A GAZETA DO MIDDLESEX
Stoke, Copeland, Brexit
(e tudo o resto)
Ontem realizaram-se as eleições intercalares nas circunscrições de Stoke e Copeland, ambas no Norte de Inglaterra. Mas talvez valesse a pena olhar com mais detalhe sobre o que se passou, e passa, no país do Brexit.
Mas comecemos por Stoke-on-Trent, de seu nome completo, cidade que está para a Inglaterra o que a Marinha Grande está para Portugal. Afirma-se que foi aí que a Revolução Industrial deu os primeiros passos, com a cidade sempre ligada à industria da cerâmica. Terra de industria, de operariado portanto, e naturalmente um bastião do Partido Trabalhista. Mas com Thatcher, e a sua política de desindustrialização da Grã-Bretanha, foi Stoke um dos locais que mais sofreu, e a crise foi tão devastadora que ainda é visível e muito sentida pela população.
Não surpreende portanto que no referendo de Junho do ano passado o Brexit tenha tido aí uma vitória esmagadora, recolhendo cerca de 80% dos votos. Tanto bastou para que o UKIP tenha triunfalmente declarado ser Stoke a Capital Britânica do Brexit.
Acontece que Tristam Hunt, o deputado do Partido Trabalhista que representava a circunscrição , pediu recentemente a demissão para se tornar Director do Museu Victoria&Albert em Londres, o que necessariamente implicava uma eleição intercalar afim de preencher a vaga, o que teve lugar ontem.
O Ukip viu nisto uma oportunidade fantástica de infligir uma pesada derrota ao Partido Trabalhista e apresentou como candidato Paul Nuttal, o seu recém eleito líder nacional. Em principio, dada a votação conseguida no referendo pelo Brexit, a vitória de Nuttal parecia garantida, mas de repente coisas do passado desse candidato começaram a surgir nos media, desde um doutoramento que nunca existiu, ao reclamar ter perdido grandes amigos na tragédia do estádio de futebol de Hillsborough, o que se revelou ser também falso.
E de um momento para o outro a candidatura do Ukip colapsou e no ultimo instante o Labour arrancou, como aqui se diz, a vitória das mandíbulas da derrota.
Em Copeland as coisas não correram tão bem. Na realidade correram horrivelmente mal. Uma circunscrição Trabalhista desde 1935 acabou ontem nas mãos dos Conservadores, a primeira vez em 35 anos que um Partido de Governo ganha uma eleição intercalar. Então o que o post-mortem nos pode dizer ?
Em Copeland está uma grande parte da industria nuclear Britânica, incluindo Sellafield, uma das maiores instalações de reciclagem de lixo nuclear do mundo.
As opiniões de Jeremy Corbin contra o nuclear são bem conhecidas e isso foi usado até à exaustão pelos Conservadores soprando o medo que uma vitória Trabalhista poria em causa milhares de postos de trabalho. Não houve desmentido capaz de neutralizar esta campanha, nem de contrabalançar a promessa dos Tories que, em caso de vitória, construiriam mais uma central nuclear na área.
A própria eleição foi causada pela demissão do deputado Trabalhista em funções, não para ser director de um afamado museu, como em Stoke, mas para passar a trabalhar auferindo um principesco salário na industria nuclear local. Que maior recomendação poderia haver, e vinda das próprias fileiras Trabalhistas, para votar nos Conservadores ?
Como desatar o nó górdio ? Atentem no seguinte: Dois terços dos deputados Trabalhistas defenderam no referendo a permanência do Reino Unido na UE, mas dois terços das suas circunscrições votaram Brexit. Que fazer ? Seguir as suas consciências e continuar a lutar contra o Brexit, ou respeitar a vontade livremente expressa pelos seus eleitores em referendo e apoia-lo ?
Como em qualquer grande Partido, o Partido Trabalhista é uma coligação: Classes trabalhadoras, especialmente no Norte, funcionalismo publico, minorias étnicas, classe média urbana e a chamada intelectualidade. Qualquer que fosse a decisão os danos seriam imensos, pela alienação de partes importantes dessa coligação.
A escolha de Jeremy Corbyn, e de meia dúzia de seus fieis, foi votar no Parlamento com o Partido Conservador pela activação do Artº 50, e tornar assim irrevogável o Brexit. Corbyn impôs a disciplina de voto, mas mesmo assim o inevitável aconteceu: O grupo parlamentar dividiu-se e metade desafiou a autoridade do líder e votou contra. Quando Corbyn ele próprio, na sua longuíssima carreira parlamentar, votou centenas de vezes contra a direcção do Partido, ou mesmo contra o seu Governo, como é que se lhe pode reconhecer autoridade moral para punir rebeliões alheias ?