A Gazeta do Middlesex

Le Portugal á Vol d'Oiseau

19/4/2014

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                           LE PORTUGAL Á VOL d'OISEAU


Em 1879 publicava-se em Paris um livro com o titulo “Le Portugal à Vol d'Oiseau” e sub-titulo “Portugais et Portugaises” , da autoria de Maria Rattazi, ou melhor, da Princesa Rattazi no qual, e na forma de vinte e cinco cartas, a autora descreve as suas impressões colhidas entre 1876 e 1879, período em que residiu em Portugal. A sua estadia constituiu um verdadeiro acontecimento social e cultural , uma rara oportunidade para num país remoto e esquecido se ver de perto uma personalidade da realeza europeia. Por onde andou, e a visitante percorreu grande parte do país, foi recebida com a reverencia devida ao seu real estatuto, com saraus, banquetes e missas Te Deum laudamus.

Mas a edição portuguesa de 1880, que recebeu o titulo “Portugal de Relance”, foi uma autentica “bomba” pois a autora, embora num estilo ameno e aparentemente benevolente, descreve os indígenas como sendo ignorantes, boçais e mal comportados, o que foi sentido por muitos como uma vil traição, tendo-se distinguido Camilo Castelo Branco nos insultos à ingrata visitante. Outros, como Antero de Quental, reconheceram com triste resignação alguma justeza nas farpas da Rattazi, e o leitor lendo os excertos aqui publicados, também à vol d'oiseau, fará o seu juízo.







A Rattazi que passou dois Invernos a desfrutar

os literatos de Lisboa, publicou agora um livro

sobre Portugal, delicioso. Imagine-se uma

parisiense descrevendo ao vivo estes mirmidões!

Não se fala noutra coisa e está tudo furioso.




Antero de Quental-carta a João Lobo de Moura,

Janeiro de 1880










Non, lá vraimente elle est bien bonne !...

Ce petit complot de Lisbonne,

c'est neuf, piquant, original,

On vole,on tue,on crie,on pille

Tout celá se passe en famille

Ah! L'on s'amuse en Portugal!




Le Figaro, 23 de Maio 1870

“ O moderno principio social de Portugal que descobri em relação ao sumário desta carta é o seguinte «trabalhar o menos possível e ganhar dinheiro o mais comodamente possível».

É em virtude deste principio que vemos surgirem e florescerem em Portugal tantas casas bancárias e de jogo, que vemos tentar tantas especulações arriscadas e temerárias-como as das minas- tantas industrias honrosas como os montepios, rebatedores e agiotas, as mil encarnações de Shylock, e os pequenos batalhões dos pequenos capitais do Sr. de Rothschild, em febril actividade.

Não é negocio de pequena monta, penetrar em algumas dessas instituições sociais e morais; nem todos teriam coragem para isso. Tenho-a eu porque me dá a afeição por este heróico e bom país, que desejaria ver como eu o sonho.




Há uma coisa que é difícil acostumar-nos neste país, e contudo é forçoso aceita-la sob pena de nada compreendermos do que aí se passa, que é o desacordo que existe entre as leis e os costumes: As leis estão de um lado e os costumes de outro; e para se dizer a verdade, as leis são como teias de aranha de que os costumes se riem, que permitem que subsistam, como que por amor aos contrastes, e que destroem logo que se tornam incomodas.

Existe no Código Penal português um artigo que proíbe formalmente os jogos de azar e que condena a penas severas aqueles que exploram casas de jogo. É o artigo 267.º mas as referidas casas existem e pululam por todo o lado, toda a gente sabe onde se situam.

Um português, a quem manifestei a minha estranheza, revelou-me que é necessário conhecer certos segredos para se perceber como tudo funciona. Muitas pessoas altamente colocadas frequentam essas casas e a sua presença dá-lhes protecção. Algumas têm como sócios gente importante e a mais conhecida é propriedade de um primo, sobrinho ou parente de um ministro qualquer. Outra pertence a um opulento industrial, que dela recebe os lucros. Compreende, portanto, o leitor que, se se tocar numa é fatal tocar noutras. Irritar, descontentar certas pessoas ! Vamos ! Pensam em semelhante desacato? É preferível deixar a gangrena alastrar pouco a pouco e invadir o corpo todo.

As casas de jogo tornaram-se uma epidemia; nas praias balneatórias de Cascais, da Figueira, de Espinho há roletas; em Coimbra há muitas, no Porto contam-se às dezenas.

Tudo isto vive, espreguiça-se e engorda à luz do Sol, sob a protecção da policia, que deveria precisamente cercá-las e fechá-las sempre que fossem denunciadas.

Mas o desprezo pela lei nem sempre é, ainda assim, o filho amado em Portugal, e o código penal, que castiga os jogos de azar, nem sempre é letra morta. Assim se estabelecerdes em Lisboa, numa praça pública o primitivo jogo do ganha-bolos, podereis ter a certeza que a justiça vos mandará para o degredo.




Em Lisboa há uma bolsa que se situa na Praça do Comercio, numa das extremidades, à beira Tejo. Se aquele que perdeu uma fortuna tiver desejos de se deitar a afogar, não precisa de ir longe.

As somas que se perderam na Bolsa de Lisboa no jogo dos fundos são incalculáveis, e nem o comprador nem o vendedor têm com que pagar esses títulos.

Mas há ainda pior : No código penal português existe um artigo,o 273.º, concebido nestes termos :
«Aquele que convencionar a venda ou a entrega de fundos do Governo, ou de fundos estrangeiros, de estabelecimentos públicos ou companhias anónimas, se não provar que ao tempo da convenção tinha esses fundos à sua disposição, ou que os devia ter ao tempo da entrega, será punido com pena de prisão de quinze dias a seis meses, e multa correspondente.

# único : O comprador, se for conhecedor das circunstancias declaradas neste artigo, será punido com metade destas penas»

Bem empregado tempo ! Eis aqui o que é falar. Mas onde está o executor da lei ? É talvez o primeiro a violá-la.

Da Bolsa aos Bancos, o caminho não é longo. Porque se os Bancos não fazem parte da mesma família de negócios clandestinos ou públicos, têm pelo menos as suas afinidades.




Poder-se-ia crer que o comércio de Lisboa e de Portugal, aproveitando-se deles, encontraria um pouco de crédito. Profundo erro ! Os negócios em vez de prosperar vão de mal a pior, especialmente para o pequeno comércio.

Por fim do ano de 1878, e por espírito de imitação, o Banco Ultramarino expiou, como o Banco de Bruxelas, as leviandades de uma péssima administração e o abuso de um guarda-livros, de um exército de empregados e de directores que meteram a mão nas algibeiras...dos outros, postas sob a sua guarda.

No dia imediato ao desastre, o tesouro público punha à disposição do Banco Ultramarino a soma de dois milhões de francos, o dobro dos desvios de fundos.

Aqui temos guarda-livros, tesoureiros, empregados e directores que vão ao banco dos réus responder perante a justiça- se a justiça intervier no caso- por factos que se lhes imputam, e o Governo corre em auxilio do cofre despojado !

Porquê?...Porque razão?...Como é que os dinheiros do Estado têm a ver com uma Sociedade constituída por accionistas de entre os quais alguns, grandes e pequenos, são gatunos?

E que com que direito aqueles que administram os dinheiros públicos, aos quais as Cortes consignaram destino especial, podem aplicá-los a socorrer um Banco em falência ?

Questões importantes em toda a parte, mas que aqui seriam impertinentes.”







(continua)







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