A Gazeta do Middlesex

The Rain in Spain

23/8/2014

0 Comments

 
Click to set custom HTML

           
           THE RAIN IN SPAIN STAYS MAINLY IN THE PLAIN


             (and in Hertford, Hereford and Hampshire
                   Hurricanes Hardly ever Happen) 


Aqueles que estão deste lado dos sessenta dificilmente se terão esquecido da beleza estonteante de Audrey Hepburn no filme My Fair Lady no qual interpreta o papel de Eliza Doolittle, uma vendedora de flores do mercado de Covent Garden, e que falava com uma cerrada pronuncia cockney tão típica dos bairros populares de Londres.

Por um acaso Eliza conhece o Professor Higgins (Rex Harrison), um especialista em fonética que aposta ser capaz de a pôr a falar com a impecável pronuncia da upper class inglesa, coisa tida como impossível pelo seu amigo e colega, o Coronel Pickering (Wilfrid Hyde-White).

Após longos meses de treino intenso, Eliza enfrenta a sua primeira grande prova ao ser levada pelo seu mentor às corridas de Ascot, onde será convidada para o camarote da família.

Mas se a aluna consegue falar como se tivesse ela própria nascido na alta sociedade, o que diz revela-se um perfeito desastre, o que prova que o Prof. Higgins cometeu um erro ao dar apenas importância à forma e não também ao conteúdo.

Seguem-se mais semanas de treinos intensos e aproxima-se a data do mais difícil obstáculo, da prova definitiva, que será o baile da embaixada que contará com a presença da Rainha da Transilvânia e de toda a aristocracia da capital.

A cena da entrada de Eliza Doolittle no salão de baile ainda hoje deslumbra, pela beleza e majestade com que se desloca provocando uma verdadeira comoção entre a assistência, e talvez nunca o cinema terá conseguido filmar tão bem a transformação de uma pobre rapariga numa verdadeira princesa.

Mas entre os convidados está Zoltan Karpathy, um húngaro também especialista em fonética, o melhor aluno que o Prof. Higgins jamais teve.

Zoltan é um adversário formidável, capaz de identificar a origem de qualquer pessoa pela sua maneira de falar desmascarando qualquer impostor, e quando um dos convidados se apresenta como sendo o Embaixador da Grécia ele rapidamente denuncia-o como sendo afinal filho de um camponês do Yorkshire.

Mas Eliza aceita o seu convite para dançar e após um longo escrutínio Zoltan pronuncia o seu veredicto: A desconhecida, a pobre Eliza, é ela própria também uma princesa real e a aposta do Professor Higgins está portanto ganha !




O filme baseado na peça Pigmaleão de G. B. Shaw é evidentemente uma fantasia mas tem algum fundamento numa realidade que ainda hoje persiste: Em Inglaterra a maneira de falar é um indicador preciso da origem social de cada um.

Do que se trata não são sotaques regionais como o alentejano ou o do Norte, ou como o Escocês, o da Irlanda ou o Galês, mas algo bem mais subtil que tem a ver com a dicção, com a articulação perfeita dos sons, não sendo apenas uma pronuncia afectada própria de “gente bem”.

O upper class accent é inimitável e tem de ser aprendido cedo e normalmente quem assim fala foi aluno de uma public school que, contrariamente ao que o nome sugere, são escolas privadas e muito caras.

Mas entre esse e o working class accent existem muitas matizes e os nativos daqui é como se estivessem equipados com um gps mental capaz de localizar a posição hierárquica de cada um na tribo.

Esses complexos códigos linguísticos que eles conseguem interpretar têm pouco a ver com a fortuna ou a ocupação: É perfeitamente possível que alguém apesar de “bem nascido” tenha caído na miséria e ser um sem-abrigo, mas ao falar com o tal upper class accent será contudo sempre encarado como pertencente às classes altas, da mesma maneira que uma pessoa nascida no seio das classes trabalhadoras, apesar de ter feito uma grande fortuna e viver no luxo e na opulência, ao falar com working class accent será sempre tido como fazendo parte desse estrato da sociedade.

Esta importância dos sinais linguísticos, esta irrelevância da riqueza ou da profissão como indicadores de classe social, demonstram que afinal a sociedade não é uma meritocracia e o que conta é a maneira de falar e a terminologia que se emprega por revelarem a condição em que se nasceu, e o que se conseguiu na vida afinal não é tão importante assim.

E a menos que haja uma determinação igual à de Miss Doolittle, sujeitando-se a um esforço longo e penoso para aprender a falar de uma maneira diferente à do seu meio, resta a resignação e o consolo de saber-se que na vida que há algo muito mais importante do que a maneira como nos expressamos.



A lembrança de toda esta história da vida de Eliza Doolittle e do Prof. Higgins veio-me  porém à memória pela pior das razões:



No passado dia 21, naquilo que se chama o Expresso Diário e que é publicado on-line, é o próprio director, Ricardo Costa de seu nome, que publica um editorial sob o titulo ”O carrasco com sotaque Downton Abbey” que versa o assassinato do jornalista americano no Iraque e que não passa de um indigno “cheap shot” em que tenta mostrar-se esperto e conhecedor, quando afinal o que demonstra é ser burro e ignorante. Deveria ter sentido algum pudor não tentando aproveitar um crime horrendo para  botar figura inventando um titulo chamativo e escrevendo sobre aquilo que não sabe.




Click to set custom HTML
0 Comments



Leave a Reply.

    Author

    manuel.m

    contact@manuel2.com

    Archives

    June 2018
    April 2018
    March 2018
    February 2018
    January 2018
    December 2017
    November 2017
    October 2017
    September 2017
    August 2017
    July 2017
    June 2017
    May 2017
    April 2017
    March 2017
    February 2017
    January 2017
    December 2016
    November 2016
    October 2016
    September 2016
    August 2016
    July 2016
    February 2016
    January 2016
    May 2015
    April 2015
    March 2015
    February 2015
    January 2015
    December 2014
    November 2014
    October 2014
    September 2014
    August 2014
    July 2014
    June 2014
    May 2014
    April 2014
    March 2014
    February 2014
    January 2014
    December 2013

    Click here to edit.

    Categories

    All

Proudly powered by Weebly