A Gazeta do Middlesex

Money Talks

20/3/2018

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                                         MONEY TALKS


Há duas semanas atrás Michel Barnier, o negociador-chefe pela UE no Brexit, garantia peremptório que não seria possível passar à fase seguinte das negociações enquanto o Reino Unido não apresentasse uma solução para o problema da fronteira entre as Irlandas. Dramático, avisava : “A Grã-Bretanha tem apenas duas semanas para apresentar uma proposta exequível que evite uma fronteira física entre a Republica e o Ulster !”
Ontem mesmo ele e David Davis, que tem o mesmo papel pelo Reino Unido, anunciavam exultantes que tinham conseguido o tal acordo para prosseguir as negociações. Quanto à questão Irlandesa aos costumes disseram nada. Mas os Britânicos conseguiram uma concessão importante ao lhes ser dado um prazo até 31 de Dezembro de 2020 para “se prepararem melhor” para os efeitos do Brexit, que acontecerá, é bom lembrar, a 19 de Março de 2019. Entre as duas datas tudo ficará mais ou menos na mesma.
Há é verdade o pequeno detalhe de no Tratado de Lisboa estar estabelecido o prazo de dois anos para, uma vez evocado o famoso artigo 50 pelo Estado membro que pretende sair da União, essa saída se tornar efectiva. Como aqui os prazos não se tornaram “meramente indicativos” como na Justiça Portuguesa, ( a rebaldaria ainda não chegou a tanto…), há que emendar o Tratado o que acontecerá na próxima Sexta-Feira na reunião plenária dos Chefes de Estado e Governo da União.
Com a Frau Merkel outra vez com Governo, com o SPD  novamente a servir submisso de muleta e com Macron mandado calar, não lhe será difícil a montar o numero de circo “Angela e os seus 26 cãozinhos amestrados” que aprovará tudo o que lhe puserem à frente.
É que, já devem ter percebido, se o Brexit é mau para os negócios então é péssimo para o sector financeiro. Não serão certamente alguns detalhes a que chamam, talvez exageradamente, “Princípios Fundadores” da UE a perturbar o suave fluir do business as usual.
Money Talks. O dinheiro fala, e agora vai falar muito mais alto.

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Revolução

11/3/2018

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                     A  GAZETA  DO  MIDDLESEX

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                                           REVOLUÇÃO

O post de hoje é a tradução de um artigo recentemente publicado na revista The New Statesman. Nele os autores, Brendan Simms e Daniel Schade, que são respectivamente professores de Relações Internacionais na Universidade de Cambridge e de Estudos Europeus na Universidade de Magdeburgo, fazem uma analise minuciosa das propostas do Presidente Francês para a reforma da UE. Muitos leitores julgarão utópicas as ideias de Macron. Outros serão da opinião que à distopia actual qualquer utopia é preferível, isto se queremos que a UE sobreviva, agora com o resultado das eleições Italianas a dar um tom de maior urgência ao debate . Uma longa leitura a testar a paciência da cada um, mas indispensável se se quiser ter uma ideia do que o futuro pode trazer para a Europa, logo para Portugal.
manuel.m





Por vezes é necessário que haja um Francês. Alexis de Tocqueville, o escritor e político do Séc. XIX, ainda hoje é lembrado por ter sido ele a explicar ao mundo os méritos da Democracia Americana. Em meados do Séc XX foram outros dois Franceses, o economista e diplomata Jean Monnet e o Ministro dos Negócios Estrangeiros Robert Schuman, que tiveram um papel decisivo na criação da Comunidade do Carvão e do Aço, que foi a base intelectual que evoluindo se transformou na União Europeia dos nossos dias. Agora é o Presidente da França, Emmanuel Macron, que aponta uma saída para a paralisia que afecta actualmente a UE. O que ele propõe para a Europa é tão radical que se tornou muito mais importante que outras questões, incluindo o Brexit, causando espanto por não ser motivo de divulgação e de discussão alargada no continente Europeu.


Numa série de artigos, discursos e livros que vieram a publico nos últimos 18 meses Macron denunciou de uma maneira brutal as fraquezas da União Europeia. O problema, diz ele, é o facto de os Estados Membros serem isoladamente demasiado fracos para gozarem de uma soberania efectiva nos campos de economia, da finança, do ambiente, da imigração, da política externa e defesa. E o pior é que a UE na sua forma actual é incapaz de encontrar uma solução para as suas deficiências. O Euro não tem uma base de política económica comum, o que tem como consequência uma perpétua instabilidade. Os regimes fiscais dos Estados membros não são coordenados, o que faz com que haja uma competição entre eles para baixarem cada vez mais os impostos, o que por sua vez põe em risco a viabilidade das políticas sociais.


Enquanto a UE estabelece metas ambiciosas para enfrentar o problema das alterações climáticas, os Estados membros individualmente não cumprem as promessas. A Europa não tem um comando militar unificado, o que torna quase inexistente a sua capacidade de defesa; esta é garantida pela Nato com as forças operacionais a serem disponibilizadas por além Atlântico ou além Canal da Mancha. A maior parte da União participa no acordo de Schengen tendo abolido as fronteiras terrestres, mas não possui uma força de defesa das suas fronteiras externas, nem uma política comum que regule as migrações, com os resultados previsíveis nos Balkans e no Mediterrâneo.
Os Europeus na realidade não são mais do que arrendatários dos seus próprios territórios, muito embora Macron não tenha posto até agora a questão nesses termos.



O que o Presidente Macron propõe é um retorno da “soberania” às populações dos Estados membros - querendo dizer com isso que deverá haver uma genuína participação democrática - pela criação de uma “soberania europeia” alargada. As suas sugestões concretas para uma reforma da UE passam pela estabelecimento de uma força militar de intervenção europeia, que deverá ter uma doutrina comum e um orçamento também comum; uma policia fronteiriça europeia e um organismo europeu que aplique as políticas de asilo, que deverão ser comuns, ao mesmo tempo que garanta a segurança dos fronteiras externas.
A lista não acaba aqui, mas mais importante do que as mudanças que são propostas é a apresentação das medidas concretas em como essas mudanças devem ser feitas, financiadas e legitimadas.

A escala dos problemas leva Macron a concluir que se torna imperioso que haja um Orçamento Europeu, gerido por um Ministro das Finanças Europeu, e que esse Orçamento seja rigorosamente controlado por um Parlamento também Europeu.

Dada a extensão que as propostas cobrem, e os mecanismos necessários para que sejam viáveis, a reformulação da EU levaria à criação de um Estado Europeu em tudo menos no nome, uma nova realidade que substituiria a confederação de Estados que hoje existe.


Na visão de Macron o plano para a criação de um nova Europa deverá ser posto à discussão entre os povos que estejam dispostos a participar no processo, e o resultado desse debate alargado deverá ser tido em conta na próxima eleição do Parlamento Europeu em 2019. Em ultima analise nessa visão estará presente a possibilidade de alguns dos Estados não desejarem fazer parte dessa nova Europa, e a isso não serão obrigados: Farão parte de um grupo que avançará a uma menor velocidade.

Escreve Macron no seu livro Revolução:


Confundimos soberania com nacionalismo. Digo que aqueles que verdadeiramente acreditam na soberania são os pró-Europeus: A Europa é a nossa oportunidade de recuperar a total soberania...Soberania significa uma população fazendo livremente as suas escolhas colectivas, no seu território. E ter soberania é ser capaz de agir. Dada a seriedade dos desafios que enfrentamos seria uma mera ilusão e um erro pensar que podemos agir apenas ao nível nacional. Para lidar com o influxo de imigrantes, com a ameaça do terrorismo internacional, com as mudanças climáticas, a transição digital e sobretudo com a supremacia económica dos Americanos e dos Chineses, a Europa é o nível mais apropriado para agirmos.


A concepção de soberania que transparece nestas palavras pode parecer ser complexa mas é no entanto bem clara e revolucionária; não é por acaso que o livro de Macron tem o titulo Revolução: O que pretende não é apenas fazer o somatório das soberanias dos Estados membros; ele deseja atingir um patamar superior. Nem o Presidente pretende retirar a soberania a esses Estados porque, na realidade, eles não possuem nenhuma. Os povos da Europa continental ou têm uma soberania Europeia ou não terão nenhuma.




Para se poder entender o que isto significa para a ideia de Estado-Nação é preciso perceber a distinção que o pensamento político Francês faz entre Nação e Estado. Enquanto a maioria dos Estados-Nações europeus fundam a sua raison d’être no conceito de um território e de uma ancestralidade comuns, a identidade da França é suplementada por um outro ideal, o da Republica. O mito fundador da Republica é o de ser a defensora de valores republicanos e universais, tais como os direitos humanos e de cidadania. Estes conceitos, para os Franceses, sobrepõem-se, o que pode ser observado na declaração formal com que todos os Presidentes terminam os seus discursos: “Viva a Republica e viva a França.”
Enquanto Macron pretende preservar o primeiro, o da Nação Francesa, ele sugere transferir o outro, o da Republica Francesa, com os seus ideais universais de defesa dos Direitos Humanos, para o nível Europeu. A Nação Francesa manter-se-á, como aliás todas as outras Nações, mas não será mais soberana. A Quinta Republica Francesa acabará formalmente – ela é já na prática redundante – e será substituída pela Sexta Republica, que será simultaneamente a Primeira Republica da Europa.

****

As ideias de Macron para a reforma da Europa vão buscar inspiração – directa ou indirectamente – em outras experiências bem sucedidas: Tais como a das colónias Americanas independentes que depois iriam formar os Estados Unidos, ao chegaram à conclusão que isoladamente seriam demasiado fracas para enfrentarem as futuras ameaças, o Presidente Francês acentua o facto que a verdadeira soberania dos povos Europeus apenas poderá existir se houver um único Estado de facto que seja responsável pelas políticas Europeias. No entanto, tal como a Inglaterra, a Escócia, o País de Gales e parte da Irlanda, que continuam a ser Nações dentro de uma união política alargada, o Reino Unido, Macron vê a França e as outras Nações mantendo as suas identidades distintas sob a nova “Soberania Europeia”. E o que deseja é que este objectivo não seja atingido gradual e subrepticiamente , mas sim rapidamente através de consulta e consenso. O que propõe é uma serie de alterações constitucionais que sejam referendadas de modo que a institucionalização dessa soberania Europeia possa estar aprovada em 2024, ano das eleições para o Parlamento Europeu.

São formidáveis os obstáculos a estas ideias de Macron, quer sejam domésticos, Europeus ou globais. O seu plano é um desafio fundamental ao nacionalismo Francês, seja de Direita ou de Esquerda. Até agora fora dos extremos da política a resposta não tem sido visível com excepção de algumas lutas simbólicas tais como se a bandeira da UE deve ser hasteada ou não no Parlamento ao lado da Francesa. Uma oposição mais séria é esperada quando for altura de discutir os planos económicos domésticos. Uma vez que as pessoas tomem consciência do que essas ideias realmente significam, a controvérsia será fortíssima. A Quinta Republica não irá desaparecer sem resistir à alvorada Europeia.

O plano de Macron vai também contra a realidade corrente e o estado de animo da UE e dos seus Estados Membros. Como um antigo Primeiro-Ministro da Eurozona afirmou quando perguntado sobre a visão de Macron sobre a UE “ A UE é uma confederação de Estados com tonalidades federais. A UE não é um Estado e jamais se tornará num. É uma organização baseada na Lei e num estado de espírito, onde se avança através dum processo de consultas”.

A ideia de uma Europa “a várias velocidades” causa alarme em certos países do Leste Europeu onde os valores da Democracia liberal estão ameaçados e onde será lógico assumir que sejam relegados para a faixa dos lentos na auto-estrada da integração.

O mais importante é que os planos do Presidente Francês colocam a Alemanha num dilema: Muito embora, numa primeira reacção, ela apoie o “motor” Franco-Alemão puxando pela integração Europeia, Berlim vê “mais Europa” como sendo atingida por fases e não numa só e decisiva mudança.
A Alemanha também é muito menos receptiva à ideia de desviar os países de Leste para uma linha secundária. Prefere muito mais abrandar o comboio de maneira que todos os Estados possam acompanhar a marcha, possibilitando-os de chegar ao mesmo tempo ao destino, isto se o conseguirem.
Por outro lado existe uma forte simpatia entre os Conservadores Alemães em relação aos Conservadores Polacos e Húngaros, que Macron gostaria de excluir e neutralizar.
Mas mais importante do que tudo existe uma forte resistência na opinião publica Alemã quanto a consolidar as dividas publicas da Euro zona, coisa que Macron sabe ser essencial se se quiser estabilizar de vez o Euro.


Terá o Presidente Macron capacidade de levar até ao fim os seus ambiciosas planos ? Até agora tudo sua na vida pessoal e política sugere que Macron é uma personalidade que possui dotes extraordinários e que não se deixa limitar por conveniências, sentindo-se livre para explorar caminhos desconhecidos. Nunca ele fez as coisas, pelo menos as grandes coisas, da maneira mais fácil.
Macron tem uma estratégia clara em como criar uma republica Europeia. No ano passado começou com a reforma da economia Francesa, parcialmente porque a economia necessitava mesmo de reforma, mas principalmente para impressionar os Alemães. Não o ter feito seria dar razão aos que na Alemanha dizem que não se pode confiar nos outros países para criar um orçamento e uma divida comuns na Europa. Esta é a razão pela qual no seu discurso na Sorbonne em Setembro de 2017 mostrou estar de acordo com as linhas gerais da política do então Ministro das Finanças Alemão Wolfgang Schauble e com a necessidade de defender as “regras comuns”.
Até agora Macron tem sido extraordinariamente bem sucedido, muito mais do que os seus detractores esperavam e o seus apoiantes se atreviam a imaginar. Depois da sua notável vitória eleitoral, ela própria um golpe de sorte, criou do zero um novo partido político, “La Republique em Marche”, que veio em seguida ganhar as eleições parlamentares. Deu logo inicio a uma serie de reformas no país sem que os todo poderosos sindicatos Franceses tenham bloqueado as suas iniciativas, nem que que tenha acontecido algum escândalo que envolvesse personalidades do seu movimento.

E Macron já não é uma banda-de-um-homem-só. A sua acção inspirou outros experientes políticos de diferentes alas da política Francesa a juntarem-se-lhe, tais como Bruno LeMaire, o novo Ministro da Economia, que fala fluentemente Alemão e que aparece regularmente nas televisões do outro lado do Reno. Entretanto os Negócios Estrangeiros e os Assuntos Europeus foram confiados ficaram também em mãos experientes.
Não deve ser esquecida a importância dos novos parlamentares recentemente eleitos, e que são totalmente distintos dos seus antecessores. Macron conseguiu motiva-los a fazerem política diferentemente, o que não foi difícil uma vez que são consideravelmente mais novos que a média dos seus eleitores. Entre muitos , vem à memoria o nome de Cédric Villani, o vencedor do equivalente ao Prémio Nobel para a matemática, a Medalha Fields, e que é um federalista Europeu; À frente do comité para os Assuntos Europeus está Sabine Thillaye, que durante grande parte da sua vida teve passaporte Alemão antes de adquirir a nacionalidade Francesa.
A diversidade do grupo Parlamentar tornou-o mais vulnerável a fracturas, mas o tamanho da maioria que apoia Macron fez com que esse risco se tornasse negligenciável.
No entanto os planos do Presidente Francês sofreram um considerável contratempo com o resultado das eleições Alemãs de Setembro e a perda da maioria parlamentar por Merkel. Macron tinha a esperança de começar a discutir o futuro da Europa com a Chanceler em princípios de 2018 a tempo de ser assinado um novo tratado Franco-Alemão por altura do 55º aniversário do histórico Tratado do Eliseu de 1963. As longas negociações para a formação de um novo governo Alemão inviabilizaram esses cálculos.



No entanto existem sinais que a posição Alemã vai mudando lentamente a favor de Macron. Primeiro, o resultado das eleições fragilizaram Merkel, e o impasse nas negociações para a formação do novo governo fizeram com que, pela primeira vez em mais uma década, a balança do poder pendesse para Paris.
Segundo, o acordo de coligação entre os Cristãos-Democratas de Merkel e o Partido Social-Democrata, (SPD), tem nitidamente um pendor pró Europeu,uma das principais exigências do ultimo.
Terceiro, e o mais importante, ao garantir as pastas das Finanças e dos Negócios Estrangeiros, o SPD tem um poder decisivo sobre as decisões que afectem a Europa.

De uma maneira ou de outra Macron e os pró-Europeus do SPD, derrotaram duas recentes narrativas: Que tudo está bem na UE, apesar de alguns problemas, e que não haverá nenhuma decisão para uma rápida integração política na Europa num futuro próximo.
Daqui por diante não será possível ao Chefe de Gabinete de Merkel, Peter Altmaier, repetir até à exaustão o velho mantra de Berlim:
“ A discussão se a Europa deveria ser um estado federal, confederação, ou uns Estados Unidos, é para os jornalistas e académicos, não é para a política externa Alemã.”
Existe, fora de dúvida, um novo elan, uma visão de futuro ao mesmo tempo visionária e realista que ficou demonstrada em Janeiro com a votação conjunta dos Parlamentos Alemão e Francês a favor da reforma da UE.

Na sua ultima mensagem de Ano Novo, Macron dirigiu-se directamente ao povo Europeu:

“ Este ano preciso de vós”, disse, “Para redescobrir a ambição Europeia, uma Europa mais soberana e unida que seja mais democrática e que sirva melhor o povo da Europa”.
Foi um apelo directo à opinião publica Europeia feito por cima dos Chefes de Estado dos outros Estados membros. A decisão foi correcta, mas ninguém sabe se terá sucesso.
Verifica-se, é certo, um certo revivalismo do ideal Europeu. Mas quando se discutem os detalhes, em especial a criação de um plano concertado para salvar a União, esse consenso desaparece. Antes do ultimo Natal, uma sondagem feita pela respeitada Fundação Korber revelou serem os Alemães fortemente a favor da União Europeia mas, por escassa margem, contra os planos de Macron para a salvar.
Apesar de toda a retórica o sentimento dos Europeus de partilharem um destino comum é ainda fraco. É verdade que a opinião publica pode mudar, se líderes credíveis defenderem o plano. Para que isso aconteça Macron necessitará que um movimento “Europe en Marche” se espalhe por todo o continente; um projecto para a unificação democrática da Europa.


Uma nova narrativa terá de surgir que seja credível tanto em Paris, como em Atenas ou Tallinn. Macron terá que liderar a sua nation une et indivisible para fora do seu hexágono e zona de conforto de modo a que se transforme numa Grande Nation Europeia.
Aos Franceses não se pede que sejam missionários, isso nunca resultou, mas terão que ser a força animadora da União. E para ser bem sucedido Macron vai ao mesmo tempo ter de alertar para os perigos da imobilidade e oferecer um “projecto esperança” em que os Europeus acreditem.




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SuperNanny

6/3/2018

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                                           SUPER NANNY

                                         (E OUTRAS INDIGNAÇÕES)

Raramente saio das fronteiras da BBC mas há um bom par de anos assisti por duas ou três vezes ao SuperNanny. A autora e protagonista, Jo Frost, aproveitou os seus trinta anos de experiência como nanny para apresentar um programa no Canal 4 que mostrava casais com graves problemas em controlar as suas crianças e onde ensinava técnicas simples para restaurar alguma normalidade no dia a dia daquelas famílias. A ideia, original a que se saiba, teve imediato sucesso e foi exibida na Grã-Bretanha durante uma década tendo sido exportada para 48 países muitos dos quais na Europa, incluindo na vizinha Espanha onde foi exibido sob o título “Supernanny, SOS-Adolescentes”. O que Jo fazia era enganadoramente simples e consistia em ensinar os pais em como ser firmes e consistentes na sua acção disciplinadora e as suas técnicas foram suficientemente inovadoras para ser objecto de estudo por psicólogos e educadores. Fox é também autora de seis livros sobre problemas comportamentais na infância, gestão comportamental e técnicas parentais.
Todos sabemos que as crianças não nascem com livro de instruções e que o mister de sermos jovens pais é cheio de incertezas e perplexidades, mas acredito que no fim a maioria de nós lá conseguiu levar a carta a Garcia sem grandes problemas.
Aos casais que vi na SuperNanny isto não se aplica porém: É difícil imaginar como adultos se podem deixar totalmente manipular e dominar pelas crianças, tornando a vida quotidiana num perfeito inferno. Muito talento teve que ter Jo Fox para guiar aquela gente até uma aceitável normalidade, poupando depressões e divórcios aos desesperados pais. E talvez aí resida a razão do sucesso do programa, ao ser simultaneamente pedagógico e profilático.


Em Portugal as coisas não se passaram porém assim: Quando uma estação televisiva resolveu apresentar uma versão lusa do SuperNanny uma onde de indignação varreu o país de Norte a Sul. Afinal os Portugueses tinham voz e, agora que estavam unidos contra algo que vinha de fora, usaram-na com estrépito. Um crime contra as crianças clamava-se; um traumatismo irreparável condenando-as a um futuro de sofrimento mental. Rapidamente choveram acusações de maus tratos que acabaram em Tribunal. A Justiça Portuguesa, habituada à velocidade de tartaruga, de repente descobriu ter pernas de lebre: Pais, a Estação da Televisão, Produtores do programa, todos sentiram a sua manápula. Um jornal dito “de referencia”, e que leio on-line, escrevia em titulo:” Às crianças não foi pedido o seu consentimento para figurar no programa”. Considerando que a mais nova tinha apenas ano e meio, isto é puro delírio colectivo. Uma psicóloga, que o mesmo Jornal diz ser uma “especialista” da Acusação, de seu nome Rute Agulhas, afirmou que alguém chamou “diabinho e pestezinha” a uma, ou a várias, das criancinhas o que constitui segundo ela insofismavelmente um crime, e dos graves. Ora a Drª Agulhas, ou é senhora de um aguçado sentido de humor, ou toma-nos por imbecis ao afirmar ser crime aquilo que, a ser verdade, poria atrás das grades metade da população Portuguesa.


Com a distancia a alma Portuguesa tornou-se insondável para mim. Recentemente, e numa curta visita a Portugal, fui convidado para a casa de amigos. Com a televisão ligada para a abertura do telejornal a primeira coisa que surgiu foi um sujeito com um ar alucinado e voz de gramofone a cuspir vitupérios. Feito o zapping constatou-se que todos os canais apresentavam a mesma noticia de abertura. Os meus anfitriões, um pouco embaraçados, explicaram-me que se tratava do Presidente de “um dos grandes” clubes de futebol. Ora eu sei que tudo é relativo. Por exemplo no Algarve, sitio onde passo férias, o Olhanense, que é o clube que a maioria dos expatriados aí residentes apoia, poderia por direito próprio ser também chamado “um dos grandes” mas, por qualquer razão desconhecida, ninguém o faz.

Mas o mais extraordinário é que para os jornalistas Portugueses naquele dia particular nada acontecia de importante em Portugal, país onde corria o leite e o mel, nem mesmo no mundo, com toda a humanidade a atingir o Nirvana. Nem guerras, nem catástrofes naturais, nem a vida dos famosos e ricos, nem as declarações dos políticos, nem mesmo Trump e Kim Jung-un destronaram o querido líder dos Sportinguistas. É, dizem, a nova normalidade do país e por isso, desta vez, ninguém se indignou.


As coisas que acabo de relatar poderiam ser encaradas com bonomia se levadas à conta de bizarrias próprias do povo Português. Qual é o povo que não tem as suas idiossincrasias ?
Mas nada me poderia preparar para o que soube por essa altura : Em apenas 10 meses, entre Janeiro e Novembro de 2017, ocorreram em Portugal 400 atropelamentos seguidos de fuga pelos condutores. Sinceramente no inicio pensei que era uma gralha das agências noticiosas. Mas depois soube que a origem era uma Nota Oficiosa dum Ministério. 400 atropelamentos em 10 meses são quarenta por mês, mais de um por dia. No meu livro não há crime mais ignóbil e cobarde do que este: Deixar uma pessoa caída, e se ainda viva certamente em grande sofrimento, e fugir.
Esperei um sobressalto cívico, um abalo telúrico à consciência colectiva, um grito de raiva ecoando por todo o país, mas nada aconteceu: A noticia foi esquecida e varrida para debaixo do tapete. Nem o próprio Presidente, a que chamam simplesmente Marcelo, tugiu ou mugiu, ele que é tão prolixo nos seus comentários. O povo Português não se quis ver ao espelho ao discutir abertamente estes crimes hediondos, talvez com medo da imagem reflectida. E com esse silencio a Honra colectiva não foi resgatada. O bom povo afinal não é tão bom assim e os seus propalados brandos costumes são tudo menos brandos.

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Quatro Discursos

2/3/2018

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                                 QUATRO DISCURSOS E UM FUNERAL

Uma Primeira-Ministra, dois ex Primeiro-Ministros e um aspirante a Primeiro-Ministro discursaram esta semana. Dois do Partido Conservador e dois do Trabalhista. Com o tempo a esgotar-se rapidamente para se conseguir um acordo com a UE sobre o Brexit, todos afivelaram o ar grave e compungido que os políticos usam naquelas que dizem ser as grandes ocasiões históricas. Comecemos pelo ultimo, Jeremy Corbyn:

A posição dos Trabalhistas tem sido pelo menos tão confusa quanto a dos Conservadores, porém por diferentes razões. Cerca de 80% dos seus Membros do Parlamento defenderam no referendo a permanecia na UE. Mas em quase igual numero das circunscrições eleitorais pelas quais foram eleitos ganhou o Brexit. Mas, se considerarmos apenas os eleitores que votam Labour, então estes defendem maioritariamente a permanência. Para os Parlamentares isto resulta num numero de equilibrismo difícil de executar. Corbyn escondeu o jogo tanto quanto pode mas na passada Segunda-feira, no seu discurso em Coventry, abriu-o, e de que maneira, ao defender que o Reino Unido devia permanecer na União Aduaneira. Explicando melhor: Não na, mas em uma União Aduaneira, (em tudo parecida com a actual, aliás), como meio de defender os postos de trabalho ao evitar a imposição de taxas no comercio com a UE. Uma verdadeira revolução, contudo.

John Major é talvez o ultimo grande senhor da política Britânica, aquele que comparte com Jeremy Corbyn a distinção de nunca terem frequentado uma Universidade, talvez por ambos não terem sentido a necessidade de martelar uma licenciatura para ter sucesso na política.
Major no seu discurso defendeu com veemência a permanência na UE e a sua visão de um Reino Unido sem fronteiras com a Europa e aberto aos ideais comuns. Mas foi mais longe ao apelar para um segundo referendo como meio de legitimar o acordo final a que se venha a chegar com a UE. Um verdadeiro anátema, que fez com que os defensores do Brexit espumassem pela boca e que lhe valeu o epíteto de “traidor” atirado por alguns dos seus companheiros de Partido.

Tony Blair quis chegar-se à frente a botar também faladura. Não é personagem que tenha grande credibilidade neste país, mas lá veio defender a UE muito na linha do que John Major tinha feito. Diferença não fez nenhuma, mas em nome do rigor aqui fica feita a referencia à sua intervenção.

Finalmente Theresa May e o seu discurso de hoje. Ela está na posição do conjuge que querendo o divorcio a qualquer preço faz um elogio apaixonado das qualidades e beleza do outro, com juras de querer continuar numa relação terna e próxima. Não faz sentido? Pois não faz, ainda por cima quando um quer ficar com a casa e o carro, mas deixar a hipoteca e o leasing para o parceiro.

O problema é May ter o seu Partido dividido em duas facções que se odeiam mutuamente, dependendo a sua sobrevivência política em ser capaz de ir atirando uns restos a uma e a outra, ao mesmo tempo que vai toureando Bruxelas, ora fazendo declarações de amor, ora proferindo ameaças, fugindo como o diabo da cruz dos problemas para os quais não tem solução, veja-se o caso da fronteira entre as duas Irlandas: Hoje a posição oficial do Governo de S.M. passou a ser nada fazer a respeito. Pela Primeira-Ministra pode ficar tudo como dantes e se a UE quiser uma fronteira física entre a Republica e o Ulster pois que a faça ela.

E o funeral ?

Pois se a posição da UE continuar a ser a que é defendida por Michel Barnier, e se a Direita radical, por causa disso, quiser impor um Hard Brexit, ela será derrotada no Parlamento com os votos de toda a oposição e da ala moderada dos Conservadores, como aconteceu recentemente. O enterro será o dos radicais da Direita Britânica e não o da Economia, do Estado Social, dos Direitos dos trabalhadores e dos imigrantes. A Brã-Bretanha continuará intimamente ligada à Europa e às suas instituições.

Mas se a UE ceder, então Michel Barnier terá andado a fazer figura de tonto, e o Brexit terá valido a pena. O enterro seria então dos tais valores Europeus e com eles desaparecerá a prazo a possibilidade de sobrevivencia da União. É a este funeral que não quero comparecer.




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BINO

26/2/2018

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                                             BINO


Num país em que para qualquer nova situação surge sempre um novo acrónimo era inevitável, imho, ( in my humble opinion, na minha humilde opinião), que a iminente mudança da posição do Partido Trabalhista em relação ao Brexit, que era até agora recusar que o Reino Unido continuasse a pertencer à União Aduaneira e ao Mercado Único após a saída da UE, para passar a ser de uma muito maior aceitação desse cenário, pelo menos no que toca à União Aduaneira, tenha feito aparecer de imediato o Bino: Brexit in name only – Brexit apenas no nome.


Jeremy Corbyn no seu discurso de hoje em Coventry anunciou formalmente ao país essa mudança, centrando a sua intervenção nos custos económicos e políticos, (no caso da Irlanda do Norte), resultantes da introdução de barreiras alfandegárias entre a Europa e a Grã-Bretanha. Não resisto em transcrever uma passagem desse discurso que dará, imnsho, ( In my not so humble opinion - na minha não muito humilde opinião), aos leitores uma ideia da gravidade do que o Governo Conservador se prepara, (ou após este discurso, se preparava), para fazer:


“Vejam o caso de tantas industrias que têm o seu processo de produção totalmente interligado com a Europa. É o caso da industria automóvel que é responsável pela criação de 169.000 postos de trabalho, dos quais 52.000 estão aqui nos West Midlands.
Não pode haver melhor exemplo do que um dos maiores símbolos dessa industria, o Mini.
Um Mini atravessa o Canal da Mancha três vezes antes de estar pronto, uma viagem de 2.000 milhas. O fabrico começa em Oxford, após o que é enviado para França para serem montados componentes essenciais. Feito isso regressa à fabrica da BMW em Hams Hall no Warwickshire onde continua o processo de fabrico. Quase pronto é novamente enviado, desta vez para a Alemanha, onde lhe é montado o motor, para regressar a Oxford, sendo então dado como pronto após os retoque finais.
E se o carro for vendido na UE, o destino da maior parte, ele terá cruzado o Canal por quatro vezes.
Com 44% das nossas exportações a terem a UE como destino, assim como 50% das nossas importações a terem essa origem, é vital que esse comercio continue a estar livre do pagamento de tarifas alfandegárias.”


A questão é saber-se se no Partido Conservador, que está em plena guerra interna entre os que defendem um Brexit radical e os que querem que a Grã-Bretanha continue fortemente ligada à UE, haverá um numero suficiente de dissidentes para, ao votarem no Parlamento com toda a oposição, derrotem Theresa May e os seus planos de Hard Brexit. Então sim, teremos um “Bino”.

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Carnavais

11/2/2018

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                                           CARNAVAIS

O grupo carnavalesco auto intitulado o “Porão do DOPS” queria desfilar no Carnaval da Cidade de S. Paulo. O nome, Departamento de Ordem Política e Social, refere a sinistra policia política criada em 1924 com o fim de combater os oponentes à ditadura do “Estado Novo”, (não, Salazar não foi o criador do termo...), e que ganhou nova reputação de brutalidade durante a ditadura militar de 1964-1985. “Porão” é o termo Brasileiro que designa a cave de um edifício, neste caso a da sede dessa policia, onde tantos crimes foram cometidos. Torturas, prisões ilegais e execuções sumárias aí tiveram lugar, tendo-se destacado como sendo dos piores torcionários do regime militar o chefe do Dops Sérgio Paranhos Fleury e o Coronel Carlos Brilhante Dustra. Em 2014 foi publicado um relatório oficial onde se deu a conhecer a extensão dos crimes que causaram centenas de vitimas.
Porém, para o Ministério Publico do Estado de S. Paulo, (aqui felizmente no papel de “bons da fita”), já o simples facto de o grupo ostentar o nome “Porão da Dops” era uma maneira de enaltecer os crimes de tortura cometidos, e uma apologia dos torturadores e assassinos, e decretou a proibição do grupo participar nos corsos de Carnaval. Este recorreu, alegando que não pretendia fazer uma defesa da tortura mas sim “uma desmistificação” da Ditadura Militar e uma Juíza, Daniela Pazetto, acolheu os argumentos dos reclamantes e anulou a proibição, por “violar a liberdade de expressão”. Mas o MP não se deu por vencido e recorreu para um Tribunal Superior, que voltou a confirmar a proibição.

Noutras latitudes mais setentrionais porém, outro MP decidiu entrar de roldão no Ministério das Finanças para fazer uma devassa ao gabinete do Ministro, que é simultaneamente Presidente do Euro-grupo, sob o pretexto que este se teria deixado corromper a troco de dois bilhetes para um jogo de futebol. O argumento, de tão ridículo e infantil, levou a que da diligencia nada resultasse , mas o labéu ficou com a mancha no carácter do Ministro indelével.

Mas a lição foi dada, e é bom que os Portugueses a não esqueçam: Se um Governante tão importante pode ser enxovalhado desta maneira então ninguém está seguro, até porque, nestas coisas da Justiça, em Portugal, não há os que sejam os “bons da fita”.



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O Elogio da Preguiça III

28/1/2018

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                                   O ELOGIO DA PREGUIÇA

                                                   III


(continuação)
A ideia que os pobres deveriam usufruir de tempos livres sempre foi chocante para os ricos. Em Inglaterra, no inicio do Séc. XIX, para um homem, a duração normal do dia de trabalho era de quinze horas ; Às crianças era por vezes exigido o mesmo, e era vulgar terem de trabalhar por doze horas seguidas. Quando foi sugerido que o dia de trabalho era talvez excessivamente longo a resposta foi que era o trabalho que mantinha os adultos afastados do álcool, e as crianças sem fazerem asneiras. Quando eu era jovem, e pouco tempo depois da classe trabalhadora ter adquirido o direito ao voto, alguns dias feriados foram estabelecidos para grande indignação das classes altas. Ouvi uma aristocrata comentar: “Para é que os pobres querem férias? Deviam era trabalhar!”

Se o dia de trabalho fosse apenas de quatro horas isso seria o suficiente para manter o nível de vida das populações e não haveria desemprego. Esta ideia indigna os que estão bem na vida por estarem convencidos que os pobres não saberiam o que fazer com os seus tempos livres.
Temos que admitir que o saber usufruir do ócio é um produto da civilização e da educação.
Um homem que tenha trabalhado longas horas durante toda a vida não saberá o que fazer se ficar subitamente inactivo. Mas, se não dispuser de um considerável tempo livre, o homem ver-se-á privado do melhor que a vida tem para oferecer. Não existe mais a necessidade dessa privação; só por um ascetismo pouco racional, e normalmente egoísta, se continua a insistir na necessidade do trabalho excessivo.

Nos novos ideais que agora norteiam o Governo da Rússia, certas coisas não diferem muito das que estão em vigor no Ocidente. A atitude das classes governantes, especialmente entre os responsáveis pela Educação Publica e no que diz respeito à dignidade do trabalho, leva a que aí se continue a pedir aos “pobres mas honestos” que sejam trabalhadores incansáveis, que estejam disponíveis para longas horas de esforço com a promessa de virem a ser recompensados num futuro distante, e de serem submissos perante a “autoridade”.

A vitória do proletariado na Rússia tem alguns pontos em comum com a vitória das feministas noutros países. Durante imenso tempo os homens diziam reconhecer nas mulheres uma santidade superior, consolando-as assim da sua inferioridade com a afirmação que essa santidade era melhor que o exercício do poder. A certa altura as feministas passaram a exigir ter ambas, porque, se acreditavam nos homens em que a virtude era desejável, deixaram de acreditar neles quando diziam não ser importante deter o poder.

A mesma coisa aconteceu na Rússia em relação ao trabalho manual: Durante uma eternidade os ricos, e os que serviam os seus interesses, elogiaram o “trabalho honesto”, o modo de vida “simples”, com a religião lembrando constantemente ser mais fácil a um pobre “subir ao céu” do que um rico. Afinal tratava-se de convencer os pobres que o trabalho manual conferia por si só uma especial nobreza, da mesma maneira que os homens tentaram, até certa altura, convencer as mulheres que a escravatura sexual de que eram objecto as elevava a um patamar superior de nobreza moral.
(continua)

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Carillion

21/1/2018

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                                          CARILLION



Não sei se este nome foi falado recentemente na Ocidental Praia Lusitana. Admirar-me-ia muito. Mas se disser que a Carillion era uma empresa que vivia de celebrar PPP, (que aqui dão pelo nome de PFI), com o Estado os Portugueses saberão imediatamente do que falo, mas talvez não imaginem a dimensão colossal, faraónica, desta Carillion. Mesmo cá, antes da debacle, muito poucos eram os que tinham uma ideia, embora vaga, em como este colosso financeiro possuía tanto poder sobre a vida dos insuspeitados cidadãos Britânicos. Curioso fenómeno: Tão opaca e distante é a natureza destas mega corporações que realmente nos governam que sobre elas sabemos menos do que se fossem sediadas num país no centro da África.

Mas a palavra deve soar familiar: Carillon, em Francês, Carrilhão em Português, depois anglicizada para Carillion, neste caso querendo evocar o majestoso repicar de muitos sinos anunciando a Boa Nova, a esperança num futuro ridente trazido pela gloriosa privatização da Economia gerida por probos e desinteressados cidadãos em nome do bem comum.
Vil mentira, como irão ver:
Carillion, 20.000 trabalhadores, 450 contratos com a Administração Pública financiados pelos impostos, centenas de empresas sub-contratadas, fornecedora de mais de 32.000 refeições diárias para as escolas, responsável pela manutenção de 50.000 casas para o pessoal das Forças Armadas, vencedora do concurso para a construção do TGV entre Londres e Birmingham, do concurso para a construção dos novos hospitais em Liverpool e nos Midlands e da nova biblioteca em Birmingham, responsável pela gestão de metade das prisões de SM e das instituições correccionais para os jovens e, last but not least, fornecedora de 11.500 camas suplementares em clínicas privadas aos hospitais públicos, hospitais esses que estão à beira do colapso devido aos cortes orçamentais.

Tudo contratos leoninos, tudo contratos milionários, apenas possíveis por estarem os serviços públicos enxagues devido à austeridade. O caso do SNS é particularmente revoltante, ele que foi fundado pelo Trabalhista Nye Bevan, já no distante ano de 1948, com o propósito declarado de por fim à desigualdade no acesso à Saúde. Hoje, em Janeiro de 2018, ano em que se comemoram os setenta anos da fundação, uma criança nascida em Chelsea tem uma esperança média de vida superior em nove anos a outra nascida numa cidade pobre do Norte de Inglaterra. Não há muito tempo um estudo demonstrava que mesmo na Capital, Londres, a esperança média de vida diminuía por cada estação de Metro que se afastava do norte da cidade, rico e próspero, em direcção ao leste, pobre e carenciado. O estado do National Health System, ele que foi a matriz para todos os Serviços Nacionais de Saúde que surgiram depois, é hoje calamitoso: 4 milhões de doentes em listas de espera, 80.000 cirurgias adiadas em 2017, os tempos de espera nas Urgências ultrapassando todos os limites da humanidade e da decência.
Mas a 15 de Janeiro passado tudo acabou. A Carillion, tal como o sapo da história que foi inchando até rebentar, foi à falência e encerrou portas, lançado na incerteza e no desemprego dezenas de milhares de trabalhadores, com centenas de pequenas empresas que lhe prestavam serviços na eminencia de terem de encerrar também.

Mas o modo como se chegou até aqui é, no mínimo, obsceno:

A 10 de Julho de 2017 a Carillion publicou o seu primeiro aviso publico, (de três), sobre a sua situação financeira, (uma obrigação legal para as empresas cotadas que sofram uma alteração significativa das perspectivas de lucro futuro), o que levou a uma queda imediata de 39% do seu valor em Bolsa e à demissão do seu então CEO Richard Howson.

Mas exactamente uma semana depois o Governo celebrou um contrato com a mesma Carillion no valor de £ 1.4 biliões de Libras para a primeira fase da construção do TGV. O Secretário de Estado dos Transportes, (Ministro), Chris Grayling devia estar de férias numa das Luas de Saturno para não ter dado por nada.
Mas há mais: A 18 de Julho o Ministério da Defesa celebrava outro contrato, desta vez no valor de £ 158 milhões de Libras, para o catering e manutenção de 233 instalações militares, incluindo a construção de um hotel.

Em Setembro de 2017 foi publicado o segundo aviso onde se reportavam perdas de £ 1.1 biliões de Libras no primeiro semestre desse ano. Mas como a fé tem muita força, e o Governo aparentemente continuava a ter muita na Carillion, após estes resultados foi assinado novo contrato, agora para a electrificação da linha de caminho de ferro entre Londres e Corby.

Finalmente, e três dias depois do terceiro e ultimo aviso, ( e de uma queda de 48% no valor das acções), o Governo num gesto de grande generosidade celebrou o derradeiro contrato com a Carillion no valor de uns meros £ 12 milhões de Libras.
E foi assim que em 15 de Janeiro a Carillion exalou o ultimo suspiro depois de ter perdido 1 bilião de Libras em bolsa, valendo nos seus ultimos instantes a bagatela de £ 73 milhões.

Mas, é de lembrar que Richard Howson, o antigo CEO antes de rebentar a crise, continua a receber até hoje o seu salário de £ 660.000 Libras. Não haverá, creio, mais refulgente exemplo em como privatizar os lucros e socializar as perdas.
No que toca ao resto o pânico é generalizado entre a malta do capital, com o espectro do Lehman Brothers a pairar: Seria a Carillion too big to fail ? Há que encontrar uma solução sem pronunciar a palavra maldita que começa por um N. Os Bancos já se chegaram à frente prometendo milhões, (eles próprios foram nacionalizados, mas foi pelo Gordon Brown que não tinha medo da palavra N, e que salvou assim o sector Bancário. Fosse ele Ministro das Finanças de Portugal e não o portento em Economia chamada Luis qualquer coisa, e os Portugueses ainda tinham o BES, mas sem a factura a pagar)















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O Elogio da Preguiça II

17/1/2018

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                                                             O ELOGIO DA  PREGUIÇA
                                                                          II

(continuação)
Em primeiro lugar: O que é o trabalho ? Ele é de duas espécies: A primeira consiste em mudar a posição, ou a natureza, da matéria existente na Terra em relação a outra matéria. A segunda é dar ordens aos outros para o fazer e como. A primeira é penosa e mal paga; a segunda dá satisfação e é muito bem retribuída. A segunda não é limitada: Não existem apenas os que dão ordens, mas também há aqueles que dão instruções em como essas ordens devem ser cumpridas. Em relação a este aspecto existem normalmente pelo menos duas organizações que dão conselhos contraditórios; são os chamados Partidos Políticos. O que é requerido para desempenhar esta função não é ter conhecimentos sobre os sujeitos a quem os conselhos são dirigidos, mas apenas saber, falando ou escrevendo, ser persuasivo e conhecer a técnica da propaganda.



Através da Europa, mas não na América, existe uma outra classe social que é mais respeitada que todas as outras. É constituída por aqueles que, pela posse da terra, são capazes de fazer os outros pagar pelo privilégio de meramente existir e trabalhar. Esses latifundiários nada fazem, logo seria expectável que eu os elogiasse. Infelizmente o seu ócio é apenas possível pela exploração do trabalho dos outros; na verdade as suas vidas confortáveis foram a origem do mito da nobreza do trabalho. A ultima coisa que desejariam era que outros seguissem o seu exemplo.



Desde o principio da Civilização, e até à Revolução Industrial, o trabalhador agricola podia com o seu trabalho duro produzir um pequeno excedente para além do que era estritamente necessário para a sua subsistência e a da sua família, apesar da mulher e filhos trabalharem tão duramente como ele. Mas essa pequena parcela não ficava para eles: Era apropriada pelas classes dos homens de armas e dos sacerdotes. Em tempos de fome esse pequeno excedente desaparecia; mas as classes dos poderosos não via diminuído o seu rendimento, o que causava a morte pela fome de quem trabalhava. Este sistema persistiu na Rússia até 1917, (desde então os membros do Partido Comunista herdaram os privilégios que anteriormente pertenciam às classes nobres), e ainda se encontra no Leste; em Inglaterra, e apesar da Revolução Industrial, esteve sem mudar até depois das guerras Napoleónicas e só há cerca de cem anos, com a riqueza a concentrar-se nas mãos dos novos industrialistas, as coisas se tornaram diferentes. No Sul da América esta situação persistiu mesmo até à guerra civil.



Um sistema, que durou durante tanto tempo, e que terminou só tão recentemente, deixou naturalmente profunda marcas no pensamento e na consciência dos homens. Muitas das nossas opiniões feitas sobre a santidade do trabalho derivam dele só que, sendo pré-industrial, não está adaptado ao mundo moderno. As técnicas modernas tornaram possível que o ócio não seja um prerrogativa apenas das classes privilegiadas, mas um Direito igualmente distribuído pela comunidade. A moralidade do trabalho é a moralidade dos escravos, e no mundo moderno não há lugar para a escravatura.



Parece ser óbvio que, nas Sociedades primitivas, os camponeses se deixados a si próprios não abdicariam do pouco que restava depois de satisfeitas as suas necessidades: Ou consumiriam mais, ou produziriam menos.

A principio foi necessário o uso da força bruta para lhes ser tirado essa parcela do seu trabalho. No entanto, e gradualmente, foi sendo possível induzir-lhes no espírito que era seu dever aceitar a ética que deviam trabalhar duramente, mesmo se fosse para sustentar o ócio de outros. E assim, pouco a pouco, tornou-se desnecessário usar medidas compulsivas o que fez com que governar fosse mais fácil e com menos custos. Até hoje 99% dos trabalhadores Britânicos ficariam genuinamente chocados se fosse proposto que ao Rei deveria ser paga uma jorna igual à deles.



A concepção do Dever, historicamente falando, foi usada pelos detentores do poder como meio de induzir os outros a viver para satisfazer os interesses dos seus senhores, em vez dos seus próprios. Alguns dos poderosos escondem de si esta realidade, fazendo-se acreditar que os seus interesses são idênticos aos da Humanidade no seu geral. Por vezes isso pode ser verdadeiro: Os Atenienses proprietários de escravos, por exemplo, usaram a sua ociosidade para fazerem uma contribuição permanente para a Civilização, que de outro modo não teria sido possível num regime económico mais justo. A ociosidade é essencial à Civilização, e na Antiguidade a ociosidade de poucos só foi tornada possível pelo trabalho de muitos, mas não porque o trabalho fosse bom e a ociosidade má.




As técnicas modernas tornam possível diminuir enormemente a carga de trabalho necessária para garantir uma vida condigna para todos. Isto tornou-se óbvio durante a guerra. Enquanto ela durou, todos os homens que estavam nas forças armadas, todos os homens e mulheres que fabricavam armas e munições, todos aqueles que estavam directamente ligados ao esforço de guerra, numa ou noutra posição, foram retirados das actividades produtivas. Apesar disso, o bem estar físico dos trabalhadores não qualificados pertencentes às nações aliadas nunca foi tão alto, antes ou depois do conflito. O significado desta realidade foi escondido pelos financeiros: O recurso ao crédito foi estigmatizado como fazendo recair sobre as gerações futuras o custo do bem estar do presente. Mas isso é obviamente impossível; o homem não pode comer um pão que ainda não existe. A guerra demonstrou conclusivamente que, organizando cientificamente a produção, é possível dar condições de vida dignas às populações usando apenas uma pequena parte da capacidade do trabalho produtivo existente. Se, ao findar a guerra, tivesse sido conservada essa organização cientifica da produção, que tinha sido criada a fim de libertar os homens e mulheres para a luta ou para o fabrico de armas e munições, as horas diárias de trabalho poderiam ter sido reduzidas a quatro. Em vez disso o velho sistema foi reposto e àqueles que tinham trabalho foi imposto que ele durasse por longas horas, e o resto foi deixado à míngua no desemprego. Porquê ? Porque o trabalho é um dever, e o trabalhador não deve receber um salário proporcional ao que produziu, mas sim que esteja na proporção do sacrifício  exigido e do suor gasto.

(continua)




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O Elogio da Preguiça I

12/1/2018

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                                                      O ELOGIO DA PREGUIÇA
                                                                      (1932)


                                                                          I


Como muitos da minha geração fui educado ouvindo dizer que “ A ociosidade é a mãe de todos os vícios”. Sendo uma criança muito bem comportada fiquei com a frase gravada na consciência o que fez com que tenha trabalhado duramente até aos dias de hoje. Mas se a minha consciência controlou as minhas acções, as minhas opiniões sofreram entretanto uma verdadeira revolução. Acho que se faz demasiado trabalho no mundo e que muito sofrimento é causado por se pensar que ele é virtuoso, quando o que é necessário é dizer exactamente o contrário daquilo que se tem propalado até agora. Toda a gente conhece a história daquele viajante que ao chegar a Nápoles se deparou com doze pedintes estendidos no chão ao Sol, (isto foi antes de Mussolini), e que prometeu dar uma Lira ao mais preguiçoso deles todos. Onze deles saltaram imediatamente tentando apanhar a moeda; Obviamente que foi o décimo-segundo a ficar com ela. Penso que esse viajante estava no caminho certo. Mas nos países que não beneficiam do Sol do Mediterrâneo a preguiça é mais difícil e vai ser necessária uma grande dose de propaganda para a promover. Espero que os líderes dos clubes de juventude ao lerem as páginas seguintes iniciem uma forte campanha capaz de induzir os jovens a nada fazer. Se isso acontecer não terei vivido em vão.

Antes de avançar com os meus argumentos em favor da preguiça devo renunciar a um que não posso aceitar: Que alguém que já tem meios suficientes de subsistência não deve exercer qualquer tipo de trabalho porque isso seria tirar o pão da boca de quem precisa, logo uma má acção. Se isso fosse verdade seria necessário que ninguém trabalhasse para que houvesse pão para todos. Os que defendem esse tipo de argumentos esquecem que o que o homem ganha, o homem normalmente gasta, e gastando cria emprego. Desde que o homem gaste o seu salário, dá tanto pão aos outros gastando, quanto o que tirou ganhando. O mau da fita, deste ponto de vista, é aquele que poupa e não gasta. Se puser as poupanças debaixo do colchão, como o proverbial camponês da França, não cria emprego. Se investir o seu dinheiro a questão não é tão óbvia, e levanta outro tipo de problemas:

Uma das maneiras mais usuais de aplicar as poupanças é na compra da divida publica, ou seja emprestando o dinheiro ao Governo. Tendo em vista que o grosso da despesa publica vai para pagar guerras passadas, ou é gasto preparando guerras futuras, aquele que empresta fica na posição daquele malvado que contratava assassinos de que fala Shakespeare. Teria sido obviamente melhor se tivesse gasto o dinheiro de outra maneira, nem que fosse em bebida ou no jogo.

Mas, dir-me-ão, as coisas seriam diferentes se tivesse investido em empresas industriais. Quando estas são bem sucedidas e produzem algo útil, concedo que sim, mas o acontece é que presentemente a maioria delas vai à falência. Uma enorme quantidade de trabalho humano foi em vão, quando podia ter sido usado para produzir coisas que dessem prazer em vez de máquinas que ficam paradas por falta de compradores. Quem investe em projectos falhados causa dano, não só aos outros, como também a si próprio. Se tivesse gasto o dinheiro em, por exemplo, festas para os amigos, eles poderiam ter tirado algum prazer e teria ajudado gente como o talhante, o padeiro e o vendedor de bebidas. Mas se tivesse gasto o seu dinheiro financiando a abertura de linhas férreas para novos destinos onde os comboios não são realmente necessários, a sua bancarrota seria encarada como um azar e ele como uma vitima do destino, enquanto aquele que alegremente desbarata o seu dinheiro em obras filantrópicas seria visto como uma pessoa tonta e frívola.

Tudo o que disse até agora não passou de preliminares. O que quero afirmar, com toda a seriedade, é que muito do sofrimento existente no mundo moderno é resultado de se encarar o trabalho como algo cheio de virtude e que o caminho para a felicidade e prosperidade está numa diminuição planeada das horas de trabalho.
(continua)

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