A GAZETA DO MIDDLESEX
O ELOGIO DA PREGUIÇA
II
(continuação)
Em primeiro lugar: O que é o trabalho ? Ele é de duas espécies: A primeira consiste em mudar a posição, ou a natureza, da matéria existente na Terra em relação a outra matéria. A segunda é dar ordens aos outros para o fazer e como. A primeira é penosa e mal paga; a segunda dá satisfação e é muito bem retribuída. A segunda não é limitada: Não existem apenas os que dão ordens, mas também há aqueles que dão instruções em como essas ordens devem ser cumpridas. Em relação a este aspecto existem normalmente pelo menos duas organizações que dão conselhos contraditórios; são os chamados Partidos Políticos. O que é requerido para desempenhar esta função não é ter conhecimentos sobre os sujeitos a quem os conselhos são dirigidos, mas apenas saber, falando ou escrevendo, ser persuasivo e conhecer a técnica da propaganda.
Através da Europa, mas não na América, existe uma outra classe social que é mais respeitada que todas as outras. É constituída por aqueles que, pela posse da terra, são capazes de fazer os outros pagar pelo privilégio de meramente existir e trabalhar. Esses latifundiários nada fazem, logo seria expectável que eu os elogiasse. Infelizmente o seu ócio é apenas possível pela exploração do trabalho dos outros; na verdade as suas vidas confortáveis foram a origem do mito da nobreza do trabalho. A ultima coisa que desejariam era que outros seguissem o seu exemplo.
Desde o principio da Civilização, e até à Revolução Industrial, o trabalhador agricola podia com o seu trabalho duro produzir um pequeno excedente para além do que era estritamente necessário para a sua subsistência e a da sua família, apesar da mulher e filhos trabalharem tão duramente como ele. Mas essa pequena parcela não ficava para eles: Era apropriada pelas classes dos homens de armas e dos sacerdotes. Em tempos de fome esse pequeno excedente desaparecia; mas as classes dos poderosos não via diminuído o seu rendimento, o que causava a morte pela fome de quem trabalhava. Este sistema persistiu na Rússia até 1917, (desde então os membros do Partido Comunista herdaram os privilégios que anteriormente pertenciam às classes nobres), e ainda se encontra no Leste; em Inglaterra, e apesar da Revolução Industrial, esteve sem mudar até depois das guerras Napoleónicas e só há cerca de cem anos, com a riqueza a concentrar-se nas mãos dos novos industrialistas, as coisas se tornaram diferentes. No Sul da América esta situação persistiu mesmo até à guerra civil.
Um sistema, que durou durante tanto tempo, e que terminou só tão recentemente, deixou naturalmente profunda marcas no pensamento e na consciência dos homens. Muitas das nossas opiniões feitas sobre a santidade do trabalho derivam dele só que, sendo pré-industrial, não está adaptado ao mundo moderno. As técnicas modernas tornaram possível que o ócio não seja um prerrogativa apenas das classes privilegiadas, mas um Direito igualmente distribuído pela comunidade. A moralidade do trabalho é a moralidade dos escravos, e no mundo moderno não há lugar para a escravatura.
Parece ser óbvio que, nas Sociedades primitivas, os camponeses se deixados a si próprios não abdicariam do pouco que restava depois de satisfeitas as suas necessidades: Ou consumiriam mais, ou produziriam menos.
A principio foi necessário o uso da força bruta para lhes ser tirado essa parcela do seu trabalho. No entanto, e gradualmente, foi sendo possível induzir-lhes no espírito que era seu dever aceitar a ética que deviam trabalhar duramente, mesmo se fosse para sustentar o ócio de outros. E assim, pouco a pouco, tornou-se desnecessário usar medidas compulsivas o que fez com que governar fosse mais fácil e com menos custos. Até hoje 99% dos trabalhadores Britânicos ficariam genuinamente chocados se fosse proposto que ao Rei deveria ser paga uma jorna igual à deles.
A concepção do Dever, historicamente falando, foi usada pelos detentores do poder como meio de induzir os outros a viver para satisfazer os interesses dos seus senhores, em vez dos seus próprios. Alguns dos poderosos escondem de si esta realidade, fazendo-se acreditar que os seus interesses são idênticos aos da Humanidade no seu geral. Por vezes isso pode ser verdadeiro: Os Atenienses proprietários de escravos, por exemplo, usaram a sua ociosidade para fazerem uma contribuição permanente para a Civilização, que de outro modo não teria sido possível num regime económico mais justo. A ociosidade é essencial à Civilização, e na Antiguidade a ociosidade de poucos só foi tornada possível pelo trabalho de muitos, mas não porque o trabalho fosse bom e a ociosidade má.
As técnicas modernas tornam possível diminuir enormemente a carga de trabalho necessária para garantir uma vida condigna para todos. Isto tornou-se óbvio durante a guerra. Enquanto ela durou, todos os homens que estavam nas forças armadas, todos os homens e mulheres que fabricavam armas e munições, todos aqueles que estavam directamente ligados ao esforço de guerra, numa ou noutra posição, foram retirados das actividades produtivas. Apesar disso, o bem estar físico dos trabalhadores não qualificados pertencentes às nações aliadas nunca foi tão alto, antes ou depois do conflito. O significado desta realidade foi escondido pelos financeiros: O recurso ao crédito foi estigmatizado como fazendo recair sobre as gerações futuras o custo do bem estar do presente. Mas isso é obviamente impossível; o homem não pode comer um pão que ainda não existe. A guerra demonstrou conclusivamente que, organizando cientificamente a produção, é possível dar condições de vida dignas às populações usando apenas uma pequena parte da capacidade do trabalho produtivo existente. Se, ao findar a guerra, tivesse sido conservada essa organização cientifica da produção, que tinha sido criada a fim de libertar os homens e mulheres para a luta ou para o fabrico de armas e munições, as horas diárias de trabalho poderiam ter sido reduzidas a quatro. Em vez disso o velho sistema foi reposto e àqueles que tinham trabalho foi imposto que ele durasse por longas horas, e o resto foi deixado à míngua no desemprego. Porquê ? Porque o trabalho é um dever, e o trabalhador não deve receber um salário proporcional ao que produziu, mas sim que esteja na proporção do sacrifício exigido e do suor gasto.
(continua)