ausencia de prata e ouro é  prova de uma vida simples. Mantenhamos portanto padrões  mais elevados que os das multidões, mais elevados mas não contrários, de outro modo estaríamos a repelir aqueles que tentamos ajudar. O resultado seria a sua recusa em imitar-nos em algumas coisas com o receio de terem de nos imitar em todas as coisas. A primeira regra que a filosofia ensina é o sentimento de irmandade com todos os homens; por outras palavras, simpatia e sociabilidade.  Estaríamos a afastar-nos dos nossos objectivos se não fizessemos assim. Como sabes o nosso lema é “Vive de acordo com a Natureza” mas seria contrário à própria Natureza torturar o corpo, odiar a elegancia simples, ser  propósitadamente sujo, comer coisas repelentes. Tal como é sinal de  luxo usar  coisas ricas e delicadas, é sinal de fraco juízo rejeitar o que é habitual e que pode ser adquirido por pouco. A filosofia demanda uma vida simples mas  não uma penitência, e pode-se perfeitamente ser simples e limpos ao mesmo tempo.


Este é a vida que defendo:  Um equilibrio entre as dos sábios e as do mundo em geral. As pessoas deverão admirá-la, mas compreende-la também. Deveremos portanto agir como toda a gente ? Deverão não existir diferenças entre nós e o mundo? “Sim, e uma bem grande”, mas que sejam os outros a perceber, se olharem bem, que somos diferentes do rebanho e quando nos visitarem que seja por nós e não pela nossa riqueza. Grande é um homem que usa louça de barro como se fosse de prata, mas é igualmente grande aquele que usa prata como se fosse barro. Instavel é a mente que não suporta a ideia de riqueza.


Mas, por hoje, gostaria de partilhar contigo os ensinamentos de Hecato, que aconselham a limitar os nossos desejos para curarmos os nossos medos.


“
Deixa de ter esperança”, diz ele, “e deixarás de ter medo”. Mas, perguntarás: “Como sentimentos tão diferentes podem estar lado a lado?”. Desta maneira, meu caro Lucílio:  Embora pareçam opostos estão na realidade ligados. Assim como as mesmas correntes prendem o prisioneiro e o seu guarda, a esperança e o medo andam juntos: À esperança segue-se o medo. Ambos são sinal de um espirito que se deixa perturbar na tentativa de conhecer o futuro,  não se   adaptando ao presente. E desta maneira a capacidade humana de fazer previsões em vez de ser útil torna-se uma desgraça.

 Os animais fogem dos perigos que os ameaçam, e uma vez livres deles regressam a uma existencia tranquila . Ao contário, nós homens atormentamos-nos igualmente com o que já aconteceu e com o que poderá vir a acontecer. A nossa memória recorda os infortunios passados enquanto que, tentando advinhar o futuro, os antecipamos. O presente somente não torna ninguém infeliz. Até sempre.



 









1 Comment
Alcina Mila
9/3/2014 07:29:10 pm

Mais um texto fantástico do Seneca.
A ideia que se possa comer em pratos de prata como se fossem de barro é incrível...
Mas o que retiro com maior relevância é a frase "interiormente de vemos ser diferentes em todos os aspectos, mas exteriormente devemos conformarmos-nos com os usos da sociedade". Tento seguir este lema e dou-me sempre bem.

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