A Gazeta do Middlesex

Dos Medos Infundados

5/2/2014

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        DOS MEDOS INFUNDADOS

                     CARTA A LÚCILIO

                   (epistulae morales ad Lucilium)

                              Lucius Annaeus Seneca

                                          (4bc-65ac)

                                                                                                                     








Eu sei que tens bastante ânimo; mesmo antes de teres aprendido lições eficazes para conseguires vencer os azares do destino, já tinhas razões para te sentires orgulhoso dos teus encontros com eles, e ainda mais agora depois dessas lutas terem testado a tua resolução. Porque nunca poderemos verdadeiramente acreditar em nós próprios antes de sermos posto à prova pelos desafios da vida. Apenas desta maneira acreditaremos que nunca nos deixaremos submeter por nada que seja exterior a nós.

Esta é a verdadeira medida do nosso animo ; nenhum lutador pode entrar em combate acreditando na vitória sem ter marcas de combates anteriores, sem ter derramado o seu próprio sangue , sem ter caído fisicamente mas não moralmente, para sempre se levantar de novo e cada vez com mais força.

Sabendo tudo isto, gostaria no entanto de te aconselhar algumas medidas de precaução com que possas fortalecer as tuas defesas. É que, Lúcilio, existem muito mais coisas que nos assustam do que aquelas que nos podem derrotar; sofremos muito mais devido à imaginação do que devido à realidade. Não falo como um Estóico, mas como alguém mais moderado. Nós, os Estóicos, falamos das coisas que causam sofrimentos e dor como não sendo importantes, como indignas da nossa preocupação; mas, tú e eu, deixemos por ora de lado esses grandes principios, por muito verdadeiros que sejam.

 O que te aconselho é que não sejas infeliz antes do mal acontecer; porque os perigos que hoje te fazem empalidecer como se realmente te ameaçassem podem nunca se realizar, e certamente ainda não  aconteceram. Portanto algumas coisas atormentam-nos mais do que deviam, antes do que deviam, e muitas não nos deviam atormentar de todo.

Temos o hábito de exagerar, ou imaginar, ou antecipar o desgosto. Interroga-te a ti próprio sobre os teus sentimentos, porque conheces-te melhor do que ninguém. Deves começar por perguntar se os teus temores são reais ou imaginários, sabendo que o que nos atormenta são sempre coisas do presente ou do tempo que há-de vir. Se forem do presente a resposta é fácil, se gozares de boa saúde e possuires razoáveis meios de sustento. Quanto ao futuro já veremos, mas hoje tudo está bem. “Mas”, dirás, “algo irá acontecer”. Mas pensa um pouco e examina com lucidez as coisas que te causam esses temores e verás que as piores são as inexistentes, pois a realidade tem fronteiras bem definidas, enquanto que o imaginário faz com que uma mente assustada cavalgue sem freio os seus medos. Nada é pior que o medo do medo, tão irracional é o pânico.

 Portanto olhemos racionalmente a situação: É possivel que o futuro traga problemas, mas por agora tudo está bem. Quantas vezes o inesperado aconteceu ! E quantas vezes o que era esperado nunca se deu! De que servirá correr de encontro do infortunio? Bem basta o sofrimento quando ele chegar, entretanto pensemos em coisas melhores. O que ganharemos com isso? Tempo. Muitas coisas podem acontecer que evitem as tribulações que parecem iminentes. Casos há de homens que sobreviveram aos próprios carrascos. No último instante a espada falha o golpe mortal. Mesmo a má sorte é caprichosa e muda súbitamente.

Portanto sopesa cuidadosamente as tuas esperanças e os teus medos e na dúvida decide a teu favor, acredita no que fôr melhor. E se o medo tiver a maioria dos votos, mesmo assim volta-lhe as costas e vai em sentido contrário. Que sejam outros a dizer: “Talvez o pior nunca aconteça !" Tú deverás dizer: “Muito bem, e se realmente acontecer ? Veremos quem ganha! Talvez até esse pior seja afinal um bem que dê um novo sentido à minha vida! ” Sócrates ganhou a imortalidade ao beber a cicuta. Tivessem tirado a Catão a sua espada, antes que ele com ela tivesse tirado a própria vida, e tê-lo-iam privado do seu momento de maior glória . Até sempre.



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