A GAZETA DO MIDDLESEX
PENSAR II
Shiraz Maher é autor de uma vasta bibliografia sobre a radicalização e a violência Islâmica.
Shiraz Maher
Entre os mais de 2.000 Jihadis Europeus que combatem na Síria e no Iraque a aprovação dos ataques terroristas de Paris foi universal e enfática. “ Os povos ocidentais aprenderam uma importante lição” foi um tweet enviado por um guerrilheiro Holandês, Abu Saeed AlHalabi. ”Os vossos Governos não conseguem proteger-vos quando a al-Qaeda vos coloca numa lista de pessoas a abater .”
Um militante Britânico com o nom de guerre Hudheyfa Al Britani alertou para que os Muçulmanos não deveriam demonstrar nenhuma simpatia pelas 17 vitimas no magazine Charlie Hebdo e no supermercado judaico de Paris. “Qualquer muçulmano que participar nas marchas de solidariedade será um murtad, (apóstata),” escreveu no Twitter. Um segundo jihadi, o Holandês Abou Shaheed, apelou para que fosse seguido o exemplo de Said e Chérif Kouachi, os irmãos que atacaram a revista Francesa e para que “aterrorizassem os inimigos de Allah.” Shaheed também apelou a que fosse atacado o jornal Dinamarquês Jyllands-Posten, ( que tal como o Charlie Hebdo publicou desenhos do Profeta Maomé), e o político Holandês anti-Muçulmano Geert Wilders.
Os três combatentes Europeus citados pertencem ao Estado Islâmico (EI), mas no entanto o ataque ao Charlie Hebdo tem sido atribuído à al-Qaeda da peninsula Arábica (Aqap). É necessário voltar um pouco atrás e explicar que estes dois grupos terroristas têm estado envolvidos numa luta entre eles desde que o EI declarou deixar de receber ordens de Ayman al-Zawahiri, o chefe da al-Qaeda (da qual Aqap é uma secção regional). Os lideres de ambas as organizações com frequência acusam-se mutuamente enquanto os seus membros combatem entre si no terreno.
Se o EI não reivindicou oficialmente o ataque ao Charlie Hebdo, as opiniões de outros dois combatentes Britânicos revelam o que pensam as tropas islâmicas no terreno. Aby Qaqa, originário de Manchester, enviou um tweet onde afirma que o que era importante não era quem tinha assassinado os jornalistas do Charlie Hebdo, mas sim que eles tinham sido mortos.
Falando comigo através do Kik, um app para smartphones, Omar Hussain, natural de High Wycombe (localidade a Oeste de Londres,n.t.), e antigo segurança da cadeia de supermercados Morrisons, disse-me : “Não estou interessado em saber se os ataques são feitos sob o comando da Aqap ou do Isis. Desde que o kafir, ( infiel), seja morto, isso é o que importa. Matar um kafir que tenha insultado o Profeta é uma acção meritória.”
Neste contexto a importância de punir tudo aquilo que seja entendido como insultos ao Profeta transcende mesmo as mais acesas rivalidades institucionais. É a conclusão clara que se pode tirar dos dois ataques de Paris. Quando os irmãos Kouachi fugiram para os arredores da capital Francesa em 9 de Janeiro, Amedy Coulibaly atacou o supermercado e assassinou quatro Judeus.
Os detalhes sobre como foi feita a coordenação entre estes dois acontecimentos ainda não é completamente conhecida, mas pelo menos sabe-se que Coulibaly agiu em apoio dos Kouachis. Quando os dois irmãos declararam aos funcionários do Charlie Hebdo que agiam em nome da Aqap, Coulibaly por seu turno afirmou num vídeo que estava sob as ordens do EI. Deve ser salientado que os autores de ambos os ataques, à revista e ao supermercado, tinham laços de amizade desde longa data, o que demonstra a maior importância que têm actualmente na actividade terrorista os laços sociais do que as filiações institucionais.
Julga-se que a companheira de Coulibaly, Hayat Boumeddiene, partiu no principio do ano para a Síria, onde é prática comum entre os guerrilheiros estrangeiros a punição daqueles que julgam terem insultado Maomé, ou desrespeitado o Islão por qualquer forma. ”Hoje demos 80 chicotadas num tipo que tinha praguejado contra Deus e se voltar a cometer o mesmo crime será morto!”, escreveu no Twitter o guerrilheiro Holandês Shaheed pouco antes dos ataques de Paris.
Em 2014 um jihadi Britânico que se identifica com o nome Mujahid Sayyad, antigo aluno da Queen Mary University of London, publicou um vídeo no Facebook onde se via membros do seu grupo a torturarem um combatente do Exercito Livre Sírio, (facção que combate igualmente o regime sírio, mas que é distinta do EI- n.t.). O homem tinha igualmente cometido o “crime” de soltar “uma praga contra Allah” e tinha lhes sido ordenado que lhe dessem uma severa “lição”.
Para Hussain, o guerrilheiro de High Wycombe, não devem ser apenas os blasfemos a ser punidos. Disse-me ser urgente que os Muçulmanos do Ocidente seguissem o exemplo dos autores dos atentados de Paris e que era obrigatório “matar os soldados Britânicos que regressassem de missões no Iraque ou Afeganistão”.
Isto está de acordo com declarações suas anteriores. Em Outubro passado Hussain aparecia num vídeo de propaganda do EI apelando à sublevação dos Muçulmanos Britânicos e para que “levassem o terror ao coração das comunidades infiéis”.
Estas são precisamente as intenções que preocupam Andrew Parker, Director Geral dos Serviços de Segurança (MI 5), o qual, num discurso proferido a 8 de Janeiro no Royal United Services Institute, reafirmou que o terrorismo Islâmico é cada vez mais uma ameaça real e significativa.
A Síria é o cadinho onde todas as facções da jihad se misturam, a arena de que brotam os ataques internacionais e de onde estes são simultaneamente inspirados e dirigidos. A crise não fez senão aumentar a ameaça terrorista ao nosso país por uma geração- talvez mesmo duas. Isto pode parecer ser alarmista, mas há que considerar a escala dos perigos que enfrentamos. Desde Outubro de 2013, “Houve mais de 20 conspirações terroristas que foram ou dirigidas ou inspiradas desde a Síria”, afirmou Andrew Parker. O que significa mais de uma por mês nos últimos 15. A Procuradoria obteve desde 2010 em média três condenações por mês relativas a crimes relacionados com possíveis atentados terroristas.
Ao mesmo tempo que aumenta a ameaça terrorista esta está em constante mudança. Os grupos de Jihadis preferem actualmente levar a cabo ataques menos sofisticados: Mais difíceis de detectar e requerendo menos participantes.
Os ataques ultimamente feitos no Ocidente- no Canadá, em França e na Austrália- foram executados por pequenos grupos ou mesmo por um só individuo.
É praticamente impossível impedir esse tipo de acções. Não necessitam de grande preparação e requerem muito pouco reconhecimento prévio dos locais. As armas de fogo são desnecessárias; logo a relativa dificuldade de poder aceder a elas na Grã-Bretanha comparativamente a outros países ocidentais não é garantia de segurança.
O brutal assassinato do soldado Lee Rigby em 2013 em Woolchich, Sudeste de Londres, demonstrou isso mesmo: Objectos vulgares- facas, um cutelo de carniceiro- podem ser usados como armas de guerra. Este não foi aliás o primeiro ataque deste tipo levado a cabo em solo Britânico. Três anos antes, em Maio de 2010, Roshonara Choudry, uma estudante universitária de Newham, Leste de Londres, que tinha abandonado os estudos, tentou matar Sephen Timms, o Membro do Parlamento eleito pela sua área.
Choudry apunhalou Timms pelo facto de este ter sido favorável à invasão do Iraque. Felizmente que este sobreviveu, mas tendo sido o primeiro Parlamentar da história a ser vitima de uma tentativa de assassinato em solo Britânico devido ao sentido do seu voto no Parlamento, o simbolismo do crime não passou despercebido.
Esta é a ameaça imprevisível que o MI5 e outros serviços de informação têm de enfrentar. Não faltam os locais sem lei onde jovens Britânicos podem receber treino com vista a orquestrarem aqui um ataque bem sucedido. A Síria e o Iraque aparecem naturalmente como sendo as mais prováveis origens desses ataques, mas é necessário também considerar o Yemen, a Somália e a Nigéria assim como partes da fronteira entre o Paquistão e o Afeganistão.
Que lições podemos tirar dos ataques de Paris? Para começar devemos analisar a natureza e as origens das convicções dos jihadis. Muito se tem escrito sobre a natureza supostamente “ofensiva” e “provocatória” dos desenhos do Charlie Hebdo. “Não ridicularizem o Profeta do Islão” os seus detractores parecem afirmar, “e não sofrerão represálias”. Este é o argumento que conduziu à retirada do Ocidente do Médio Oriente e a sermos reduzidos a meros espectadores que apenas observam impotentemente enquanto toda a região implode às mãos dos criminosos. “Não interfiram no Médio Oriente e o jihadis não nos atacarão” foi a posição dita sensata enquanto o EI conquistava grande parte da Síria e do Iraque. Os acontecimentos subsequentes trataram de desmentir a sensatez desta decisão.
É verdade que Said e Chérif Kouachi se podem ter sentido ofendidos com os desenhos de Maomé publicados no Charlie Hebdo, mas não foi isso que motivou o seu ataque. A melhor indicação da real motivação que esteve por detrás daquela matança foram as suas próprias palavras: “Acabamos de vingar o Profeta Maomé”.
É a vontade de vingança que revela aquilo que os irmãos Kouachi se propunham fazer. Não era um protesto aquilo que pretendiam, nem sequer dar largas à sua raiva pelos desenhos que achavam ofensivos, mas sim impor aos caricaturistas Parisienses a punição Islâmica da blasfémia. . Encarado desta maneira é fácil perceber que se tratou de um acto que pretendia atingir uma utopia- A “idílica” sociedade Islâmica a que os Kouchis aspiravam- uma onde os blasfemos são punidos com a morte.
Os ataques de Paris revelam o impulso Islâmico de luta contra os valores normativos da sociedade Europeia. Nada que seja novo. Passou mais de uma década sobre o assassinato nas ruas de Amesterdão de Theo van Gogh por ter feito um filme onde era questionada a posição das mulheres no Islão. Em 2010 Kurt Westergaard, um caricaturista do jornal Jyllands-Posten e autor de desenhos do Profeta, escapou por pouco a uma tentativa de assassinato.
(continua)