A GAZETA DO MIDDLESEX
Leonard Woolf, (1880-1969) foi um escritor Britânico que foi casado com a também escritora Virginia Woolf e que foi o autor do artigo publicado na Revista The New Statesman que a seguir se transcreve:
O PEQUENO HOMEM: UM OBITUARIO DE ADOLF HITLER
12 de Maio de 1945
Lendo os obituários de Adolf Hitler que foram aparecendo desde que a sua morte foi noticiada conclui-se que sobre a sua pessoa nada mais há a dizer senão que foi um moderno Pequeno Homem que foi insuflado até ser uma força mundial, para depois ser levado em apoteose. Existe sempre alguma grandeza que pode ser detectada nos “grandes homens” que durante algum tempo deixaram a sua marca na História, muito embora essa marca não tenha sido a maior parte das vezes senão uma maldição, e que o imenso mal que causaram jamais será esquecido, e que o bem que acaso fizeram, esse, foi enterrado com os seus ossos.
Mas na doente personalidade do Führer, no seu perverso egoísmo, não havia rasto de grandeza; apenas se encontra uma pequenez exagerada, malvadez, inveja, desejo de vingança e de causar mal, astucia e crueldade. O deprimente deserto que é o Mein Kampf, e os dois volumes dos seus discursos, apenas revela um espírito invulgar só pela sua insignificância e pelo seu louco fanatismo; ignorante, estúpido e astuto, o autor mostra ser uma mera caricatura das piores facetas que se encontram no Pequeno Homem.
Como será que foi possível que este individuo sub-humano, um produto das vísceras da Europa, tenha conseguido obter o seu enorme poder e tornar-se objecto de veneração no seu país e de adulação fora dele ? Esta é uma das mais importantes e difíceis questões a que o fim da guerra e de Hitler nos põe, porque a menos que consigamos encontrar a resposta não saberemos encontrar a causa da destruição da nossa civilização. Pretender que a encontraremos nas obsessões do Vansittartismo(1), e na dose dupla de defeitos que os Alemães eventualmente possuem, é diminuir a dimensão do problema ao satisfazer-mos-nos com a ilusão que, graças a Deus, não somos tão maus como eles.
Foi no período entre as duas guerras mundiais que por toda a Europa brotaram ditadores, todos eles Pequenos Homens que eram caricaturas da estupidez e maldade humanas. Tivemos o sórdido e exibicionista Mussolini, lisonjeado e apaparicado por Ministros Britânicos; uma série de reizinhos e principezinhos nos Balcans; tivemos o Grego Metaxas(2) ; e o matreiro Caudillo(3), que ainda continua entre nós. Todos eles foram adorados e odiados ao mesmo tempo pelos respectivos povos, mas o seu poder foi aumentado pela legião de admiradores que tinham nas velhas Democracias. Mesmo em Inglaterra tivemos o sinistro espectáculo de ver o teatral Mosley(4) e os seus “Camisas Negras” encontrarem seguidores entre “a gente respeitável”.
Os Alemães são mais metódicos e levam mais longe a lógica da estupidez e da selvajaria que os outros povos Europeus, mas as sementes do nazismo e das suas abominações brotavam no solo de cada nação Europeia e em muitos floresceram e produziram os seus venenosos frutos. A flor é a ditadura do Pequeno Homem e do bandido; o fruto é o poder daquilo que existe de mais vil na ideologia da sociedade capitalista.
Não foi Hitler que foi o criador deste sangrento deserto que são os nossos dias; é o deserto dos nossos dias que fez Hitler; e se não tivesse sido Adolf Hitler a conquistar o poder na Alemanha outro teria sido o Pequeno Homem o autor das abominações. Há períodos na História em que o poder é tão instável, quando os princípios e a determinação da sociedade civilizada se tornam tão enfraquecidos, que os ventos da mudança e a força bruta podem levar qualquer um, se for desprovido de escrúpulos e suficientemente selvagem, a conquistar o poder sobre um povo, ou mesmo sobre o mundo inteiro.
Uma das facetas da civilização é o controle colectivo do poder. A Republica de Roma, quando se desintegrou no Império Romano, falhou em conservar esse poder e em apenas cem anos a civilização de Júlio César e Virgílio desapareceu no meio da anarquia dos Caracalla(5) e dos Gallus(6). Esta foi a mesma falha cometida pela classe-média Europeia no Séc. XIX que levou à anarquia internacional que tornou inevitáveis as guerras de 1914 e 1939.
A base de uma civilização é o respeito pelos princípios civilizados, princípios esses que se desintegraram em 1914. Democracia, liberdade e igualdade, a lei, a justiça e humanidade não são meras palavras ou apenas peças de uma engrenagem: São o quadro indispensável para que se possa levar uma vida civilizada.
De 1914 em diante os estadistas, os escritores, as classes dominantes das democracias, todos os que tinham o dever de defender esses valores, logo a civilização, traíram esse dever ao comprometerem-se com a barbárie. A Religião e as Igrejas há muito que tinham feito o mesmo.
Nessas circunstancia não é surpreendente que Hitler, esse Pequeno Homem sem personalidade, tenha usado os meios democráticos para apelar ao ódio, à inveja, e à pequenez de todos os outros Pequenos Homens. O resultado pode ser visto em Dachau(7) e Buchenwald.
E na Quinta-feira 3 de Maio de 1945, (não em 225 AD, mas em 1945 AD), o Times noticiou que o Senhor de Valera(8) tinha chamado o embaixador Alemão para lhe expressar as suas condolências pela morte de Hitler(9). De Valera tinha visto certamente dias antes as fotografias de Dachau e Buchenvald. Nas suas condolências, ele que sendo Católico e Chefe de um muito Católico Estado deveria seguir os ensinamentos da Igreja, podemos ver a degradação dos valores fundamentais que tornaram Hitler e o regime Nazi possíveis.
1) – Vansittartismo : de Sir Robert Vansittart, Barão de Vansittart, (1881-1957), político influente Britânico que desempenhou vários cargos de relevo. Defendia a teoria, que ficou conhecida como o “Vansittartismo”, que desde a Guerra Franco-Prussiana de 1870-71 os chefes militares Alemães eram partidários de uma política de agressão que só podia ser combatida com a desmilitarização permanente da Alemanha. Foi afastado pelo Primeiro-Ministro Neville Chamberlain em 1939 por o considerar um obstáculo à política de apaziguamento com Hitler.(nota.)
(2) – Ioannis Metaxas, (1871-1941), Primeiro-Ministro Grego de 1936 até à sua morte em 1941. Admirador de Mussolini, estabeleceu um regime autoritário de direita que copiou o simbolismo e a retórica do Fascismo Italiano.(n.t.)
(3) - “Caudillo” - no original, Francisco Franco.(n.t.)
(4) – Sir Oswald Mosley, (1896-1980), político Britânico que fundou e foi líder do BUF,(British Union of Fascists-União dos Fascistas Britânicos). (n.t.)
(5) – Caracalla- Imperador Romano que ficou na História pelos seus crimes e crueldade.(n.t.)
(6) – Gallus – ibidem (n.t.)
(7) – Campos de concentração Alemães,(n.t.)
(8) – Eamon de Valera, (1882-1975), Presidente da Republica da Irlanda. (n.t.)
(9) – Salazar fez o mesmo. Michael Burleigh, um dos mais promissores jovens Historiadores Britânicos, no seu livro “Sacred Causes”, analizou detalhadamente as relações e as esperanças da Igreja Católica em três líderes autoritários Europeus: O Chanceler Austríaco Engelbert Dollfuss, Salazar e de Valera.(n.t)