A Gazeta do Middlesex

O Elogio da Preguiça II

17/1/2018

0 Comments

 

                      A  GAZETA  DO  MIDDLESEX

Picture


                                                             O ELOGIO DA  PREGUIÇA
                                                                          II

(continuação)
Em primeiro lugar: O que é o trabalho ? Ele é de duas espécies: A primeira consiste em mudar a posição, ou a natureza, da matéria existente na Terra em relação a outra matéria. A segunda é dar ordens aos outros para o fazer e como. A primeira é penosa e mal paga; a segunda dá satisfação e é muito bem retribuída. A segunda não é limitada: Não existem apenas os que dão ordens, mas também há aqueles que dão instruções em como essas ordens devem ser cumpridas. Em relação a este aspecto existem normalmente pelo menos duas organizações que dão conselhos contraditórios; são os chamados Partidos Políticos. O que é requerido para desempenhar esta função não é ter conhecimentos sobre os sujeitos a quem os conselhos são dirigidos, mas apenas saber, falando ou escrevendo, ser persuasivo e conhecer a técnica da propaganda.



Através da Europa, mas não na América, existe uma outra classe social que é mais respeitada que todas as outras. É constituída por aqueles que, pela posse da terra, são capazes de fazer os outros pagar pelo privilégio de meramente existir e trabalhar. Esses latifundiários nada fazem, logo seria expectável que eu os elogiasse. Infelizmente o seu ócio é apenas possível pela exploração do trabalho dos outros; na verdade as suas vidas confortáveis foram a origem do mito da nobreza do trabalho. A ultima coisa que desejariam era que outros seguissem o seu exemplo.



Desde o principio da Civilização, e até à Revolução Industrial, o trabalhador agricola podia com o seu trabalho duro produzir um pequeno excedente para além do que era estritamente necessário para a sua subsistência e a da sua família, apesar da mulher e filhos trabalharem tão duramente como ele. Mas essa pequena parcela não ficava para eles: Era apropriada pelas classes dos homens de armas e dos sacerdotes. Em tempos de fome esse pequeno excedente desaparecia; mas as classes dos poderosos não via diminuído o seu rendimento, o que causava a morte pela fome de quem trabalhava. Este sistema persistiu na Rússia até 1917, (desde então os membros do Partido Comunista herdaram os privilégios que anteriormente pertenciam às classes nobres), e ainda se encontra no Leste; em Inglaterra, e apesar da Revolução Industrial, esteve sem mudar até depois das guerras Napoleónicas e só há cerca de cem anos, com a riqueza a concentrar-se nas mãos dos novos industrialistas, as coisas se tornaram diferentes. No Sul da América esta situação persistiu mesmo até à guerra civil.



Um sistema, que durou durante tanto tempo, e que terminou só tão recentemente, deixou naturalmente profunda marcas no pensamento e na consciência dos homens. Muitas das nossas opiniões feitas sobre a santidade do trabalho derivam dele só que, sendo pré-industrial, não está adaptado ao mundo moderno. As técnicas modernas tornaram possível que o ócio não seja um prerrogativa apenas das classes privilegiadas, mas um Direito igualmente distribuído pela comunidade. A moralidade do trabalho é a moralidade dos escravos, e no mundo moderno não há lugar para a escravatura.



Parece ser óbvio que, nas Sociedades primitivas, os camponeses se deixados a si próprios não abdicariam do pouco que restava depois de satisfeitas as suas necessidades: Ou consumiriam mais, ou produziriam menos.

A principio foi necessário o uso da força bruta para lhes ser tirado essa parcela do seu trabalho. No entanto, e gradualmente, foi sendo possível induzir-lhes no espírito que era seu dever aceitar a ética que deviam trabalhar duramente, mesmo se fosse para sustentar o ócio de outros. E assim, pouco a pouco, tornou-se desnecessário usar medidas compulsivas o que fez com que governar fosse mais fácil e com menos custos. Até hoje 99% dos trabalhadores Britânicos ficariam genuinamente chocados se fosse proposto que ao Rei deveria ser paga uma jorna igual à deles.



A concepção do Dever, historicamente falando, foi usada pelos detentores do poder como meio de induzir os outros a viver para satisfazer os interesses dos seus senhores, em vez dos seus próprios. Alguns dos poderosos escondem de si esta realidade, fazendo-se acreditar que os seus interesses são idênticos aos da Humanidade no seu geral. Por vezes isso pode ser verdadeiro: Os Atenienses proprietários de escravos, por exemplo, usaram a sua ociosidade para fazerem uma contribuição permanente para a Civilização, que de outro modo não teria sido possível num regime económico mais justo. A ociosidade é essencial à Civilização, e na Antiguidade a ociosidade de poucos só foi tornada possível pelo trabalho de muitos, mas não porque o trabalho fosse bom e a ociosidade má.




As técnicas modernas tornam possível diminuir enormemente a carga de trabalho necessária para garantir uma vida condigna para todos. Isto tornou-se óbvio durante a guerra. Enquanto ela durou, todos os homens que estavam nas forças armadas, todos os homens e mulheres que fabricavam armas e munições, todos aqueles que estavam directamente ligados ao esforço de guerra, numa ou noutra posição, foram retirados das actividades produtivas. Apesar disso, o bem estar físico dos trabalhadores não qualificados pertencentes às nações aliadas nunca foi tão alto, antes ou depois do conflito. O significado desta realidade foi escondido pelos financeiros: O recurso ao crédito foi estigmatizado como fazendo recair sobre as gerações futuras o custo do bem estar do presente. Mas isso é obviamente impossível; o homem não pode comer um pão que ainda não existe. A guerra demonstrou conclusivamente que, organizando cientificamente a produção, é possível dar condições de vida dignas às populações usando apenas uma pequena parte da capacidade do trabalho produtivo existente. Se, ao findar a guerra, tivesse sido conservada essa organização cientifica da produção, que tinha sido criada a fim de libertar os homens e mulheres para a luta ou para o fabrico de armas e munições, as horas diárias de trabalho poderiam ter sido reduzidas a quatro. Em vez disso o velho sistema foi reposto e àqueles que tinham trabalho foi imposto que ele durasse por longas horas, e o resto foi deixado à míngua no desemprego. Porquê ? Porque o trabalho é um dever, e o trabalhador não deve receber um salário proporcional ao que produziu, mas sim que esteja na proporção do sacrifício  exigido e do suor gasto.

(continua)




0 Comments



Leave a Reply.

    Author

    manuel.m

    contact@manuel2.com

    Archives

    June 2018
    April 2018
    March 2018
    February 2018
    January 2018
    December 2017
    November 2017
    October 2017
    September 2017
    August 2017
    July 2017
    June 2017
    May 2017
    April 2017
    March 2017
    February 2017
    January 2017
    December 2016
    November 2016
    October 2016
    September 2016
    August 2016
    July 2016
    February 2016
    January 2016
    May 2015
    April 2015
    March 2015
    February 2015
    January 2015
    December 2014
    November 2014
    October 2014
    September 2014
    August 2014
    July 2014
    June 2014
    May 2014
    April 2014
    March 2014
    February 2014
    January 2014
    December 2013

    Click here to edit.

    Categories

    All

Proudly powered by Weebly