A GAZETA DO MIDDLESEX
A MORTE
DE
MARTIN McGUINESS
Morreu Martin McGuiness. Um terrorista, um homem com as mãos sujas de sangue, dizem. Na verdade, desde jovem que McGuiness, como católico e comandante do IRA (Irish Republican Army), esteve envolvido no terrível conflito que dilacerava a Irlanda do Norte, dividida como estava entre duas facções: Uma, formada por católicos e republicanos que lutava pela adesão do Ulster à Republica da Irlanda e outra, de protestantes leais à Coroa Britânica, que defendia a permanência no Reino Unido. Os católicos, cerca de 40% da população, tinham contra si um sistema legal que os descriminava em muitos aspectos da vida publica, o que levou à criação em 1960 de um movimento católico de defesa dos Direitos Civis, movimento imediatamente reprimido pelos Unionistas chefiados pelo Reverendo Ian Painsley, um radical de ultra-direita.
A luta que se seguiu iria durar trinta anos e causar mais de 3.500 mortos. Por cada atentado à bomba levado a cabo pelos republicanos seguia-se outro, pelo menos tão mortífero, de autoria dos Unionistas, e vice-versa. Os mortos exigiam vingança e ainda mais mortos, o sangue derramado ainda mais sangue, uma espiral de violência e ódio que parecia não ter fim. Em Londres, o Governo cometerá o pior erro possível ao enviar o exército com a missão de manter a ordem publica: Num Domingo, que ficou conhecido como o Domingo Sangrento, (como se todos os dias, incluindo Domingos, não fossem sangrentos), as tropas nas ruas perderam totalmente o controle da situação e abriram fogo sobre a multidão. O Hotel em Brighton onde Margaret Thatcher se hospedava para o Congresso do Partido Conservador é atacado à bomba pelo Ira, tendo a Primeira-Ministra escapado milagrosamente com vida.
E nesse momento, em que tudo parecia perdido, o impossível aconteceu: Um homem, um só homem, de nome Martin McGuiness, teve a visão do absurdo daquela luta fratricida e sonhou com a paz. Respeitadíssimo chefe republicano, com um passado de luta contra os Unionistas, tinha a autoridade, e talvez apenas ele a tinha, de apontar um novo caminho de negociações com inimigo que pudesse por fim à imensa tragédia que o povo Norte-Irlandês vivia à décadas. O ódio e a desconfiança mutua eram totais, as pontes de dialogo nenhumas, a tarefa que se propunha de inimagináveis dificuldades, e no entanto, laboriosamente, persistentemente, empregando na luta pela paz a mesma determinação e coragem que tinha demonstrado na guerra, lá foi indo até que em 1998, na Sexta-Feira Santa, foi finalmente assinado o acordo de paz que dura até hoje.
Foi esse homem que agora foi a enterrar: Um senhor da guerra tornado príncipe da paz. De todos os lados chegaram as homenagens. Bill Clinton veio expressamente dos Estados Unidos. E na Igreja repleta de gente para assistir à cerimónia fúnebre, com o caixão de Martin McGuiness em frente ao altar-mor coberto pela bandeira tricolor Irlandesa, entrou a líder do Partido Unionista, Arlene Foster, para prestar as suas ultimas homenagens, quando, num impulso, toda assistência de pé lhe dedicou uma estrondosa ovação.
Eu, assistindo a isto, sonhei. ( Quem não sonharia ?). Que nesta minha cidade, tão recentemente dilacerada pelo terror, se pudesse andar sem angustia, por nós, pela família, pelos amigos. Que os inocentes mortos ontem em Mossul por nós, nós os supostamente “bons da fita”, fossem os últimos. Não mais drones, misseis, bombas ditas “inteligentes”, (Oh que suprema ignomínia !), que surgisse outro “Príncipe da Paz” como Martin McGuiness que não desesperasse com a aspereza do caminho e que começasse o dialogo. Porque inevitavelmente mesmo vós, senhores da guerra, um dia irão compreender que não há outro.