A GAZETA DO MIDDLESEX
CRESCIMENTO ECONÓMICO
O DEUS INSACIÁVEL
O Financial Times revelou ontem que presentemente a China assemelha-se à América em 2007. Os empréstimos bancários ao sector privado aumentaram 40% desde 2008, enquanto que a “capacidade de pagar as dividas se deteriorou dramáticamente”. O preço do imobiliário caiu, e o sector bancário paralelo recusa revelar a quanto montam as suas exposições ao crédito concedido. Há apenas dois dias atrás os líderes do G20 afirmaram que o crescimento económico na China “é robusto e cada vez mais sustentável”. Pode escolher em quem acreditar.
As “bolhas” do imobiliário em vários países, incluindo a Grã-Bretanha, poderão rebentar a qualquer momento. Um relatório publicado em Setembro revelou que a divida total do Mundo, (pública e privada), representa presentemente 212% do PIB. Em 2008, quando começou a crise, esta era apenas 174% valor na altura considerado exagerado e que é apresentado como sendo um dos causadores dessa mesma crise.
O sector bancário paralelo parece enlouquecido, as acções da bolsa estão sobre avaliadas, a Euro zona novamente falida. O que rebentará primeiro?
Ou talvez não seja correcto apresentar o que irá acontecer como sendo uma nova crise. Talvez não seja mais do que a continuação da ultima, a mais recente fase de um ciclo de crises permanentes exacerbadas por medidas, (bolhas de crédito, desregulamentação, cortes na despesa publica), que era suposto resultarem em crescimento económico permanente.
O sistema aplicado pelos Governos mundiais que devia criar estabilidade, é inerentemente instável; Assenta na divida, na especulação e é gerido por tubarões.
Se soçobrar em pouco tempo como Cameron teme, num mundo de cofres vazios e de serviços públicos quase extintos, será precipitada uma crise ideológica mais grave do que o ataque ao Keynesianismo em 1970. O problema que então surgirá - e que explica a longevidade da ideologia desacreditada responsável pela ultima crise – será a ausência de uma política alternativa que possa ser adoptada pelos principais Partidos políticos, o que fará com estes continuem a cometer os mesmos erros na expectativa de obterem resultados diferentes.
Na tentativa de estabilizarem o sistema os Governos comportam-se como soldados aboletados numa casa abandonada que queimam as mobílias para se aquecerem durante a noite. Destroem a sociedade do pós guerra, os nossos serviços públicos de saúde e as redes de protecção social, apenas para conseguirem efémeros aumentos de crescimento.
O habitat natural, o benigno e frágil clima sob o qual prosperámos, espécies que viveram no planeta por milhões de anos – todos são atirados ao fogo por ser considerado que a sua protecção constitui um impedimento ao crescimento.
Cameron apregoou na passada segunda-feira que fará reviver a economia abolindo a “burocracia”.
Essa “burocracia” consiste na maioria dos casos em medidas que protegem as pessoas e o ambiente das corporações predadoras. A lei que irá regular as PME's e o emprego que vai ser aprovada nos Comuns na próxima semana, terá como de costume o apoio de um Partido Trabalhista sem coragem política. Essa lei irá fazer com que desapareçam as frágeis protecções ainda existentes “reduzindo os custos para os empresários”, mesmo que isso signifique o aumento desses custos para todos, atacando a nossa saúde e bem-estar.
Mas porquê ? O Governo gaba-se ter o Reino Unido a lei menos restritiva do G20 no que toca à protecção dos trabalhadores e do ambiente. E parece não ser suficiente e para ele torna-se necessário queimar o que resta.
Este atirar para a fogueira das leis e regulamentos é acompanhado por um insensato abandono dos princípios democráticos:
Cameron falou pela primeira vez nos Comuns na Parceria Transatlântica para o Comercio e Investimento (TTIP). Se este acordo entre a UE e os EUA for levado por diante, isso significará garantir que as corporações serão regidas por um sistema legal separado a que mais ninguém terá acesso e segundo o qual elas terão o poder de processar os Governos se acaso estes adoptem medidas que limitem os seus lucros. Cameron insistiu que esse acordo “ não terá que afectar necessariamente o nosso Sistema Nacional de Saúde”, (notem a expressão “não terá que”.) Pressionado para esclarecer este ponto citou o antigo Comissário Europeu para o Comercio e a sua garantia em como os serviços públicos estariam isentos das consequências legais resultantes da aprovação do acordo. Mas após ter lido cuidadosamente o texto não encontrei qualquer menção a essa garantia, mas apenas uma enorme ambiguidade no que toca ao assunto. Quando o Governo da Escócia exigiu a Cameron uma “inequívoca garantia” em como o SNS não seria afectado este recusou prestá-la. Este tratado poderá destruir os nossos serviços públicos em troca de, (como provam os estudos), um insignificante aumento do crescimento económico.
Não será altura de pensar melhor? De deixar de sacrificar as nossas vidas activas, as nossas expectativas, o que nos rodeia, em nome de um Deus insaciável ? Não será melhor pensar num novo modelo económico que não imponha sofrimentos sem fim ao mesmo tempo que origina repetidas crises ?
Por muito surpreendente que seja a discussão destes temas começa na próxima Quinta-feira. Pela primeira vez em 170 anos o Parlamento irá discutir um dos aspectos do problema : A criação do dinheiro. Poucas pessoas sabem que 97% da massa monetária em circulação não é da responsabilidade dos Governos, (ou Bancos centrais), mas sim dos Bancos comerciais na forma de empréstimos. Em ocasião alguma esta situação foi consequência de uma decisão democraticamente tomada que tenha conferido esses poderes. Portanto porque será que permitimos que aconteça? Esta é a fonte, segundo Martin Wolf escreveu no Financial Times, de “ muita da instabilidade das nossas economias.” O debate não porá imediatamente fim à prática, mas representará o inicio da avaliação de uma questão há demasiado tempo ignorada.
Isto é no entanto apenas o principio:
Não será tempo de o Governo fazer um estudo sobre em como poderá ser a economia pós-crescimento?
Tirando conhecimentos de pensadores tais como Herman Daly, Tim Jackson, Peter Victor, Kate Raworth, Bob Dietz e Dan O'Neill, nesse estudo poderia ser procurada uma solução que produzisse uma economia estável: Aquela cujo objectivo fosse a redistribuição em vez de expansão cega, que não tenha como finalidade um crescimento infinito num planeta que possui recursos finitos.
Faria a pergunta que nunca é respondida : Porquê ? Porquê destruirmos o ambiente e os serviços públicos para gerar crescimento económico se esse crescimento não traz felicidade, segurança e, sobretudo para a maioria de nós, nem maior prosperidade ?
Porque razão entronizamos o crescimento económico sem ter em consideração a sua real utilidade ? Porque razão, apesar de tantos e repetidos falhanços, não mudamos de modelo?
Quando a próxima crise acontecer estas perguntas terão de ter resposta.
George Monbiot
(www.monbiot.com)
Artigo públicado no Jornal "The Guardian"
(www.theguardian.co.uk)