A GAZETA DO MIDDLESEX
SEIS MESES E ALGUNS DIAS...
… Se passaram sobre a data do referendo e a vitória do Brexit. Seria razoável esperar que o Governo de S.M. tivesse hoje uma visão clara sobre o que quer da UE e que a Primeira-Ministra fosse vista como sendo uma mão firme ao leme da barca Britânica agora que a turbulência das verdadeiras negociações vai começar, e que não parecesse para muitos dos seus concidadãos como alguém que tenha adormecido ao volante. “Brexit means Brexit”, Brexit significa Brexit, foi a sua palavra de ordem repetida até à exaustão, e quando a vacuidade do sound-byte se tornou insuportável, e o clamor exigindo maior clareza ensurdecedor, veio solicita esclarecer as massas que não haveria nem “Hard Brexit” nem “Soft Brexit”, mas sim um Brexit “Encarnado, Azul e Branco”, afinal um Brexit tingido com as cores nacionais. Perante isto o frémito de pânico que percorreu o país é compreensível, uma vez que entre o Soft e o Hard vai um mundo de diferença: Aquela que medeia entre o continuar a aceder ao Mercado Unico Europeu, minimizando os custos económicos da saída da UE, mas obrigando a manter a livre circulação de pessoas e bens, e o cortar totalmente as amarras e zarpar rumo à Terra Incógnita do comercio sujeito às tarifas alfandegárias da WTO.
Esta questão, a do Soft e do Hard Brexit, transformou os Jornalistas, comentadores e analistas políticos, e a generalidade da população, em aptos leitores dos mais ténues sinais de para que lado pende a balança, mas o mais curioso é que a cotação da Libra esterlina os segue também, esta ora subindo ora descendo, conforme pareça vencer o radicalismo dos defensores do hard Brexit ou o prudente bom-senso daqueles que o preferem na versão soft.
Neste equilíbrio instável, que faz parecer que a Grã-Bretanha irá estar simultaneamente dentro e fora da UE, (Tal como o gato de Schrӧdinger, que estava ao mesmo tempo vivo e morto), qualquer acontecimento é profundamente desestabilizador. Foi o que se passou recentemente quando “o nosso homem” em Bruxelas, o Embaixador Sir Ivan Rogers, se demitiu do cargo após anos no posto, o que o tornava no Britânico com mais profundo conhecimento da organização e funcionamento da UE numa altura em que a sua experiência era crucial para as negociações que vão começar. Mas Sir Ivan não se limitou a pedir a demissão: Deixou uma carta de despedida à sua equipa que é uma devastadora acusação ao modo como o seu Governo, em particular a Primeira-Ministra, têm conduzido o dossier:
“ ...Espero que continuem contestando os argumentos mal fundamentados e os raciocínios pouco claros, e que nunca receiem falar verdade aos que estão no poder.”
“...Desejo que se apoiem mutuamente nestes momentos difíceis, em que é necessário transmitir opiniões que serão desagradáveis para os que necessitam de as ouvir.”
“...Contrariamente ao que alguns pensam, o comercio livre não acontece apenas pela ausência de regras e regulamentos: O acesso a outros mercados implica acordos multilaterais, plurilaterais e bilaterais que sejamos capazes de firmar, em termos que nos sejam vantajosos.”
Seguiu-se uma vaga de raiva e rancor contra o demissionário pelos defensores do Brexit e rapidamente se soube quem seria o seu substituto: O também Embaixador Tim Barrow, que traz consigo a inestimável experiência de ter sido há anos o titular do cargo em Moscovo.
Realmente só os néscios não verão a genialidade de quem teve a autoria desta mudança.
O mais extraordinário é o facto dos adeptos de Brexit afirmarem constantemente necessitar a Europa mais do Reino Unido, do que o inverso. Invariavelmente é lembrado que a Alemanha exporta 1/5 da sua produção automóvel para a Grã-Bretanha e que sendo Frau Merkel amiga dos “mercados” não quererá matar “a galinha dos ovos de ouro.”
Ainda recentemente Boris Johnson, o incrivelmente Ministro dos Estrangeiros Britânico, disse a Carlo Calenda, o Italiano Ministro da Economia , que a Grã-Bretanha teria de ter acesso ao Mercado Único incondicionalmente, senão a Itália venderia menos espumante Prosecco aos Ingleses, ao que este respondeu : ”Venderemos menos a um país, mas vocês venderão menos a 27!” Foi este o nível a que se chegou.
Mas a desagradável surpresa para os que ufanamente previam que a UE se submeteria à Pax Britannica reside no facto de os 27 estarem unidos no que toca ao Brexit. É verdade que haverá um preço a pagar, mas como se sabe há alturas em que o preço económico é inferior ao político, e esta é uma delas: Permitir a saída de Grã-Bretanha sem custos teria um efeito desagregador para a Europa, preço que nem Merkel estará em condições de aceitar.
Há dois anos atrás a Suíça votou em referendo a imposição de limites à imigração de cidadãos da UE. Não sendo ela própria membro da União, a Suíça acordou respeitar as regras Europeias, entre as quais está a livre circulação de pessoas, para poder beneficiar, entre outras coisas, do acesso ao Mercado Único. Perante a inflexibilidade da UE, e na iminência de pesadas sanções, a Suíça no passado mês assinou um acordo reafirmando a aceitação desse mesmo principio que pretendia abolir.
Este caso ilustra de maneira clara em como o resultado do referendo Britânico dá apenas a ilusão de soberania: Nas negociações que agora se iniciam a Grã-Bretanha depende que o resultado a que se chegar seja aprovado por pelo menos 72% dos Estados membros, representando 65% da sua população, e o prazo limite de dois anos para a negociação, após ser accionado o Artº 50 do Tratado de Lisboa, apenas pode ser prorrogado se isso for aceite pela totalidade dos 27. Acresce que, neste caso, o Parlamento Europeu terá a palavra decisiva. É verdade que o Reino Unido votou pela saída, mas será a União Europeia a decidir como. Se juntarmos a isto o facto que as estimativas mais conservadoras do tempo necessário para que seja assinado um acordo de comercio entre a UE e a Grã-Bretanha é de pelo menos de uma década, teremos a noção do intratável que é o problema que enfrentam os negociadores Britânicos.
A qualquer altura espera-se a decisão do Pleno do Supremo Tribunal de Justiça chamado a pronunciar-se sobre o apelo feito pelo Governo contestando decisão de um Tribunal Superior que impunha a aprovação no Parlamento da invocação do citado Artº 50, sendo a opinião unânime dos observadores que o apelo será rejeitado. Dado a divisão dos Parlamentares entre partidários de Brexit e aqueles que se lhe opõem, que reflecte aliás a divisão do povo Britânico, o resultado é tudo menos previsível.
Esta Terça-Feira Theresa May fará um discurso na Câmara dos Comuns onde dará finalmente conta dos planos e objectivos do Governo para as negociações com a União Europeia, tendo em vista a efectivação da saída do Reino Unido da UE.
Pelo impasse a que se chegou ele deverá ser tudo menos conciliatório, e o anuncio do que haverá um hard Brexit é o mais provável.