A GAZETA DO MIDDLESEX
Inglaterra, que Inglaterra ?
Por Nick Cohen
“Inglaterra, que Inglaterra ? Inglaterra, de quem é a Inglaterra ? Há apenas um ano poderia-mos responder a todos os quem, quê, porquês, com uma serie de “nãos”: Este país não era o Uganda de Idi Amin, não contemplava a possibilidade de deportar quase três milhões de cidadãos Europeus. Seria impossível sequer encarar a possibilidade que aqueles, que sendo na generalidade boa gente, e que vive, ama, casa, cria os filhos e trabalha entre nós, temesse ser arrebanhada e levada para os portos como se fossem estrangeiros inimigos. E não apenas por existir um milhão de nossos compatriotas que vivendo na Europa poderiam ser objecto de medidas retaliatórias iguais.
Então os nossos líderes não eram completamente estúpidos, pelo menos não todos eles. O Partido Conservador, sendo o partido dos negócios, não iria excluir a Grã-Bretanha do maior mercado exportador do mundo. O Partido Trabalhista não se tornaria aliado do Governo nesse objectivo. O Partido Trabalhista, que era o partido dos trabalhadores, ou que pelo menos assim se achava, tinha obrigação de saber que seria a classe trabalhadora quem mais sofreria com a perda de emprego e a inflação galopante, inevitáveis consequências da saída do mercado único e da UE.
Estas sendo questões que se definem pela negativa não deixam porém de ser importantes. Podem não ser bombásticas, nem produzir declarações inflamadas sobre a grandeza da Pátria, mas elas sim, são produto de um sentimento patriótico que leva a proclamar que o meu país não ameaça com a deportação de milhões, nem põe em risco a subsistência dos seus cidadãos mais pobres.
O que quer que seja que este país tenha sido no passado, este já não é o nosso país. Para se poder compreender a sinistra dinâmica que leva a que os nossos mais nobres instintos e melhores interesses sejam ignorados, é preciso lidar primeiro com a questão que é proibida de se mencionar: A da estupidez das massas e o seu efeito na vida publica.
Comentadores pseudo-heroicos afirmam que desafiam os tabus. Dizem que “não estamos autorizados a falar na imigração” e depois em pouco mais falam do que nela. Dizem que é tabu falar na morte, mas depois demonstram que afinal não era bem assim quando ela se torna num assunto recorrente. Mas há um genuíno tabu que impede que se diga que as pessoas como indivíduos podem ser estúpidas, e que por vezes a sua estupidez se congrega para produzir enormes danos auto-infligidos, como resultado dessa mesma estupidez colectiva. Tentem repetir esta heresia na BBC e verão a reacção de horror que provoca.
Por todo o lado psicólogos vêm abandonando a tese da “sabedoria das multidões” pela analise dos nossos comportamentos irracionais, da nossa por vezes exagerada auto-confiança e da nossa preferência pela informação que reforce os nossos preconceitos. No entanto é necessária coragem para, na praça publica, vir dizer que o eleitorado pode fazer escolhas estúpidas, muito embora todos nós indivíduos saibamos que as fazemos continuamente. È por isso que eu devo abordar este assunto com todas as cautelas.
Não seria razoável afirmar que todos os que votaram Brexit são tontos. Mas foram tomados por tontos aqueles que acreditaram na imprensa de direita, em Boris Johnson, Nigel Farage e Michael Gove ,quando afirmaram que sair da UE iria criar mais emprego em vez de o destruir.
Ninguém dirá que todos os que votaram em Theresa May é tonta – basta olhar para o embaraço da oposição na questão. Mas se não perceberam imediatamente que o que Mrs. May queria era fazer-vos passar por isso mesmo, quando acusou os Nacionalistas Escoceses de ao pedirem a independência “Quererem tirar a Escócia do seu maior Mercado”, quando é o que ela tenciona fazer precisamente com a saída do Reino Unido da UE, então é porque o são mesmo.
Na semana passada a Câmara dos Lordes aprovou uma modesta emenda garantindo, depois de ser accionada formalmente a saída do Reino Unido da UE, a manutenção dos direitos dos cidadãos Europeus residentes. Qual será porém o problema que isto levanta ? O próprio Governo já veio dizer que não deseja deportar 3 milhões de pessoas. Isso seria garantir o colapso de largos sectores da actividade publica e privada. As consequências emocionais seriam pelo menos tão grandes como as económicas. Certamente que este Governo sabe que não há o “Nós” e o “Eles”. Os Europeus, incluindo os Europeus Britânicos, têm vindo a casar-se entre si há longo tempo. Ameaçar esses laços seria, como disse a Imprensa tablóide tão admiradora de Theresa May, “mexer com a alma das pessoas”.
O Governo diz que não tenciona deportar ninguém. Afirma que está meramente a não confirmar os direitos dos Europeus residentes enquanto não receber iguais garantias sobre os direitos dos Britânicos residentes na UE. Mas porque então proferir a ameaça se não vislumbra nenhuma circunstancia em que poderá ter de leva-la por diante ?
É um cliché afirmar que a riqueza das economias depende mais das pessoas do que de fábricas e maquinaria. È igualmente óbvio que as pessoas não ficam se sentirem que não são bem recebidas. O SNS e o sector privado imploram ao Governo que forneça desde já as necessárias garantias porque muitos trabalhadores especializados sentindo a hostilidade já falam em abandonar o país.
Mas quando os Lordes aprovaram essa medida os políticos Conservadores reagiram acusando-os de “prestarem um mau serviço ao interesse nacional”.
Os insultos são sintomáticos de uma dinâmica de direita que está a conduzir o país por um caminho de irremediável loucura.
Inglaterra, que Inglaterra? Certamente não uma em que um patriota possa sentir orgulho...”
Artigo publicado no Jornal “The Observer” em 5 de Março de 2017