PIRRO
Quando o Partido Trabalhista após um longo interregno regressou ao poder em 1997, tratou imediatamente de satisfazer uma antiga aspiração dos Escoceses e uma das suas principais promessas eleitorais: A devolução à Escócia de poderes que lhe permitissem ter o seu próprio Parlamento o que não sucedia desde 1707, ou seja há exactamente 290 anos, data em que foi foi criado o Reino Unido e em que foi dissolvido aquele que até então existia
Pelo chamado Acto Parlamentar de Devolução foi outorgada a legislação necessária para proceder à eleição desse Parlamento, delimitando os respectivos poderes submetidos que ficavam à soberania do Parlamento de Westminster. Dos resultados dependeria a sua composição e consequentemente a nomeação de um Governo próprio para a Nação Escocesa.
O panorama político da Escócia era, (e continua a ser), bastante diferente do resto do país:
Em nenhum outro lugar do Reino Unido tiveram as medidas tomadas pelos sucessivos governos de Margaret Thatcher efeitos tão nefastos e dramáticos para a população mais humilde como na Escócia, o que levou a que o Partido Conservador seja desde essa altura profundamente execrado. Basta dizer que a Escócia elege cerca de 60 deputados para a Câmara dos Comuns mas nenhum deles é Conservador, sendo que 40 pertencem ao Partido Trabalhista, o que dá a este uma clara posição de domínio.
Mas tão forte era essa posição que resultou em complacência e imobilismo, não tendo o Partido Trabalhista detectado a crescente aspiração da população por uma maior autonomia, o que resultou num crescimento lento mas seguro do Partido Nacional Escocês, (SNP), que viria a ser o que elegeu o maior numero de deputados na eleição de 2007 sem contudo atingir a maioria absoluta, objectivo que viria a conseguir em 2011. Desde essa altura que Alex Salmond, certamente o mais brilhante e astuto político da actualidade, é First-Minister da Escócia , (em oposição ao titulo de Prime-Minister, reservado ao Chefe do Governo Britânico).
Mais recentemente....
Salmond, pouco tempo depois de tomar posse em 2011, iniciou conversações com David Cameron exigindo a realização de um referendo sobre a independência da Escócia a realizar a 24 de Junho de 2014. Essa data era tudo menos inocente, pois nesse dia teriam passado 700 anos da batalha de Bannockburn travada em 1314, e onde o Rei da Escócia Robert the Bruce derrotou as tropas Inglesas do Rei Eduardo II.
Cameron, que achou a ideia do referendo bizarra e destinada a não ter consequências práticas, recusou-se porém a aceitar essa data e depois de muita discussão ficou finalmente assente que a consulta popular teria lugar a 18 de Setembro de 2014, na próxima semana portanto.
Não e não....
A questão seguinte foi determinar quais as perguntas que seriam feitas ao eleitorado, propondo Alex Salmond que estas seriam três :
Sim à Independência
Não à Independência
Sim à Devolução Máxima
Essa figura Devolução Máxima, DevoMax como ficou conhecida, seria a transferência de mais poderes do Parlamento Britânico para o Parlamento Escocês, um meio termo portanto entre o status quo e a independência total.
Mas Cameron, confortado com as sondagens que davam uma vitória esmagadora ao Não, recusou terminantemente a inclusão dessa terceira pergunta.
Seria portanto tudo ou nada : Sim ou não à Independência.
6 de Setembro...
Durante todo o mês de Agosto a vantagem do Não manteve-se nuns confortaveis 20%, o que levou Cameron a comentar publicamente que o referendo na Escócia era “um não-evento”, opinião que teve eco em Ed Miliband ao dizer que o o referendo “não merecia ser discutido”.
Ambos, como hoje se sabe, estavam na ignorancia absoluta sobre o iminente tsunami que se iria abater sobre as respectivas cabeças a 6 de Setembro:
Data inesquecível essa em que foi conhecida a primeira sondagem dando a vitória ao Sim, o que provocou um pânico indescritível no establishment politico britânico, com as figuras mais gradas do Governo e da Oposição parecendo galinhas sem cabeça correndo em círculos.
Surgiram as ideias mais estapafúrdias tais como hastear nos edifícios públicos ingleses a bandeira da Escócia, o que rapidamente se tornou numa tragicomédia com a cena do içar da Cruz de S. André no telhado de Downing Sreet, imagens caricatas que deram volta ao mundo.
Mas o que se seguiu foi assaz pior com o Primeiro-Ministro, Vice Primeiro-Ministro e líder da Oposição que como três estarolas se meteram num comboio em direcção à Escócia sem planos nem objectivo descernivel.
David Cameron, que ficou prudentemente longe das ruas, teve então o topete de anunciar que se os Escoceses recusassem a independência ser-lhes-ia concedida a Devolução Máxima, a tal que se tivesse sido aceite por ele em primeiro lugar teria evitado toda esta medonha trapalhada.
Ed Miliband, o Líder Trabalhista, num patetismo difícil de igualar, não cogitou um segundo sequer se deveria ser visto na companhia do Primeiro e Vice Primeiro Ministro contra quem irá disputar eleições dentro de meses e de cuja impopularidade depende a sua cada vez mais improvável vitória eleitoral.
Mas o zénite da loucura foi atingido quando o antigo Primeiro-Ministro Gordon Brown, o ultimo Trabalhista a ocupar o lugar, o derrotado por David Cameron em 2010 e sob cuja batuta se deu o crash da Economia, o culpado das maiores malfeitorias, foi nomeado como defensor-mor do Não e salvador oficial do Reino Unido. Imaginem que em Portugal, e em idêntica dramática situação, fossem buscar José Sócrates como solução de ultimo recurso. E pensando melhor...
Armagedão...
Todos os dias surgem novas ameaças se ganhar o Sim à independência, numa campanha de brutal intimidação.
Não consigo nem de longe enumerar todas, que vão desde não poderem usar a Libra Esterlina, à saída dos Bancos da Escócia, ao não pagamento das pensões, à subida incontrolável dos empréstimos das casas, ao aumento do desemprego, é um nunca mais acabar.
As ultimas, que me recorde, são de cadeias de supermercados anunciando o aumento em flecha do custo da alimentação e, imagine-se, até vem o Comité Olímpico Britânico dizer que a Escócia não poderia participar nas Olimpíadas, e a maior cadeia de lojas de bricolage, a B&Q, avisando que os clientes terão de pagar muito mais pelas latas de tinta, pinceis, porcas e parafusos se houver independência.
Com tudo isto só me espanta é como a votação pelo Sim se mantém superior aos 45%.
Pirro...
De Pirro será a vitória do Não na próxima quinta-feira, a vitória do medo e não a da esperança. A estupidez cósmica dos políticos que temos terá feito perder para sempre the hearts and minds da maioria do Povo Escocês, e é com profunda tristeza que o digo. Eles, os políticos, julgam que após o dia 18 tudo será esquecido e que voltará a normalidade do business as usual. Não voltará. A sementeira que fizeram de rancor e ressentimento na Escócia disso se encarregará, e o dia 19 será o primeiro da nova campanha pela independência .
Para o Partido Trabalhista então o desastre será total: Sem os membros do Parlamento eleitos pela Escócia jamais este Partido poderá sonhar em governar e os eleitores não esquecerão tão cedo que Ed Miliband lá foi na companhia do detestado David Cameron. É o que dá ter-se um líder pateticamente inepto. Nisto pelo menos os Portugueses não estão sós.
PS:
Hoje Sábado, a Skynews acaba de anunciar a última sondagem que dá 49%-51%, uma escassa vantagem para o não portanto.
The plot thickens....