O escritor, jornalista e activista dos direitos humanos George Monbiot, (Londres, 1963- ) , (Brasenose College, Oxford), publica um artigo semanal de opinião no jornal “The Guardian” (www.guardian.co.uk), entre os quais está aquele que, com a devida autorização do Autor (www.monbiot.com), hoje se transcreve , no que se espera ser o primeiro de uma publicação regular dos seus artigos na Gazeta.
OS RICOS QUEREM QUE ACREDITEMOS QUE
QUE AS SUAS FORTUNAS SÃO BOAS PARA NÓS
Na Grã-Bretanha, por exemplo, sucessivos governos têm privatizado todos os bens públicos que despertem a cobiça do grande capital. Diminuiram-se os impostos sobre as fortunas e os altos rendimentos. Tornaram-se legais novas formas de fuga aos impostos. Ofereceram-se benefícios exóticos, tais como subsídios para as licenças de caça e aumentaram-se para o dobro os apoios estatais às coutadas.
Foi cavado um fosso defensivo em redor da classe dos privilegiados, criminalizando por exemplo a ocupação de edifícios vazios e a maior parte das formas de protesto pacificas. Por muito grotesca que a desigualdade se torne, por muito parecida com roubo legalizado que a acumulação de riqueza seja, as regras políticas são mudadas em sua defesa.
Nada disto deveria surpreender: Quanto mais rica a elite se torna e quanto mais tem a perder, maior é o seu esforço para dominar a opinião pública e o sistema político. Já mal se importa em disfarçar a compra por atacado dos partidos políticos, por meio de sistemas de financiamento corruptos e corruptores. Pode-se sentir o seu domínio não só nas políticas adoptadas mas também na escolha dos candidatos para o Parlamento e na dos Ministros. Os ricos querem pessoas como eles em cargos de chefia, e é por essa razão que temos um Governo de milionários.
Mas tudo isto descreve apenas uma parte da sua influencia. Financiam lóbis, associações políticas e economistas, para que produzam cada vez mais elaboradas justificações para a sua apropriação da riqueza nacional, justificações essas que são depois difundidas pelos media propriedade dessa mesma elite.
Entre os muitos bons argumentos que Thomas Piketty produz no seu livro “ O Capital no Séc. XXI” - que é moderado, apesar de ser responsável por uma visão totalmente nova – é o que afirma ser a extrema desigualdade somente sustentável politicamente através de um “aparelho justificativo”. Se os eleitores puderem ser persuadidos que os insanos níveis de desigualdade são bons, razoáveis e até mesmo necessários, então a concentração da riqueza pode continuar. Em caso contrário os Governos serão forçados a actuar, ou acontecerá uma revolução.
A convicção que a desigualdade tem de ter uma justificação é um dos princípios fundamentais da Democracia. Só é possível aceitar que alguns tenham muito mais que outros se estiverem reunidas duas condições : Ou esses poucos atingiram esse resultado pelo exercício de qualidades e talentos únicos; ou essa desigualdade é benéfica para todos. É essa a razão porque esses grupos de reflexão, economistas e jornalistas de serviço, têm de as tornar plausíveis.
E isso é uma tarefa difícil. Se os salários reflectem o mérito porque serão tão arbitrários ? Serão os mais ricos executivos de hoje 50 ou 100 vezes melhores que os seus antecessores de 1980 ? Serão eles 20 vezes mais talentosos do que os que ocupam o escalão imediatamente inferior, apesar de virem todos das mesmas Business Schools ? Serão os executivos americanos várias vezes mais criativos e dinâmicos que os alemães ? E se assim é porque será que os resultados são tão medíocres ?
Claro que isso é tudo treta. O que vemos não é uma meritocracia em acção mas o nepotismo de uma classe de executivos que arrebanha a riqueza, determina os seus próprios salários e testa a credulidade geral com as suas exigências ridículas. Devem eles próprios ficar espantados em como conseguem tudo aquilo que querem.
Além disso, enquanto a educação e as qualificações profissionais ficam cada vez mais caras, as oportunidades de entrada nessa classe diminuem constantemente. Os países que pagam os maiores salários a esse grupo de topo, os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, são também aqueles onde existe a menor mobilidade social. Aqui herda-se não apenas a riqueza como também a oportunidade.
Aha, dizem eles, mas a extrema riqueza é boa para todos. Todos beneficiarão da acção da mão invisível de Deus. Este crença baseia-se na Curva de Kuznets, o gráfico que parece mostrar que a desigualdade automaticamente decresce à medida que o capitalismo avança, espalhando a riqueza das elites para todos os outros.
Quando Piketty se deu ao trabalho de actualizar a curva, que foi proposta pela primeira vez em 1955, descobriu que a redistribuição que ela documentava tinha sido um produto de circunstancias peculiares da época. Desde então a concentração da riqueza retornou em força. A redução da desigualdade em 1955 não foi devida a uma automática e inerente característica do capitalismo, mas sim ao resultado de duas guerras mundiais, à grande depressão, e às medidas de resposta por parte dos governos a esses cataclismos.
Por exemplo, o escalão máximo do IRS nos Estados Unidos subiu de 25% em 1932 para 94% em 1944. O escalão máximo médio desse imposto foi, entre 1932 e 1980, de 81%. Durante os anos 40, o governo britânico estabeleceu um escalão máximo de 98%.
A mão invisível ? Ahaha. Logo que essas taxas foram cortadas por Reagan e Thatcher e o resto, a desigualdade subiu novamente em força para ter verdadeiramente explodido nos dias de hoje.
Esta é a razão porque os neo-liberais odeiam Piketty com tanta paixão e veneno: Por ele ter destruído com factos os dois grandes argumentos com os quais o aparelho justificativo procurava desculpar o indesculpável.
Existe portanto actualmente uma oportunidade perfeita para os Partidos progressistas: O colapso moral e ideológico do sistema de pensamento que era triunfante até ao momento. E o que fazem eles ? Evitam aproveita-la como se fosse uma praga. Amedrontado pelo poder dos media da opinião comprada, o Partido Trabalhista hesita e vacila.
Mas há outro partido, que parece ter redescoberto o fogo e a paixão que antigamente caracterizavam os Trabalhistas: Os Verdes. Na semana passada fizeram saber que no seu manifesto para as próximas eleições gerais irão propor um salário mínimo, a renacionalização dos caminhos de ferro, um tecto para o salário máximo, que não poderá ultrapassar em dez vezes o do trabalhador que menos ganhe e, no coração das suas reformas, um imposto sobre as fortunas do tipo que Piketty defende.
Sim, tudo isto levanta muitas questões mas nenhuma delas sem possibilidade de resposta- especialmente se for visto como um passo na direcção certa: Um imposto global sobre as fortunas onde quer que estas se escondam. Imperfeita que esta proposta possa ser, ela dá inicio ao desafio ao consenso político e é mobilizadora para aqueles que pensavam não haver saída.
Agora só há a esperar a reacção dos boys ao serviço dos bilionários, que não tardarão em ficar aos gritos, logo que absorvam as implicações do que é proposto.
E tomem os seus insultos e ameaças como um sinal claro que algo de real é possível.
Queriam uma alternativa progressista ? Aqui está ela.