Na
National Gallery, em Trafalgar Square, numa das muitas salas repletas
de quadros, a um canto e passando quase despercebida está exposta
uma pequena tela com um auto-retrato de Salvatore
Rosa. Pintor e poeta , natural de Nápoles, não é dos mais
conhecidos a não ser talvez
pela mensagem que deixou nesse quadro :
“Aut tace aut loquere
meliora silentio”
Ou
seja : “Não fales a menos que aquilo que digas seja melhor que o
silencio”. Nas minhas muitas visitas fico sempre uns momentos
contemplando o quadro relendo tão sábio conselho e não foram
poucas as vezes que me arrependi por não o ter seguido.
Quando
há algum tempo ganhei o hábito de fazer uma viagem solitária pelos
blogs portugueses, estando longe sem guia ou bússula, ía à
descoberta e muitas vezes já noite alta e na hora de terminar, vía
com satisfação que a “pesca” tinha sido boa. Inevitavelmente a
certa altura comecei a sentir vontade de igualmente “botar”
palavra, de também ter o meu próprio blog.
Porém
a lembrança da frase de Salvatore Rosa fez com que fosse adiando
esse momento por pensar se o meu silencio não seria bem melhor do
que aquilo que eventualmente pudesse dizer, e se agora decidi
avançar não foi por inesperadamente ter concluído que o mundo se
tornaria num lugar melhor ouvindo as minhas opiniões mas por,
havendo tantas centenas de blogs publicados e todos clamando por
atenção, mais um não fazer grande diferença. Isto não quer dizer
que não acalente uma vaga esperança de ter algum sucesso: Qual é o
blogger que não aspira a que a sua presença seja notada, o seu
nome lembrado, as suas opiniões ouvidas, e os seus erros tratados
com indulgência? Aliás ponderei, (não muito sériamente,
confesso), chamar ao meu recém-nascido “Can I have your
attention, please ! ” porque é disso que realmente se trata,
mas ficou mesmo “As Crónicas do Middlesex”, nome do antigo
condado onde vivo, hoje fazendo quase totalmente parte de Londres, e
para onde há já demasiados anos ventos fortes e mar revolto me
fizeram arribar.
A
política, (a britânica entenda-se), continua no centro dos meus
interesses e preocupações,e muito embora a minha participação
seja minima sobre ela escreverei, não tardando muito para que os
improvaveis leitores percebam para que lado pende o meu coração,
ao mesmo tempo que encontrarão insuspeitadas semelhanças com o que
se passa em Portugal. Aliás eu, tendo sido nado e criado à beira
Tejo como fui, conservo apesar de tudo um olhar português sobre as
coisas, olhar esse que a aculturação não apagou.
Foi
Dante que disse que o sitio mais quente do Inferno está reservado
áqueles que nos momentos dificeis escolhem a neutralidade. Muitos
outros pecados me cabem para que me possa sentir seguro de não ter
nele lugar reservado, mas se assim acontecer não será por não ter
tomado partido.
Falarei
disto e daquilo, do mais sério ao trivial, mas nunca ex-cathedra,
sendo como sou um sapateiro consciente de que não se deve atrever a
tocar rabecão. Pelo meio gostaria de ir traduzindo e publicando
alguns ensaios de Montaigne, e como quem gosta de Montaigne
naturalmente também gosta de Séneca, (Aliás a Montaigne os seus
contemporaneos chamavam o Séneca françês), e de Epicteto, de Marco
Aurélio e Epicuro. Achei que não seria má ideia deles também
tratar, contando, como conto, com a infinita benevolência de quem
lêr.
Não
tenho outras ambições além de porporcionar uma leitura agradavel,
agradavel mas nem sempre, pois há demasiada gente a tornar este
mundo ainda mais pobre e desgraçado do que já é, para não ter
por vezes de falar , e perdoem o vernáculo, nas muitas sacanices que
por aí se fazem.
E,
last but not least, falarei desta minha pátria adoptiva, sobretudo
do seu povo, da sua generosidade, tolerancia, sentido de humor e
abertura de espirito, e principalmente da sua particular maneira de
ser, sobre a qual tantos livros já foram escritos, mas que continua
a ser fonte de inesgotáveis perplexidades, mesmo para aqueles que
como eu passaram a fazer parte da familia.
Quando
ganhei o hábito de ler blogs portugueses assinava os comentários
que por vezes fazia como manuel.m identidade que continuarei a usar,
não porque o anonimato esconda algo mais do que a prosaica vida
de um oap (old age pensioner), mas porque o que escreverei será o
que revelará a pessoa que afinal sou, que é o que realmente
importa.
E
um final caveat :
Foi
Oscar Wilde que no “Retrato de Dorian Gray” escreveu mais ou
menos isto :
“A
cabeça de um velho é como uma loja de bric-á-brac com prateleiras
cheias de quinquilharias cobertas de pó...”. Pois a minha não
foge à regra e será natural acontecer , por exemplo, lembrar-me de
ir buscar uma figurinha de Meissen, prenda de casamento da dear
Auntie Maesie e no caminho esquecer-me completamente ao que ía e
acabar por trazer um pesa- papeis com a inscrição “Bognor Regis
1958 “. Portanto ficam avisados, (resta esperar que apesar de tudo
ainda conserve um modicum de coerencia e lucidez...) .
Não
procurando fama ou influencia, escreverei como se falasse com um
leitor imaginário com quem estivesse numa amena cavaqueira, e que
tal como eu ache que um dos grandes prazeres da vida é uma boa
conversa, despretensiosa e divertida, que é verdadeiramente
possivel apenas entre pessoas que levam a vida muito a sério.
E
como por cá se diz :“where there is tea there is hope !”, aqui
está ele e só falta arredar uns papeis e uns livros para que se
possa sentar confortavelmente.
Outside
is already dark and bitterly cold and so, Shall we begin ?